Na passagem do século 19 para o século 20, surgiram diferentes tentativas para obter um Estado judaico, e assim resolver a controversa “questão judaica” gerada pelo antissemitismo, ora na Europa central ora no leste europeu. Dentre as propostas discutidas pelo movimento sionista, é preciso mencionar a ideia de Theodor Herzl de obter uma terra para os judeus na Argentina, a de erguer uma nação na Uganda em plena África e a de pensar um Estado judeu em El-Arish, região situada entre o Egito e a Faixa de Gaza.
A todas estas tentativas sionistas, algumas utópicas e outras mais plausíveis; é fundamental adicionar a ideia surgida no governo Josef Stalin de criar um Estado judaico na Sibéria, na região de Birobidjan; um enclave na fronteira Rússia-Manchúria. A história dos judeus na Rússia é rica em acontecimentos. Na era czarista os judeus viviam nas cidades, porém afastados da vida sociocultural usufruída pela população local. O antissemitismo estava latente e não dava sossego, sendo poucos os momentos de estabilidade e criação cultural. Assim, alguns judeus, fiéis ao pensamento de Karl Marx, começam a participar ativamente das lutas políticas do país, ingressando nas fileiras do partido comunista, ansioso em derrubar o regime feudal e ditatorial da dinastia dos Romanov.
Em 1917 foi implantada a revolução russa através do grupo dos bolcheviques, substituindo o sistema de governo czarista por uma administração dirigida pelos soviets. Três anos depois da implantação do regime comunista soviético, a situação econômica dos judeus era desesperadora. Ninguém dos líderes da revolução, nem mesmo Trotsky, – o judeu Lev Davidovitch Bronstein -, educado num lar religioso, se preocupara em entender a essência do Sionismo.
Quando os bolcheviques criaram a Yevsektzia (Seção Judaica do Partido Comunista), Trotsky permaneceu alheio a esta iniciativa, mudou seu nome e se definiu como “internacionalista”. Ele acreditava que as perseguições aos judeus eram devidas a uma deformação social e, portanto, uma vez reformada a sociedade russa, os judeus abraçariam o comunismo, ficando totalmente livres de todos os males.
Há uma história curiosa sobre o distanciamento de Trotsky com o Judaísmo. Conta-se que o Rabino de Moscou, Jacob Maze, foi ao encontro de Trotsky, para lhe pedir que intercedesse em favor dos judeus que estavam sendo provocados pela população local. Como sempre, Trotsky respondeu que era comunista e não se considerava judeu. O rabino replicou: “Eu sei … os Trotskys fazem as revoluções e os Borensteins pagam a conta”, lembrando-lhe a mudança de identidade ao jovem militante.
A liderança da revolução russa, apesar dos numerosos problemas a resolver, dedicou também seu tempo à questão judaica. Os novos donos do poder tentaram assentar judeus em várias áreas do país. Houve um plano de concentrá-los na Ucrânia e na Criméia, porém os dirigentes locais detonaram esta iniciativa governamental.
A ideia de erguer um Estado judaico na Palestina não era do agrado dos líderes comunistas. A “Segunda Internacional Comunista” deu a conhecer um documento em que critica duramente à aventura sionista afirmando que “os sionistas pretendem estabelecer um Estado Judaico nestas terras para expulsar o povo trabalhador da Palestina, porque lá os trabalhadores judeus são ínfima minoria”. Esta era a imagem do Sionismo dentro das forças revolucionárias russas no decorrer dos anos 20 e 30.
O Sionismo passou a ser visto também com certa simpatia por alguns membros da GPU (policia secreta russa) que depois se tornaria na KGB stalinista. Estes sim desejavam que os judeus tivessem um lugar próprio, e se possível, na própria Rússia. Assim, entre 1928 e 1934, durante o governo Stalin, foi discutida uma proposta de criar um enclave judaico em Birobidjan, nas terras localizadas entre a fronteira de União Soviética e a Manchúria.
Mais do que preservar o Judaísmo, Stalin estava preocupado em povoar aquela região próxima a Manchúria, então ocupada pelo Japão. Desta forma, criar-se-ia uma classe camponesa judaica que tivesse uma ligação mais profunda com o território nacional. Na verdade, ele pretendia que se formasse uma comunidade e uma cultura proletária judaico-soviética, que pouco ou nada tinha como as aspirações nacionais do movimento sionista.
Birobidjan tinha uma área de 34.000 quilômetros quadrados, aproximadamente do tamanho da Bélgica e maior que o Estado de Israel com seus 22.000 quilômetros quadrados. O lugar era assolado por invernos implacáveis e chuvas permanentes. Mesmo tratando-se de uma área dotada de recursos naturais como carvão, ferro, cobre e ouro; as condições de vida eram muito duras e as infraestruturas para exploração precárias ou praticamente inexistentes. Mesmo em condições adversas ao povoamento, o “Comitê Central Executivo dos Soviets” declarou Birobidjan oficialmente aberta à colonização judaica.
Cerca de 43.000 judeus chegaram à região na década 1928-1938. Contrariamente ao que visava o Sionismo, o ídiche seria a língua obrigatória adotada em Birobidjan. Um teatro e uma livraria também foram inaugurados e até uma sinagoga foi permitida pelas autoridades soviéticas. Pelos documentos oficiais sabemos que o primeiro ano foi terrível, atingido por frequentes inundações e tempestades. Uma devastadora epidemia dizimou todos os animais, e as terras se revelaram totalmente impróprias para qualquer cultivo programado.
Apesar das dificuldades enfrentadas, o projeto Birobidjan entusiasmou as esquerdas judaicas em várias partes do mundo. Para poder apoiar financeiramente a ideia, nos Estados Unidos foram fundadas organizações filantrópicas. Judeus americanos, europeus, latino-americanos e até da disputada Palestina britânica, todos eles simpatizantes do comunismo, num total de 1.400 almas; deixaram suas casas e chegaram a Birobidjan. Porém, em pouco tempo, como consequência das condições mencionadas, a maioria retornou para seus países de origem.
Em 1930 um judeu da Bielorrússia de nome Jacob Levin foi nomeado primeiro comissário do partido comunista em Birobidjan. Para presidir o comitê regional executivo, foi nomeado outro judeu, Yosef Liberberg, um ilustre membro da Academia de Ciências da Ucrânia. Por 1934 o Kremlin proclamou Birobidjan Região Autônoma Judaica, assumindo assim, oficialmente, uma importância estratégica face ao avanço dos japoneses na Manchúria. A propaganda do governo falava em Birobidjan como “alternativa viável para a continuidade nacional judaica em vez da ancestral Palestina”
Contudo, a distante Região Autônoma Judaica de Birobidjan não atingiu seus objetivos e acabou transformando-se em uma verdadeira fábrica para assimilação dos judeus. A promessa de Stalin de incentivar a cultura judaica não se concretizou e a população local também foi vítima dos expurgos do ditador. Entre 1936-1938 as escolas de língua ídiche foram fechadas, as instituições para agricultores desmanteladas e a política de atrair colonos judeus, suspensa.
O projeto Birobidjan fracassou e isto é fato histórico. Mas, fica difícil entender (muito menos aceitar) as explicações dadas pelo governo russo para explicar o fracasso desta empreitada. Em 1945, pouco antes de derrotar o Nazismo, os três líderes aliados Roosvelt, Churchill e Stalin, reuniram-se na “Conferência de Yalta” para definir os novos rumos mundiais. Naquela ocasião, o presidente americano Franklin D. Roosvelt perguntou a Stalin sua opinião sobre o Sionismo. O ditador, com tom de ironia, respondeu: “Em principio, apoio o Sionismo; porém resulta muito difícil solucionar essa questão judaica. Nossa experiência em Birobidjan fracassou porque os judeus preferem viver nas grandes cidades”.
Embora não sendo verdadeira, a resposta fora muito bem pensada. Nem Stalin nem os camaradas dele no Kremlin jamais conseguiriam entender por que os judeus, que tanto almejavam possuir um território próprio, não haviam acorrido em massa à remota Birobidjan. Faltava-lhes, a rigor, a compreensão de que o Sionismo não se resumia a um desejo meramente territorial, e sim a um anseio de retorno espiritual a uma pátria na Terra de Israel, prometida desde tempos remotos.