A figura do último Imperador do Brasil não foi devidamente estudada no ambiente de seu tempo. Amado e elogiado, criticado e censurado, D. Pedro II (1825-1891) foi um soberano extremamente culto e uma personalidade singular que merece um lugar de destaque na galeria dos grandes vultos do século 19.
O escritor Victor Hugo, na sua obra “O retorno do Imperador” (1840), afirma que, para o povo brasileiro, D. Pedro II continuará sendo “le petit-fils de Marc Aurêle” [o neto de Marco Aurélio]; aquele que falava italiano como um toscano, francês como parisiense, alemão como prussiano e inglês como um professor britânico. Em resumo, a perfeição de todos os Imperadores.
O Brasil, por intermédio de seus intelectuais e com ajuda do monarca, preocupou-se em forjar um ideal de Imperador diferente do modelo de Imperador europeu. Pedro II criou este papel para si mesmo e o desempenhou a perfeição e sem deslizes, vestindo suas roupagens e impondo costumes, praticando e cumprindo as funções protocolares em que a Providência lhe colocou.
Pedro II demostrava a placidez de um sábio, a calma de um justo, a serenidade de um homem puro, a figura venerada de um mestre, o amigo dos maiores espíritos da época, o personagem de grande estudioso afeiçoado aos livros e às ciências, protetor das artes e das letras. Todos esses protótipos de “Dom Pedros” possuem uma dose de lenda; portanto são um pouco verdade e um pouco imaginário.
É extremamente difícil escolher um único personagem do século 19, e através dele, sintetizar a eloquente figura de D. Pedro II. Admirado pelo cientista Charles Darwin, pelo escritor americano Henry W. Longfellow, pelo estadista William E. Gladstone, pelo pai da historiografia franco-judaica Prof. Ernest Renan, pelo poeta italiano Alessandro Manzoni, pela diva Sarah Bernhardt, pelos egiptólogos François Auguste Ferdinande Mariette e Heinrich Karl Brugsh, pelo humanista Barão de Taunay e pelo orientalista Christian Seybold; para mencionar aqui algumas das mais notáveis personalidades da época; o Segundo Imperador do Brasil foi recebido e reverenciado por diferentes expoentes da civilização ocidental, tanto na Europa e nas Américas como no longínquo Oriente Médio.
Em 1888, Charles Darwin justificava-se perante o Imperador, que o tinha procurado duas vezes sem êxito, numa curta visita a Londres: “O Imperador faz tanto pela ciência, que todo sábio lhe deve o maior respeito”. E justamente por isso, continua o cientista, “desejo manifestar com a mais perfeita sinceridade, quanto me dei por honrado com o seu desejo de me ver, e quanto lamentei estar ausente de casa”.
William Gladstone, o Primeiro Ministro da Inglaterra Vitoriana, numa curta conferência feita em Londres, na cerimonia da Caxton Exhibition, em 1 de julho de 1877, definiu D. Pedro assim: “Este homem é um modelo para todos os soberanos do mundo, pelo seu zelo no fiel e corajoso cumprimento dos seus altos deveres… É o que eu chamo de um grande e bom soberano, que pelo seu procedimento no posto eminente que ocupa, é um exemplo e uma bênção para a sua raça”.
Muitos franceses como Conde de Gobinaeu, Victor Hugo, Alphonse de Lamartine, Grão Rabino de Avinhão Benjamin Mosse, o Grão Rabino de Nice Perez Paul Muscat e até Louis Pasteur, admiravam a preparação intelectual de D. Pedro II.
O diplomata Joseph Arthur de Gobineau foi amigo e confidente de Pedro II nas tardes culturais de domingo no Paço de São Cristovão. Após chegar ao país como Ministro da França no Brasil, este intelectual racista, escreveu uma carta a seu amigo Prokesch-Osten, dizendo: “O Imperador é o príncipe mais inteligente e sábio que existe. Ele tem lido tudo: história, poesia e linguística”.
O Grão Rabino de Avinhão Benjamin Mossé, nos legou uma biografia do soberano brasileiro intitulada “Dom Pedro II, Empereur du Brésil” (1899). O rabino registra com orgulho o fato de apresentar uma das mais belas contribuições de sua vida, e o maior dos imperadores modernos: D. Pedro II. Em outro lugar de seu livro, o Grão Rabino declara: “Majestade, sóis mais que um Imperador, sóis um filósofo e um sábio”.
Pedro II convidou o cientista Louis Pasteur a realizar pesquisas sobre cólera e outras doenças no Brasil. Aconselhado por vários amigos, e sempre muito educado, o ilustre cientista respondeu desde Paris que lamentava não poder aceitar o convite, pois já estava com 62 anos, e seria imprudente para sua saúde viajar a um lugar de clima quente e úmido. Pasteur encerra sua carta esperando que Sua Majestade “considere seus motivos e encare com naturalidade sua decisão”.
O grande gênio da música Richard Wagner foi convidado pelo Imperador brasileiro a visitar o país, e estrear “Tristão e Isolda” na inauguração do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Em curiosa carta endereçada a Franz Liszt, na primavera de 1857, Wagner propõe compartilhar o projeto sobre a ópera Tristão e seu desejo de fazer uma versão italiana do libreto, ofertando-a ao Teatro Municipal do Rio de Janeiro, lugar onde seria apresentada pela primeira vez. A partitura, naturalmente, estaria dedicada ao monarca do Brasil.
Sabemos também que Wagner desistiu de fazer uma viagem ao Brasil, dissuadido (como Pasteur) por amigos e admiradores. A execução de “Tristão e Isolda” inaugurou o Teatro dos Festivais de Bayreuth. Documentos da época sugerem que o rei Luiz de Baviera chamou Wagner e concedeu-lhe o que ele exigia: “um culto, as coroas votivas e o ouro”.
O compositor Carlos Gomes, autor de “O Guarani”, aplaudido em 1870 no “Scala” de Milão, deve sua consagração mundial a D. Pedro II. Certa vez, ele chegou a admitir publicamente: “Se não fosse o Imperador, eu não seria Carlos Gomes”.
O historiador Pedro Calmon, bisneto materno do Barão Nogueira da Gama e biógrafo de D. Pedro II, o retratou assim: “Nascera para aprender e ensinar… O estudo de línguas mortas apaixonava-o. Era um pouco bibliógrafo, astrônomo e helenista. Uma permanente curiosidade pelas descobertas científicas aproximou-o de todos os grandes espíritos da época”.
Até no distante Oriente Médio o nome do dignitário brasileiro foi gravado com letras de fogo. Ao visitar o Emir Abd-El-Kader, herói da revolta árabe na África, o monarca será tratado com a amabilidade digna de um ilustre hóspede.
Encerramos os depoimentos por aqui. Não há espaço para enumerar todas as frases célebres atribuídas a intelectuais sobre D. Pedro II. O objetivo não é emitir uma opinião definitiva sobre a gestão do Segundo Império, nem muito menos julgar a participação do monarca neste meio século de governo. Deixamos essa importante tarefa para cientistas políticos, economistas e estudiosos da História do Brasil. Registramos acima as opiniões mais relevantes acerca da figura de D. Pedro II, um aperitivo para nosso estudo “D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem-1876”.
Faingold, Reuven, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876. Editora e Livraria Sêfer, São Paulo 1999, págs. 13-15.