Brunhilde Pomsel (1911- 2017) – A secretária executiva de Joseph Goebbels

Desde o encerramento da Segunda Guerra Mundial, importantes biografias foram escritas sobre os ministros de Adolf Hitler, todos personagens centrais do regime nacional-socialista dos trabalhadores alemães. No entanto, pouco se escreveu acerca dos denominados “coadjuvantes”, aqueles funcionários burocratas que durante muito tempo permaneceram no anonimato e que desempenhavam trabalhos nos vários ministérios do Terceiro Reich.

Hoje contaremos a história de Brunhilde Pomsel, uma secretária cuja vida traz à tona as diferentes histórias de pessoas comuns, de trabalhadores desconhecidos que ajudaram Hitler, consciente ou inconscientemente, a perpetrar atrocidades.

Nascida em Berlim em 11 de janeiro de 1911, Brunhilde Pomsel foi uma radialista que trabalhou como estagiária de taquigrafia para um advogado judeu. Em paralelo, realizou tarefas de datilógrafa para um nacionalista alemão de direita, prestando simultaneamente serviços para ambos.

No entanto, foi como secretária de Joseph Goebbels (1897-1945), o braço direito de Hitler, que Brunhilde Pomsel ficou famosa. Em 1933 ela obteve uma vaga como secretária executiva no departamento de notícias da estação de rádio do Terceiro Reich, após filiar-se ao “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães”.

Segundo a jornalista Kate Connolly no seu artigo “Joseph Goebbels 105-year-old Secretary: No one believes me now, but I knew nothing”, publicado no The Guardian em 15 de agosto de 2016; as tarefas de Brunhilde incluíram tanto minimizar estatísticas sobre soldados mortos, bem como exagerar o número de raptos de mulheres alemãs perpetrado pelo Exército Vermelho. Afinal, saber manipular números em tempos de guerra era algo essencial.

Em 27 de janeiro de 2017, os 106 anos, Brunhilde Pomsel faleceu numa casa de repouso de Munique, ao sul da Alemanha. Sua morte foi confirmada por Christian Krönes, um dos diretores do documentário “Ein Deutsches Leben” (Uma vida alemã), filme que retrata em detalhes a vida desta ex-funcionária do “Ministério para Ilustração Pública e Propaganda”.

Brunhilde Pomsel trabalhou na pasta comandada por Goebbels durante três anos entre 1942 e 1945. A ex-secretária é figura central em “Ein Deutsches Leben”, uma curta-metragem que estreou em junho de 2016 no “Festival de Cinema de Munique” e foi exibido também no “Filmfestival de Jerusalém” e no “Festival de Cinema Judaico de San Francisco” nos Estados Unidos.

“Não rompo o silêncio para limpar minha consciência”, declarou Brunhilde Pomsel, única testemunha viva do que ocorria no Ministério de Propaganda de Hitler durante os anos do Nazismo (1933-1945), sem dúvida o capítulo mais sombrio da História. Para os diretores, “o populismo de direita está no seu auge na Europa, e, portanto, queremos que o documentário seja uma lembrança permanente da capacidade da complacência e da negação do ser humano”.

Em relação à capacidade de complacência a própria protagonista e ex-secretária do Ministro da Propaganda do Reich, chegou a confessar numa entrevista ao jornal “The Guardian”: “Ver o filme é importante para mim, porque posso ver no espelho tudo o que fiz de ruim, ainda que isso não tenha sido mais do que trabalhar no escritório de Goebbels”.

Trabalho

Como a própria Brunhilde comenta, suas atribuições incluíam desde registrar as estatísticas de soldados mortos a exagerar o número de torturas e abusos sofridos por alemães nas mãos de soldados do Exército Soviético. Suas tarefas cotidianas como secretária executiva aprendeu no escritório do advogado judeu e na emissora de rádio na qual trabalhou até 1942, data em que ingressou ao Ministério de Propaganda. Mesmo que se defina como uma pessoa “apolítica”, Brunhilde Pomsel teve que afiliar-se na época ao Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores de Adolf Hitler. No documentário, ao ser questionada sobre sua filiação política, ela respondeu categoricamente: “Por que não? Todo mundo fazia isso”.

Trabalhando para Goebbels, Brunhilde observou de perto o círculo de poder que rodeava Adolf Hitler. Ela descreveu o Ministro da Propaganda como “um cavalheiro, um homem elegante e nobre”, mas também “um ator que quando alguém tirava sua máscara de homem culto e educado, ficava louco”.

Brunhilde Pomsel jurou de pés juntos que não sabia a que se dedicava o homem forte do Führer, mas admite ter conhecimento da existência dos vários campos de concentração, apesar de alegar desconhecer na época sua função real. Sobre seu chefe Goebbels ela relata que “todos sabiam quando chegava ao escritório, mas ninguém voltava a vê-lo até a hora em que ia embora”.

Segundo Brunhilde, acreditava-se na época “não ser desejável as pessoas irem à prisão, portanto era necessário manter os campos de concentração para serem reeducados”. E acerca do brutal extermínio de judeus pela Alemanha declarou “que ninguém poderia imaginar algo assim”.

Pomsel afirmou também que as pessoas que trabalhavam para o regime nazista tinham a certeza de que os “judeus desaparecidos” haviam sido enviados para as aldeias existentes nos Sudetos, o nome da cadeia montanhosa que separava a fronteira da República Tcheca, Polonia e Alemanha. A versão oficial que circulava registrava que o objetivo seria repovoar àqueles territórios montanhosos da Europa Oriental ocupados naquele momento pelos nazistas. A rigor, “tudo era secreto, e, por isso, acreditamos. A situação era totalmente crível”, afirmou ela.

A ex-secretária de Joseph Goebbels insiste que sequer tomou conhecimento do acontecido na “Kristallnacht” (Noite dos Cristais), o fatídico pogrom acontecido na Alemanha na noite do 9 para 10 de novembro de 1938.

Ignorância

Nos depoimentos de Brunhilde Pomsel “essa ignorância do povo alemão do estado real das coisas era generalizada nas décadas de 1930-1940, pois afinal todo o país parecia estar sob a influência de um feitiço”.

Em relação à possibilidade de rebelar-se contra o regime do Nacional-socialismo, ela acha improvável. Em função do feitiço coletivo “a maioria não o teria feito”. De certa forma, Pomsel reconhece que seu passado pesa sobre ela. Ela confessou que “quando uma pessoa vive uma época (conturbada) … e afinal de contas só pensou em si mesma, ela tem sua consciência um pouco pesada”. Mesmo com as várias atrocidades acontecidas, afirma “não se sentir culpada nem responsável pelas milhões de mortes causadas pelo regime”.

Encerrada a Segunda Guerra em 1945, Brunhilde Pomsel passou cinco anos numa prisão soviética. Ela revelou que foi tratada muito mal e não podia fazer nada. A ex-secretária de Goebbels não cansa de repetir a seguinte frase: “Não me considero culpada, a não ser que se culpasse a todos os alemães por tornar possível que aquele governo chegasse ao poder”.

Após ser solta da prisão em 1950 Pomsel trabalhou em uma emissora de rádio da Alemanha até aposentar-se em 1971. Em seu aniversário de 100 anos, em 2011, numa entrevista outorgada ao jornalista Tony Paterson (2/11/2011), ela falou pela primeira vez publicamente contra Joseph Goebbels, tratando-o de covarde.

Encerramos nosso artigo com uma frase de Brunhilde Pomsel ainda extremamente atual em tempos sombrios: “Sempre acreditei que não há justiça, não há Deus, mas está claro que o Diabo existe”.

Bibliografia

Brucker, Marion; Wallace, Rita, Secretary says Nazi propagandist Goebbels was a narcissist. USA Today, 23 de abril de 2015.

Connolly, Kate, Joseph Goebbels’ 105-year-old Secretary: No one believes me now, but I knew nothing. The Guardian, 15 de agosto de 2016.

Langer, Emily, Brunhilde Pomsel, Secretary to Nazi propaganda Minister Joseph Goebbels, dies at 106. The Washington Post, 29 de janeiro 2017.

Paterson, Tony, Goebbels was a coward: former secretary spills wartime secrets – Europe – World. The Independent, 2 de setembro de 2011.

Wilder, Charly, Goebbels’s Secretary Struggles With Her ResponsibilityThe New York Times, 5 de julho de 2016.

Filme:

“Ein Deutsches Leben”. (Documentário sobre a vida de Brunhilde Pomsel). Ver no youtube: Doku mit Goebbels Sekretärin Brunhilde Pomsel über 100 Jahre alt  e ainda A German Life. Documentário dirigido por Christian Krönes e Florian Weigensamer. (Filme completo 1:48:55).