Napoleão Bonaparte (1769-1821) não conheceu judeus na adolescência nem quando cursava a Escola Militar de Paris. O primeiro contato dele com judeus aconteceu em 9 de fevereiro de 1797, durante sua rápida campanha militar à Itália. Ao entrarem as tropas em Ancona, a comunidade local vivia reclusa num gueto que fechava suas portas todas as noites.
Napoleão ficou surpreso ao constatar que membros da comunidade usavam chapéus amarelos e braceletes com a estrela de Davi. Perplexo, e com certo grau de inocência, perguntou aos oficiais se conheciam o motivo de tal medida. Um deles respondeu que a medida se devia por tratar-se de israelitas, obrigados a retornar ao gueto antes do anoitecer. Eles eram “marcados” para todos saberem que fazem parte dos “ebrei”.
Indignado, Napoleão ordenou que chapéus, gorros e braceletes sejam imediatamente retirados dos judeus. Estes foram substituídos por uma roseta tricolor. Ato seguido, o comandante francês ordenou abolir o gueto italiano; dando instruções para que os judeus possam viver e praticar livremente sua religião. Os judeus de Ancona ficaram perplexos ao constatarem que os soldados franceses que adentraram no gueto eram judeus.
Tempo depois, Bonaparte libertou os judeus dos guetos de Roma, Veneza, Verona e Padova. O “Libertador da Itália” pediu ainda abolir as leis que vigoravam dos tempos da Inquisição. Finalmente, os judeus ganharam liberdade completa na Itália.
Existe um segundo episódio envolvendo os judeus e Napoleão. Os exércitos franceses haviam conquistado Malta em 12 de junho 1798, quando o corso tomou conhecimento que os “Cavaleiros da Ordem de Malta” proibiam judeus de praticar sua religião. Os membros desta Ordem cristã tratavam os judeus como escravos, os exploravam e os humilhavam diariamente. Para protegê-los, Bonaparte autorizou a construção de sua primeira sinagoga.
O último episódio que gostaria de relatar é desconhecido. Quando as tropas francesas assediavam São João de Acre em 19 de março de 1799; Napoleão Bonaparte preparou uma “Proclamação” instaurando um pequeno Estado independente na então Palestina turco-otomana. Ele entendia que ocupando São João de Acre (hoje Akko), rapidamente conseguiria deslocar-se até Jerusalém, e lá proclamar liberdade total aos judeus. Mas, desafortunadamente os ingleses saíam em ajuda dos turcos-otomanos e Napoleão não completou este projeto. O documento proclamando a liberdade aos judeus existe. Eis o teor dele:
“PROCLAMAÇÃO À NAÇÃO JUDAICA”
Quartel Geral – Jerusalém. 1º Floreal, VII Ano da República Francesa (20 de abril 1799).
Bonaparte, Comandante em Chefe do Exército da República Francesa, na África e na Ásia, aos herdeiros legítimos da Palestina:
“Israelitas [vocês] são a única nação na qual as conquistas e a tirania privaram durante milhares de anos sua terra ancestral, mas jamais [apagaram] seu nome e sua existência nacional. Nem os observadores mais atentos perceberam que o destino desta nação já está [anunciado] nos dons proféticos de Israel e Joel… Ninguém reparou a precisão das visões dos grandes Profetas às vésperas da destruição de Sion; registrando que “os que o Senhor resgatou voltarão. Entrarão [os judeus] em Sião com cânticos e duradoura alegria coroará sua cabeça. Júbilo e alegria se apoderarão deles; e a tristeza e o suspiro fugirão para sempre” (Is. 35: 10).
Felicidade exiliados!! Esta guerra sem comparação na história vem sendo travada em sua própria defesa por uma nação, cujas terras herdadas eram consideradas por seus inimigos uma presa a ser destroçada. Agora esta nação se vinga dos dois mil anos de ignominia. Mesmo vivendo tempos e circunstâncias desfavoráveis, vossas petições ganham hoje um patrimônio israelita.
A Providência me trouxe aqui com um exército jovem, guiado pela justiça e acompanhado pela vitória. Meu quartel geral está em Jerusalém, e em dias estarei em Damas, próxima à cidade de Davi.
Herdeiros legítimos da Palestina!! A grande nação não trafica homens como fizeram as nações com vossos ancestrais (Joel 4:6), [eles] não são chamados a conquistar outros patrimônios. Apenas pedem tomar as terras que tem conquistado com Seu apoio e autorização, ficando assim donos desta terra [Terra de Israel] conservando-a apesar das adversidades.
Levantai-os!! Mostrai que o poder de vossos opressores não conseguiu aniquilar heróis que teriam honrado Esparta e Roma (Mac. 12:15). Mostrai que dois mil anos de escravidão não foram suficientes para apagar tamanha bravura.
Apressai-vos!! Este é um momento que não voltará sequer em mil anos, o momento de reivindicar a restauração dos direitos civis, de ocupar um lugar entre os demais povos. Tendes o direito de uma existência política como uma nação entre outras nações. Tendes o direito de cultuar livremente o Senhor seguindo vossa religião”.
Através deste documento, escrito em São João de Acre em 20 de abril 1799, Napoleão idealizava o futuro Estado judaico. Esta proclamação produz ótimos resultados. Ela deu origem ao Sionismo, reforçando a ideia que os judeus devem recuperar sua pátria. Em 16 de agosto de 1800 Napoleão escreveu em seu “Diário”: “Se governasse uma nação judaica, restabeleceria o Templo de Salomão”.
Em 10 de novembro de 1816, quando perguntado pelo Dr. Barry O`Meara (o médico pessoal do Imperador na ilha de Santa Helena), qual era o motivo para ajudar tanto os judeus, Napoleão respondeu: “Quero libertar os judeus para convertê-los em cidadãos íntegros, eles devem beneficiar-se das mesmas vantagens dos católicos e protestantes. Eu insistia para que fossem tratados como irmãos, pois afinal todos somos herdeiros do Judaísmo. Queria trazer à França um reforço precioso, [pois] judeus são numerosos e chegariam para instalar-se em um país que lhes outorgasse privilégios. Sem aqueles eventos de 1814, muitos judeus da Europa teriam se estabelecido na França, onde a liberdade, a igualdade e a fraternidade lhes estava assegurada. Desta forma [os judeus] teriam participado da grandeza nacional”.
As ideias expressadas por Napoleão despertaram forte entusiasmo na concretização da profecia bíblica, segundo a qual os judeus retomarão um dia a posse da terra de seus ancestrais. Exatamente 18 anos depois, em 02/11/1917, Lord Arthur James Balfour, líder do Partido Conservador britânico; declarava que a Inglaterra ajudaria o povo judeu a recuperar seu Lar Nacional (Homeland) na Palestina Mandatória.
Encerrado o Holocausto, uns 31 anos mais tarde, em 5 de Iyar 5708, 15/05/1948, Israel era reconhecido na votação da Assembleia Geral das Nações Unidas. Sem dúvida, àquela proclamação de Napoleão desempenhou papel fundamental no surgimento do Estado judaico.
BIBLIOGRAFIA
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