Ao escrever esta matéria acerca dos bastidores da “Operação Entebbe”, o primeiro que me perguntei foi onde eu estava naquele momento? Lembrei-me que vivia em Israel, prestes a completar 19 anos, trabalhava no Kibutz Rosh Hanikrá (fronteira norte com Líbano), e acompanhei com atenção este inesquecível capítulo da História do Estado de Israel.
Como é de amplo conhecimento a missão israelense foi originariamente denominada “Operação Thunderbolt” (trovão), para ser logo rebatizada de ”Operação Yonathan”, em homenagem do comandante da missão, coronel Yoni Netanyahu (irmão mais velho que o 1º Ministro Benjamin Netanyahu), o único soldado morto em combate. Curioso lembrar que, naquela época, meninos nascidos em Israel e nas comunidades judaicas, orgulhavam-se em terem recebido o nome Yonathan em sua homenagem.
Esta difícil operação militar é considerada por especialistas como a missão de resgate mais complexa e perfeita de todos os tempos. Foi a primeira vez que o Estado de Israel mostrou-se ao mundo, combatendo a ameaça do terrorismo internacional, desta vez, longe do seu território.
Há 44 anos, em 04 de julho de 1976, Tzahal (Exército de Defesa de Israel), completava uma das mais ousadas e bem sucedidas missões de sua história: o resgate dos reféns de Entebbe (Uganda), após sequestro da aeronave Air France voo 139, Tel Aviv – Paris, com escala em Atenas.
Uma semana antes, em 27 de junho, essa aeronave era desviada por terroristas da “Frente Popular para Libertação da Palestina” e por “Células Revolucionárias da Alemanha Baader Meinhof”, para Uganda. Importante dizer que o governo local apoiou os terroristas, recebendo as boas-vindas do ditador ugandês Idi Amin Dada.
Os sequestradores separaram israelenses e judeus dos demais passageiros e da tripulação, forçando-os a adentrar numa outra sala. Durante dois dias seguidos, duas levas com 100 prisioneiros foram libertadas. Finalmente, 100 israelenses e judeus (junto ao piloto francês Michel Bacos, falecido em 2019), foram mantidos reféns até o final e ameaçados de morte.
Em Israel o Primeiro Ministro Itzhak Rabin convocava o gabinete com seus ministros: Shimon Peres, o Ministro da Defesa; Yigal Alon, o Ministro das Relações Exteriores; Gad Yaacobi, o Ministro dos Transportes; e Zamir Tzadok, o Ministro da Justiça. Era este o grupo de pessoas que tomaria as decisões.
Uma rígida censura foi imposta aos meios de comunicação para que não divulguem listas de passageiros. Impede-se por completo toda veiculação de informações que possa ajudar de alguma maneira os sequestradores. Dentre os passageiros do voo Air France 139 havia dois brasileiros de 16 anos de idade: Raphael Shammah e Jacques Stern, o primeiro rabino e o segundo empresário.
Bastidores do 1º dia: Logo que o governo de Israel soube do sequestro do avião da Air France, ainda no dia 27/06/76, o “10º Chefe do Estado Maior do Exército de Defesa de Israel” tenente-general Mordechai Gur (1930-1995), comandante da libertação de Jerusalém na “Guerra dos Seis Dias” em 1967, foi convocado para uma reunião do Gabinete e indagado pelo Primeiro Ministro Itzhak Rabin se havia algum plano em curso para libertar reféns. Gur respondeu a Rabin que ainda não, mas que algumas opções já estavam sendo avaliadas.
Pouco antes do encerramento desta reunião, Yigal Allon e Shimon Peres receberam uma lista com nomes dos terroristas aprisionados em Israel, França, Alemanha, Suíça e Quênia, cuja libertação era exigida em troca dos reféns. Na mesma noite, Allon recebeu um telex com detalhes sobre dita troca e ultimato para as 14:00h da tarde do dia 1º de julho (hora de Israel), caso contrário o avião seria explodido com todos os passageiros.
Bastidores do 2º dia: No dia 29/06/76, às 21hs, oficiais de alta-patente mantiveram um encontro com Shimon Peres e Mordechai Gur. O general da força aérea Binyamin Peled, (1928-2002), que desde as primeiras horas estava debruçado sobre o problema, afirmou de forma categórica que “com certeza é possível conduzir tropas sem escalas até Entebbe”, e ainda concluiu que ir a Uganda era possível inclusive “sem ser detectado pelos radares”.
Ao mesmo tempo, em Israel, eram convocados todos os pilotos que algum dia haviam estado em Entebe e militares que tinham mantido contato pessoal com Idi Amin Dada, que cumprira um treinamento militar em Jerusalém nos anos 60, época na qual a diplomacia israelense fez grandes esforços para aproximar-se dos países africanos recém-independentes.
Bastidores do 3º dia: No dia 30/06/76, Ehud Barak, Chefe do Serviço de Inteligência do Exército de Israel, convocou todos os oficiais da força aérea que conheciam o aeroporto de Entebbe. Horas mais tarde, coube a Shimon Peres reunir-se com os militares que haviam mantido contatos com Idi Amin Dada com a intenção de melhor entender seu esquisito comportamento e sua estanha personalidade.
O amigo mais próximo do Presidente Idi Amin era Burka Bar Lev, um coronel já aposentado. Ele telefonou para Idi Amin (enquanto Shimon Peres ouvia a conversa na extensão), insuflando o ego do ditador para ganhar o maior tempo possível em face daquela situação. À tarde do dia 30/06, os principais ministros decidiram convocar dois militares nos quais depositavam total confiança: o general Dan Shomron (1937-2008) e o coronel Yonathan Netanyahu (1946-1976). Ambos ignoravam os planos que estavam sendo traçados.
Em Tel Aviv eram expostas opções ao ministro da defesa Shimon Peres. A mais viável era lançar uma divisão de paraquedistas no Lago Vitória, de onde seguiriam em botes até Entebbe, e de lá partiriam com os reféns em um avião já à sua espera, caso Idi Amin concordasse em permitir sua aterrissagem. Entretanto, este plano foi abandonado, quando ficou claro que o ditador de Uganda estava em conluio com os terroristas.
Nas primeiras horas da manhã de 01/07, soube-se que a reforma do aeroporto de Entebbe, tinha sido realizada pela empreiteira nacional da construção “Solel Boné”, que rapidamente forneceu todas as plantas do aeroporto. No Ministério da Defesa, Peres cada vez mais se convencia de que a única opção era a militar, tão logo todas as peças do quebra cabeças se encaixassem.
Bastidores do 4º dia: No dia 01/07/76 pela manhã, enquanto o gabinete votava negociar com terroristas apenas para ganhar tempo, o general Dan Shomron expunha a seu colega Yekutiel Adam (1927-1982), as primeiras opções para uma eventual intervenção militar que seria apresentada a Shimon Peres. Este ordenou que o exército se entrosasse com a força aérea, e assim um plano mais detalhado, baseado no otimismo do comandante Benny Peled, lhe foi apresentado.
Peres aprovou o plano e indicou Dan Shomron para comandar a operação e rapidamente foram convocados soldados responsáveis pelos serviços médicos e de comunicações. Um avião militar devia ser transformado em hospital voador e as conexões entre os aviões e a base em Tel Aviv teriam que funcionar de forma perfeita.
No quartel-general da força aérea, Peled começou a elaborar uma lista de pilotos e tripulantes, inclusive reservistas, dando preferência àqueles que já tinham cumprido voos de longa distância sobre o continente africano. As tropas deveriam ser constituídas pela “Sayeret Matkal” (paraquedistas de elite) comandada por Yonathan Netanyahu, e soldados da infantaria de elite “Golani” comandados por Dror Almog.
Yekutiel Adam supervisionou a construção de uma maquete em tamanho real do aeroporto de Entebe, baseada em fotografias e plantas fornecidas pela empreiteira da construção.
Bastidores do 5º e 6º dias: A maior preocupação durante toda a operação militar israelense era garantir o fator surpresa, extremamente complicado. A unidade de ataque seria conduzida por um avião Hércules que deveria cumprir um longo percurso até o antigo terminal do aeroporto de Entebbe, não podendo aproximar-se demais, a fim de evitar suspeitas, uma vez que o caminho a ser percorrido entre a aeronave e o terminal estaria repleto de soldados ugandeses.
Foi então que o experiente general Yekutiel Adam teve uma brilhante ideia. Telefonou para a sede do Estado-Maior em Tel Aviv, e pediu que fosse providenciado um automóvel preto marca Mercedes Benz, modelo limusine. Ante o espanto geral, explicou que todos os oficiais de alta patente do exército de Uganda e o próprio Idi Amin em suas incursões no aeroporto, usavam esse tipo de veículo, sempre escoltado por duas Lande-Rover. Até que os soldados ugandenses percebessem que aquela limusine tinha outra finalidade, seria tarde demais.
Enquanto chegavam os veículos solicitados, as unidades comandadas por Yoni repetiam os exercícios na maquete, diminuindo o tempo de ação a cada investida. Foi quando chegou a Mercedes que para o desespero de Yekutiel Adam era branca, e foi pintada de preto noite a fora.
No 6º dia do sequestro, sábado 03/07/76 à 1:00h da manhã, Mordechai Gur ligou para Shimon Peres e o informou de que tudo estava pronto para dar início à Operação. Os aviões estavam apenas aguardando os soldados entrarem a bordo. O sinal foi dado: Israel atacaria Entebbe!!
O retorno no 7º dia: A “Operação Entebbe” foi meteórica, concluída com enorme sucesso. Teve somente quatro baixas e a maioria dos reféns foram resgatados com vida. Quando os aviões Hércules sobrevoaram a cidade de Tel Aviv, (aproximando-se ao aeroporto), os pilotos ficaram surpresos com a multidão que avistavam nas ruas acenando com lenços brancos.
Depois da euforia do desembarque dos reféns e o reencontro destes com suas famílias, o Primeiro Ministro Itzhak Rabin perguntou a Yekutiel Adam como Yoni Netanyahu tinha morrido. Em resposta, ouviu o seguinte: “Ele foi o primeiro a avançar e por isso o primeiro a tombar”.
Quando perguntado pelo resultado final da “megaoperação” em Entebbe, o Primeiro Ministro de Israel insistiu em dois pontos:
- “Jamais, sob qualquer circunstância, um Estado soberano deve negociar com terroristas”.
- “A principal lição da Operação Entebe foi nossos inimigos saberem que o braço de Israel pode ser muito longo”.