Milhares de turistas visitam a República Dominicana, a segunda maior nação do Caribe. Quando Cristovam Colombo descobriu esta ilha localizada entre Cuba, Jamaica e Porto Rico, não havia sido ele o primeiro europeu a andar pelas belas praias do Novo Mundo. O antecedeu o cristão novo Luís de Torres, um converso intérprete que o acompanhava na expedição dos “Reis Católicos”. Torres era tradutor, falava hebraico e fora escolhido porque Colombo esperava encontrar as “Dez Tribos Perdidas” de Israel, exiladas durante o cativeiro do Império assírio.
Os nativos encontrados pela expedição espanhola eram índios arawak, da tribo taino. No fim do século 15, os arawaks (aruaques) estavam já dispersos pela Amazônia, Antilhas, Bahamas, Flórida e na Cordilheira dos Andes. Eram populações indígenas neolíticas que viviam da agricultura, da pesca e da coleta. Elas produziam uma cerâmica rica em adornos e pinturas brancas, negras e amarelas. As populações ameríndias das Antilhas não conheciam a escrita, muito menos o hebraico.
Luís de Torres explorou a ilha Dominicana e observou os tainos fumando folhas enroladas em forma de cigarros. O tabaco ainda era desconhecido na Europa. Depois ele se estabeleceu em Cuba, onde se tornou administrador do território espanhol, obtendo a concessão do tabaco enviado do Caribe para Espanha.
Quando Colombo deixou a “Ilha Espanhola” (nome dado do território), seu irmão Bartolomeu foi indicado governador geral da ilha, área que depois foi dividida em dois países: Haiti ao leste e Dominicana ao oeste. Mesmo quando o domínio espanhol destruiu a cultura dos tainos, ela ainda é mostrada no “Dia da Independência” (27/02/1844) em todas as cidades do país.
Judeus em Santo Domingo
Os doze quarteirões da área colonial da capital Santo Domingo, chamavam-se originalmente Santa Isabel, em homenagem à Rainha Isabel a Católica. Fundada por Bartolomeu Colombo em 1496, é a mais antiga cidade do Novo Mundo. Praticamente, todos os exploradores espanhóis desde Vasco Nuñez de Balboa (1475-1519) até Juan Ponce de Leon (1460-1521) exploraram as terras que, posteriormente, abrigaram esta cidade colonial.
Enquanto a Inquisição se espalhava pelo Novo Mundo, os judeus foragidos da Península Ibérica procuravam estabelecer-se na ilha, bem longe do olhar atento do rei da Espanha e da Igreja. Nos cemitérios de Santo Domingo, nas cidades e aldeias do país, ainda é possível encontrar túmulos adornados com a Estrela de David. Os nomes originais dos judeus locais eram Cohen, Levi, Attias e Enriquez.
Em 1916 Francisco Hilário Henriquez e Carvajal (1859-1935), descendente de uma das famílias criptojudaicas mais famosas de região, assumiu a presidência da República Dominicana. Seu filho, Max Henriquez Ureña (1885-1968), foi nomeado embaixador do país na ONU, e fez o discurso de boas vindas quando Israel foi admitido membro da ONU em 1949.
A República Dominicana tem atualmente 11.190.709 habitantes. A vida judaica está centrada na capital Santo Domingo. Na ilha há 300 judeus, mantendo um centro comunitário com duas modestas sinagogas, uma em Santo Domingo e outra em Sosúa.
Um líder comunitário atua como rabino, dividindo seu tempo entre as duas localidades citadas.
Em Santo Domingo há também uma escola dominical (Sunday School) que atende entre 15-20 crianças, um pequeno grupo de mulheres do CJM (Congresso Judaico Mundial) e uma revista comunitária bimestral.
Nos últimos anos, israelenses, argentinos e norte-americanos se juntaram aos judeus para sustentar a sinagoga da cidade, onde são feitos serviços religiosos às sextas-feiras e durante as festividades judaicas mais importantes, basicamente Pessach, Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot. Os serviços são conduzidos em hebraico com interpretação e comentários em espanhol.
É interessante conhecer a sinagoga de Santo Domingo, não só por sua atraente arquitetura caribenha, mas também por sua notável história. O edifício foi parcialmente subsidiado pelo ditador general Rafael Leónidas Trujillo (1891-1961), que comandou o país com mão de ferro durante mais de três décadas. Em outubro de 1937, Trujillo foi responsável pelo massacre de 17.000 haitianos que viviam em Dominicana. Na ocasião, tropas do exército provenientes de diferentes áreas do país efetuaram a chacina por ordem do ditador. Apenas um ano depois, Trujillo, – que atendia a interesses americanos -, se posiciona a favor dos judeus perseguidos e exilados da Alemanha e da Áustria. Era talvez uma forma de atender aos pedidos de uma elite branca, sedenta em importar europeus para diminuir uma maioria mulata.
A “Conferência de Evian” – 1938
Durante o Terceiro Reich, enquanto o terror nazista aumentava envolvendo toda a Europa; um número considerável de judeus deixava Alemanha e Áustria por motivos de raça e religião. Em 1938, alguns países do Mundo Livre (Estados Unidos até Austrália), se empenhavam em impor leis cada vez mais restritivas desde o ponto de vista racial e religioso. Para o líder sionista Dr. Chaim Weizmann (1874-1952), naquele momento o mundo estava dividido em dois blocos bem definidos: “aqueles [países] que humilhavam e matavam judeus e aqueles que recusaram aceita-los em seus países”.
Entre 6-15 de julho de 1938, o Presidente dos EUA Franklin Roosvelt, organizou a “Conferência de Evian”, na qual representantes de 32 países se reuniram em Evian-les-Bains, na Costa Azul, para discutir caminhos alternativos de ajuda às comunidades judaicas condenadas pelo regime nazista. O objetivo maior era discutir o reassentamento de refugiados perseguidos pela política racista do Terceiro Reich.
Na “Conferência de Evian” esteve presente um delegado da “Liga das Nações”, porém os representantes dos refugiados não tiveram autorização para participar do encontro, pois se tratava de um “evento governamental”. A futura Primeira Ministra de Israel Golda Meir, representante da “Histadrut” (Congregação Geral dos Trabalhadores da Palestina Britânica), foi uma das observadoras do encontro. Nas “Memórias” ela afirmou: “Sentada naquele magnífico salão e ouvindo delegados de 32 países levantarem-se, um por um, para explicar o quanto teriam gostado de aceitar um número substancial de refugiados, e o quanto sentiam de não poder fazê-lo, foi uma experiência terrível”.
O encontro em Evian teve pouco sucesso, apenas obteve certo alivio nos trâmites de saída dos judeus alemães e austríacos, conseguindo alguns expatriarem seus patrimônios. Cada um dos países participantes expressou sua simpatia pelos judeus, mas fechou suas portas.
A República Dominicana ofereceu 100.000 vistos para os judeus europeus. O ditador Rafael Leónidas Trujillo (1891-1961) disponibilizou 22.230 acres de terras ao “American Jewish Joint Distribution Commiteee” (AJJDC) para esses imigrantes. O objetivo de Trujillo era trazer judeus voltados para a agricultura, num esforço de “branquear” a população e levantar a economia do país. Uma moção aprovada pelo Parlamento dominicano garantiu aos judeus refugiados do Nazismo, a liberdade de religião, isenção de impostos e taxas alfandegárias.
Em 10 de maio de 1940, quase 450 anos depois de Cristovam Colombo aportar naquelas praias virgens, o primeiro navio de refugiados judeus chegava à República Dominicana. Neste ano havia 40 judeus na ilha, mas ao final da Segunda Guerra, 687 judeus haviam entrado ao país. Eles criaram o primeiro “moshav” local, baseado no modelo israelense de cooperativa, em uma vasta plantação de bananas entre a selva e o Oceano Atlântico, na parte nordeste da ilha. A cidade recebeu o nome de Sosúa.
Judeus em Sosúa
A comunidade de Sosúa surgiu durante o Holocausto. A terra de Sosúa era árida e seu clima sufocante. Havia certo temor por parte dos membros do “American Jewish Joint Distribution Commiteee” de que aqueles refugiados de Hitler, (maioria composta por profissionais liberais e intelectuais), falhassem em seu empreendedorismo agrícola. Assim, esta organização judaica sediada em Nova Iorque, recomendou que apenas 600 jovens independentes fossem para esta região. Com ajuda do AJJDC, os recém-chegados aprenderam agricultura, recebendo cada um 80 acres de terra, 10 vacas, uma mula e um cavalo, tudo pelo preço de 10 dólares por mês.
Em pouco tempo, os fazendeiros judeus construíram lojas, um sistema de esgoto e uma clínica. A comunidade também estabeleceu uma escola e um jornal diário promovendo os produtos elaborados no lugar. Muitos dos pioneiros deixaram Sosúa após o termo da Segunda Guerra, mas algumas famílias ainda permanecem, dedicando-se a preservar a velha sinagoga de madeira, uma verdadeira joia histórica, onde são realizados os serviços religiosos todo quarto sábado de cada mês.
Atualmente, Sosúa é um tranquilo resort de exótica beleza. Cerca de 30 famílias judias ainda permanecem ali. Seus negócios são responsáveis pela manteiga, queijos e produtos derivados da carne consumidos na República Dominicana. Nas proximidades da sinagoga funciona o museu com sua exposição permanente. A mensagem final da exposição diz tudo: “Sosúa, uma comunidade nascida da dor e nutrida com amor”. Esta frase traduz perfeitamente o triunfo da vida em aqueles judeus fugitivos do Nazismo.
A liderança comunitária
Nos anos 2000 a liderança da comunidade judaica da República Dominicana estava nas mãos do Sr. Yehoshua Tzvi, mais conhecido pelo apelido “Chicole”, em espanhol “chico”, pequeno. O Sr. Chicole nasceu em Cali em 1938. Sua infância não foi fácil, perdeu sua mãe quando tinha 12 anos, e logo seu pai casou novamente com uma sobrevivente do Holocausto, que também faleceu.
Nos anos 60 Chicole viajou a Israel morando durante anos em um kibutz, comunidade agrícola de ideologia socialista, mas sentindo saudades decidiu retornar à Colômbia. Cali é a cidade favorita de Chicole. Como outras cidades do país, abrigara uma vibrante comunidade judaica de sefaraditas e ashquenazitas, especialmente descendentes de alemães. Chicole comenta que “os judeus alemães dominavam a vida judaica, principalmente a B´nei Brith, que tinha uma grande atuação no país”. Ele mesmo foi membro da B´nei Brith durante 42 anos.
A comunidade judaica sofreu muito nos anos 80 durante a guerra civil colombiana. As gangues armadas da FARC-EP (fundada em 1964) começam a sequestrar as pessoas para pedir resgate, os primeiros a abandonar o país foram os industriais judeus com medo de perder suas vidas. Assim, filhos de empresários judeus administravam as empresas enquanto seus pais estavam no exterior. Não havendo mais industriais, a guerrilha começou a sequestrar pessoas da classe média. Aos poucos, todos os judeus que podiam, saíram de Cali deixando para trás uma comunidade desprotegida, basicamente composta de gente idosa que não tinha para aonde ir. A comunidade ficou reduzida a 50%. Em menos de uma década o número de judeus passou de 10.000 para 6.000 almas. A maioria escolheu como destinos EUA, Israel, Costa Rica e República Dominicana.
O Sr. Chicole chegou à República Dominicana desde a Colômbia, onde seu avô insistia para que ele adotasse um modo de vida religioso. Não escutou o conselho e decidiu estudar agronomia. Dedicou-se aos negócios e considera a liderança comunitária sua segunda carreira. Ele foi durante vários anos “Diretor de Assuntos Religiosos” da comunidade, mas nunca se considerou um rabino e sim um líder comunitário.
Para os judeus da Dominicana, Chicole é um líder nato, apaixonado e competente, possuindo requisitos necessários para trabalhar profissionalmente na liderança comunitária. Quando perguntado acerca do alto índice de assimilação da comunidade, ele costuma responder: “Não posso resolver o problema da assimilação nesta comunidade. O problema da assimilação é mundial e não só das comunidades judaicas latino-americanas ou caribenhas”.
Chicole entende que o fundamental para o combate à assimilação é fortalecer o Judaísmo dos remanescentes da comunidade e instilar neles uma sólida conscientização judaica, “falando sempre que possível das origens, da história judaica e do amor que devemos sentir pelo Estado de Israel”.
No tempo em que Chicole esteve na comunidade da República Dominicana, ele causou uma verdadeira revolução. Seus objetivos eram revitalizar a comunidade e despertar em cada um dos membros o orgulho de ser judeu. Através de correspondência mantida com o Sr. Isaac Lalo, Presidente da Comunidade Judaica; fomos informados que a comunidade conta hoje com 50 famílias-membro, percorrendo um total de 300-350 pessoas.
Na capital Santo Domingo há una sinagoga ativa e uma filial do Beit Chabad. São realizados também serviços religiosos todo Shabat como em dias festivos importantes. Um jantar de Shabat ou das principais festividades (Pessach, Rosh Hashaná, Sucot) pode chegar a congregar entre 75 e 80 pessoas, aproximadamente 25% da comunidade. Chicole aproveita o Shabat para preparar os jovens para seu Bar Mitzvá (maioridade adulta). Ele também é responsável pelas conversões ao Judaísmo.
Uma vez por mês Chicole passa o Shabat em Sosúa e conduz os serviços religiosos da cidade. Lá não há um líder religioso nem serviços contínuos. Mesmo assim, cerca de 30 pessoas vêm à sinagoga uma sexta feira por mês. Sosúa é uma comunidade localizada na costa norte da ilha. No ano de 2003 este lugar paradisíaco foi visitado por judeus ortodoxos vindos do Marrocos que chegaram inclusive a comemorar Pessach no lugar.
Os poucos membros da comunidade de Sosúa chegaram dos diferentes cantos do mundo, principalmente dos países europeus e do Oriente Médio. Em entrevista realizada com Chicole ele confessa: “Adoro os finais de semana em Sosúa. É um lugar tranquilo e, depois dos serviços das 6as feiras, à noite, existe a oportunidade de encontrar famílias que ainda se identificam com o Judaísmo. Uma das vantagens destas viagens é caminhar na melhor praia da ilha”.
Como líder judeu num país 95% católico, o Sr. Chicole representa oficialmente à comunidade judaica nos eventos do governo e mantém contatos inter-religiosos. Chicole coordena a comunidade da República Dominicana com uma combinação única de organização, disciplina e bom humor. Ele adora participar de maratonas e já venceu a famosa “Maratona Senior Latino-americana” de 10 km. Quando perguntado se ele não se sente desencorajado em viver numa comunidade que está se assimilando, ele responde que “não, pois ele é um corredor de longa distância”.
Palavras finais
A comunidade judaica da República Dominicana está localizada num dos primeiros países da América Espanhola. Estas terras da região do Caribe foram colonizados por judeus conversos, recebendo gradualmente judeus expulsos de vários países do mundo.
O surgimento de Hitler e a política antijudaica do Terceiro Reich gerou um exílio judaico rumo às Américas e, certamente a República Dominicana foi um dos destinos escolhidos.
O fortalecimento do Sionismo e o surgimento do Estado de Israel, em 1948, colaboraram para a consolidação da identidade judaica na ilha. Mesmo assim, ultimamente o número de judeus não sofreu grandes alterações, e a Dominicana continua sendo nos dias de hoje uma “kehilá” pequena dentre as numerosas comunidades judaicas espalhadas pelo mundo.
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