Cartunistas judeus ironizam a 2ª Guerra Mundial e a Guerra Fria

Ao encerrar-se a 2ª Guerra Mundial em 1945, o interesse do público americano pelas histórias em quadrinhos tornou-se nulo. Editoras que durante anos enriqueceram com o filão dos super-heróis patrióticos, engajados no combate aos nazistas e fascistas; fecharam suas portas por causa das baixas vendas. Outro medo tomava conta dos Estados Unidos ainda naqueles dias: o de uma invasão comunista de grande escala.

Assim, editoras como a EC Comics, despejavam no mercado uma quantidade de títulos em que o terror e a ficção científica dominavam a mente do leitor. Eram elas histórias sobre assassinatos, mutilações, seres estranhos (alguns extraterrestres); que invadiriam o nosso planeta; enfim, um leque de possibilidades em quadrinhos para demonstrar como os americanos viam seus quase desconhecidos inimigos soviéticos.

Como veremos, a maioria dos cartunistas, escritores e editores de HQs era de origem judaica. Isto significa que as permanentes críticas ao período pós Segunda Guerra, conhecido como Guerra Fria; serão bastante contundentes. Da leitura sistemática do material produzido é fácil detectar uma crítica direcionada tanto ao regime comunista da URSS como ao regime capitalista representado pelos Estados Unidos de América.

Guerra Fria e HQs

Um psiquiatra alemão refugiado nos EUA, Fredric Wertham, personificou o vilão dos quadrinhos ao publicar o polêmico livro “Seduction of the Inocent” (Sedução do Inocente). A obra de Wertham significou uma caça às bruxas. Dentre as hipóteses levantadas havia duas que ficaram famosas: a de que a Mulher Maravilha representa supostas ideias sadomasoquistas; e da amizade inseparável existente na dupla Batman e Robin. Naquele momento, alguns autores foram chamados a depor na comissão de inquérito que investigava possíveis comunistas infiltrados, dentre eles William Gaines, o proprietário da EC Comics, principal alvo da mídia americana.

Como forma de resposta as pressões do governo, editoras criaram um “Código de Ética dos Quadrinhos”, uma autorregulamentação que surgiu para modificar o conteúdo das HQs, ou seja, autocensura. Todas as revistas publicadas, sem exceção, eram obrigadas a ostentar na capa o selo deste código de ética, inclusive aquelas HQs comercializadas aqui no Brasil.

Naturalmente, as medidas adotadas em tempos de Guerra Fria pelo mercado editorial, levaram a uma queda considerável da quantidade de leitores, diminuindo também o número de editoras em funcionamento. A EC Comics quase faliu, não fosse à revista MAD, a única que vendia diariamente seus exemplares. A Comics Code Authority (que ainda hoje existe) perdeu sua relevância. Com o passar do tempo, as grandes editoras como a Marvel já não submetem mais seus quadrinhos à aprovação do selo.

A MAD, uma revista lançada por William Gaines (1922-1992) e pelo cartunista judeu Harvey Kurtzman (1924-1993); estava impecavelmente desenhada e trazia um humor tosco, irreverente e agressivo; mas extremamente inteligente e repleto de sátiras sociais. A arte foi sempre a preocupação maior da revista. Kurtzman teve papel central nessa primeira etapa da MAD. Além de escrever grande parte do material, desenhou as capas, criou o logo e deu vida a Alfred E. Neuman; a mascote da revista. MAD é considerada por muitos a primeira publicação de “contracultura” americana.

Durante a Guerra Fria uma nova onda de super-heróis invadiu as páginas dos gibis norte-americanos. Liderados pela Marvel Comics – a maior editora de HQs do mundo recentemente comprada pela Disney – os heróis passaram a integrar as fileiras da “guerra contra o comunismo”. Seus personagens são conhecidos por todos: Superman, Homem Aranha, Hulk, Homem de Ferro, Capitão América, X-Men e o Quarteto Fantástico. Todos passam a fazer parte do imaginário popular, sendo lidos e admirados tanto por crianças como adultos. Podemos afirmar que, de todos eles o Quarteto Fantástico é aquele gibi que faz alusão direta à Guerra Fria e ao combate ao Comunismo.

O quarteto fantástico

A dupla de cartunistas judeus Stanley Martin Lieber (1922-2018) e Jacob Kurtzberg (1917-1994) lançou em 1961 o Quarteto Fantástico. A história destes super-heróis começa com uma narração na qual os EUA aparecem mergulhados numa corrida espacial com uma “potência estrangeira”. Era obvio que esta potência estrangeira era uma clara referencia a URSS.

Por motivos até hoje desconhecidos, talvez medo a represálias; os autores de gibis preferiam não citar publicamente os “inimigos da América”. Somente um leitor muito jovem, muito ingênuo ou totalmente despreparado, não entenderia as numerosas sinalizações sugeridas pelos cartunistas.

Quem compõe o Quarteto Fantástico? São quatro amigos: o cientista Reed Richards; a noiva Sue Storm; o irmão adolescente dela, Johnny Storm e o piloto espacial Ben Grimm. Todos embarcam num foguete experimental, todos voam para a imensidão do espaço e, seguidamente; todos são bombardeados por raios cósmicos. Ao voltarem para a Terra, descobrem que raios cósmicos os afetaram, dando-lhes superpoderes.

Quais são esses superpoderes dos heróis da Guerra Fria?  Richards pode se esticar como um elástico, a jovem Sue pode ficar invisível, seu irmão Johnny torna-se o novo Tocha Humana; talvez lembrando uma versão atualizada de um antigo herói da Marvel nos tempos da 2ª Guerra. Mas, o verdadeiro destaque da revista seria o atormentado Coisa; interpretado por Bem Grimm, quem se tornara um horrível monstro de pedra com força incalculável.

Outra alusão direta à Guerra Fria era o principal inimigo do quarteto: o maligno Dr. Destino. Este vilão é um déspota que governava com pulso firme uma minúscula república do leste europeu, a Latvéria, que originalmente era Látvia ou em português, Letônia; o nome de uma das repúblicas da fragmentada URSS.

Hulk e o homem de ferro

A mesma dupla Stan Lee e Jack Kirby lançou em maio de 1962 as HQs do Incrível Hulk. O gibi tinha como herói um ser sobrenatural criado por um acidente atômico com uma bomba experimental. Na trama, o personagem principal é o judeu Bruce Banner, um jovem físico nuclear (profissão em alta nas universidades americanas após 1945) que tenta salvar um adolescente que ficou preso numa área de testes da Bomba Gama, arma criada pelo próprio Banner. O físico é atingido violentamente pela explosão detonada criminosamente por seu próprio assistente, um espião iugoslavo disfarçado. Como sabemos Iugoslávia, apesar de ser uma nação comunista; não sofria influência direta de Moscou.

Em vez de morrer, Bruce Banner – sempre que sente medo ou é agredido – passa a se transformar no Hulk. Ao contrário de Banner, seu corpo é incrivelmente forte; mas sua mente continua infantil. Nos primeiros capítulos Hulk enfrenta diversos inimigos e vive esmagando com extremo prazer “homezinhos vermelhos”, uma clara alusão aos vilãos comunistas. O quadrinho visa tecer uma crítica aos testes nucleares e ao exército norte-americano que, representado na figura do general Ross, passa a perseguir Hulk incansavelmente.

A lista de super-heróis da Marvel engajados na Guerra Fria não parou de crescer. Concomitantemente, aparece o Homem de Ferro. Ele é um personagem bilionário e gênio armamentista de nome Tony Stark, sequestrado no Vietnã pelos comunistas. Ferido durante sua captura, Stark cria uma armadura capaz de mantê-lo vivo e, ao mesmo tempo, auxiliá-lo na fuga dos sequestradores.

Já de volta aos EUA, Mr. Stark passa a lutar contra os inimigos do sonho americano; tornando-se conhecido como o Invencível Homem de Ferro. Um episódio curioso do Homem de Ferro, nos dias da Guerra Fria, foi a luta de vida e morte travada contra o seu maior inimigo, o Dínamo Vermelho, uma clara alusão aos soviéticos. Há também os denominados “inimigos indiretos” que aludem aos comunistas; tais como o Mandarim, um chinês que adquire poderes por forças alienígenas.

Capitão América e os X-Men

O judeu Joes Simon nasceu em Rochester em 1913. Ainda adolescente começou sua carreira como artista, desenhando para os jornais locais. Ao ser contratado por Martin Goodman para tocar a divisão de quadrinhos da editora Pulps Timely (futura Marvel), Simon deu início à sua contribuição para o novo gênero criando cerca de cinco novos heróis por mês – ainda que esses personagens não tenham caído no gosto do público.

A Pulps Timely tinha apenas dois heróis bem populares: Príncipe Submarino e Tocha Humana, ambos prestes a enfrentar Batman e Superman de sua distinta concorrência. Mas Simon trouxe o judeu Jack Kirby (Jacob Kurtzberg) para rabiscar no pequeno estúdio da companhia. A primeira criação da dupla foi o espadachim Blue Bolt, de 1940.

Os dois criaram juntos muitos personagens e histórias, sendo o mais famoso deles o Capitão América, em 1941. O gibi relata a história de um jovem doente que, ao receber uma injeção de soro especial, se transforma na arma das Forças Armadas dos Estados Unidos para derrotar os nazistas durante a 2a Guerra Mundial. Na estreia do herói, na então editora Timely Comics (futura Marvel) a capa da revista mostrava o herói acertando um soco em Hitler, um ano antes de os Estados Unidos entrarem na Guerra.

Enquanto Simon e Kirby aperfeiçoavam a parceria, a 2ª Guerra Mundial estourou na Europa. Joes Simon serviu durante o conflito, se alistando na Guarda Costeira dos Estados Unidos. Os dois artistas judeus, com lápis e nanquim, demonstraram uma profunda preocupação com as atrocidades perpetradas pelo Nazismo, fazendo com que seus personagens reagissem da única forma que sabiam: usando os punhos.

Em 1939, o jovem Joes Simon criou uma história fantástica em que Namor, o Príncipe Submarino, enfrentava embarcações nazistas. Mas a realidade fora dos gibis era bem diferente. Os EUA estavam divididos entre os que eram a favor da entrada do país na guerra e os contrários à participação no conflito militar.

Havia até quem simpatizasse com a ideologia nazista nos EUA, e não eram poucos, como Charles Chaplin veio a perceber, ao ser duramente criticado por seu filme “O Grande Ditador”, que ridicularizava Adolf Hitler e teve uma première fracassada em Nova York, em outubro de 1940. Simon e Kirby seguiram os passos de Chaplin, e também partiram para a ofensiva; criando um super-herói com as cores da bandeira e chamado de América para colocar o ditador alemão em seu devido lugar.

Em dezembro de 1940, “Captain America 1” chegou às bancas, trazendo o novo super-herói em sua famosa capa, socando a cara de Hitler. Tratava-se de uma clara e ousada tomada de posição política, uma vez que os Estados Unidos só foram entrar na guerra um ano depois, consumado o ataque da marinha japonesa a Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941.

“Jack e eu líamos os jornais, sabíamos o que estava acontecendo na Europa, e lá estava ele, Adolf Hitler, com seu bigode ridículo, seu discurso violento e seus seguidores idiotas. Ele era o vilão perfeito, melhor do que qualquer personagem que poderíamos ter criado”, comentou certa vez Joes Simon.

O gibi de estreia do Capitão América vendeu um milhão de exemplares e alavancou a Timely, que passou a produzir ainda mais revistas em quadrinhos. O aumento de trabalho forçou novas contratações e, nessa leva, chegou um garoto de 17 anos de nome Stanley Lieber, primo da esposa do diretor da companhia, Martin Goodman. Stanley ou Stan Lee era jovem, mas tinha experiência na área da imprensa, escrevendo obituários. Foi contratado como office-boy, mas, sob a benção de Simon, passou rapidamente a escritor, assinando seu primeiro texto no terceiro número da revista do Capitão América.

Herói patriótico durante a Segunda Guerra Mundial, Capitão América é trazido de volta no período da Guerra Fria. Depois de passar anos congelando dentro de um bloco de gelo; ele volta a combater sozinho ou ao lado do grupo dos Vingadores, os inimigos da liberdade em qualquer parte do mundo. Chega a combater inclusive no Vietnã contra poderosos e gigantescos vietcongs.

A luta por um mundo livre faz parte também da vida de Nicky Fury, agente da SHIELD, espécie de CIA (agência secreta), uma espécie de 007 dos quadrinhos. Ilustrado magistralmente pelo americano filho de judeus ucranianos Jim Steranko (1938 –    ), Fury utiliza altíssima tecnologia para vencer os inimigos do mundo livre e opressores do bem. Quem representa o mal? Há principalmente uma organização conhecida como HIDRA, que mistura de forma muito confusa o nazi-fascismo e o comunismo.

Os fantásticos X-Men foram um produto dos primeiros testes atômicos feitos durante a Guerra Fria. São vários jovens que nascem com superpoderes em consequência da exposição de seus pais à radiação. Como era de se esperar são criaturas contaminadas, perseguidas e descriminadas pela sociedade por serem diferentes, uma clara metáfora da perseguição dos judeus na Europa conquistada por Hitler.

Nos anos 70 o grupo dos X-Men foi reformulado e passou a contar em suas fileiras com heróis de varias outras nacionalidades: há canadenses, africanos e japoneses. Isto foi feito pelos cartunistas e editores das HQs numa alusão à realidade histórica que testemunhou uma rápida reaproximação das duas superpotências, URSS e EUA. Esta cooperação americano-soviética aconteceu, a rigor, durante a corrida espacial e gerou inclusive o lançamento do primeiro super-herói soviético criado no Ocidente, de nome Colossus.

Colossus é um mutante capaz de transformar seu corpo em “aço orgânico”. Para alguns pesquisadores, poderia haver aqui uma referencia à tradução do nome Stalin que quer dizer “homem de aço”. Stalin seria, aparentemente, o personagem Colossus.

Mas, certamente, o personagem mais curioso desta fantástica fase dos anos 70 seria o Surfista Prateado; um alienígena bem amargurado preso na Terra por seu mestre Galactus, o devorador de mundos. Na trama do gibi, o Surfista Prateado foi obrigado a lidar com um planeta devastado pela violência e pela guerra.

O Surfista Prateado era o personagem preferido do cartunista judeu Stanley Martin Lieber que, por meio de suas originais histórias, criticava toda a insanidade humana, especialmente a Guerra Fria, repleta de conflitos. Anos depois, Stanley faria um mea culpa em relação ao viés político atribuído a seus personagens nesse período tão conturbado da história da Humanidade.

Superman era judeu?

Por volta de 1930 a cativante era dos super-heróis das HQs chega a seu apogeu. Em certos casos, as origens judaicas dos personagens das tirinhas são aparentes. Os escritores, editores e cartunistas eram judeus e quase todos haviam adotado nomes americanos. Alguns exemplos? Robert Kahn, o autor dos personagens Batman e Robin, passou a ser conhecido como Bob Kane, Stanley Martin Lieber foi Stam Lee e Jacob Kurtzberg virou Jack Kirby.

Na década de 40 os maiores inimigos dos judeus europeus eram os alemães. Esse ódio ao Nazismo manifestado pelos judeus americanos aparece na fala dos super-heróis que criaram. A famosa dupla Jerry Siegel & Joe Shuster, autores do Super-Homem, desenharam o Homem de Aço segurando Adolf Hitler pelo pescoço e externando uma frase fruto das vontades dos cartunistas: “Eu gostaria de dar um soco 100% não-ariano em seu queixo”; diz uma tirinha de Superman datada em 1940.

Depois de serem proferidas estas palavras, há outro episódio naquele mesmo ano de 1940 em que Super Homem destrói a chamada “Linha Siegfrid” que divide a Alemanha ocidental e a França. De imediato, aparece o Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels proclamando aos quatro cantos: “Superman ist ein Jude” ou seja “Super Homem é um Judeu”. Ato seguido, Goebbels baniu das bancas de jornal os quadrinhos de Siegel & Shuster.

Há rasgos da personalidade e da identidade do Super-Homem que nos remetem aos personagens judeus, a saber:

À semelhança do que aconteceu com Moisés, o Super-Homem foi descoberto como uma criança aparentemente abandonada e logo depois será criado pelas pessoas que o adotaram, o casal Kent. Moisés foi criado no luxo e na fartura reinante no palácio do Faraó.

Seguindo opiniões de Freud em sua curiosa obra “Moisés e o Monoteísmo”, da mesma forma que Moisés mantinha uma dupla identidade – Príncipe do Egito e Libertador do povo judeu – o Super-Homem também se oculta por trás de uma enigmática segunda identidade sob o pseudônimo de Clark Kent.

Sua postura errante atende perfeitamente ao comportamento típico de um imigrante. Originariamente, é uma criança que emigrou do espaço e seus pais biológicos, para salvá-lo, o colocam dentro de uma nave espacial, momentos antes da destruição do planeta Krypton. Ele faz esse percurso Krypton-Terra como único sobrevivente, e deve continuar sua vida aqui entre os mortais. Num artigo para o New York Times Magazine, intitulado “A teoria Minsk de Krypton”, o cartunista Jules Feiffer (1929 –    ) chegou a escrever “O Super-Homem não veio de Krypton, foi do Planeta Minsk ou Lodz ou Vilna ou Varsóvia que ele chegou”. Feiffer ainda comentou: “O Super-Homem representa a fantasia assimilacionista por definição”.

Praticamente todos os super-heróis, e Superman em particular, são tratados como forasteiros que, munidos de um forte patriotismo de imigrante, batalham para salvar o país que cordialmente os acolheu, mesmo quando ameaçado pelas adversidades. Naturalmente, qualquer semelhança com a Alemanha da República de Weimar (1919-1933) e do Terceiro Reich (1933-1945) é mera coincidência.

Nas suas aparições Superman luta para melhorar o mundo, praticando literalmente um conceito cabalístico milenar denominado “tikun olam” ou “conserto do mundo”. Todos seus esforços sobrehumanos visam construir um mundo mais justo, norteado pelo sábio ditado judaico: “Tzedek, Tzedek, Tirdof” (Justiça, justiça, perseguirás).

Homem Aranha e Magneto

Outro personagem criado por Stan Lee foi o Homem Aranha, cujo nome real era Peter Parker. Ao contrário de seus predecessores no famoso panteão dos quadrinhos, este meio-aracnídeo, era uma pessoa comum e estava abaixo das expectativas.  Ele não era um astronauta como os membros do Quarteto Fantástico ou um personagem de outro planeta como o Super-Homem, ou um bilionário gentil e educado como Bruce Wayne, o alter-ego de Batman.

Peter Parker era um adolescente mirrado que nasceu no lado errado da cidade, pois observa os milionários herdando o mundo, enquanto ele próprio nada tinha. A picada de um aracnídeo radioativo muda tudo; o garoto magro agora pode voar, pular e subir pelas paredes fazendo demonstrações de força.

Mas, por que Parker foi escolhido para ganhar tais poderes? O que se espera deste jovem administrando tais poderes?  É claro que são questões encontradas na teologia judaica. Lee entende que Parker foi escolhido como os judeus foram escolhidos ao pé do Monte Sinai. Quando se pensa a escolha divina, é fundamental perguntar-se: Será que ser escolhido me obriga a indagar eternamente o motivo pelo qual fui escolhido? Isto é verídico, a ponto que o simples questionamento nos levou como judeus a desenvolver conceitos e ideias de justiça social, misericórdia e piedade.

Esta reflexão que fizemos é coerente para o Homem Aranha, o mais judeu dos super-heróis, um adolescente enigmático que, não apenas combate as forças do mal com seus dons sobrenaturais, mas também se pergunta acerca de sua missão na Terra.

Porém, Peter Parker tem suas dúvidas e incertezas. A seu lado está Max Eisenhardt, um homem forte que sobrevive como sonderkommando de Auschwitz, principalmente  devido aos estranhos poderes que não compreende nem controla. Max acabará por se tornar o poderoso Magneto, o flagelo vingativo dos já contaminados X-Men.

É importante destacar que em cada personagem de Stan Lee surgem questões morais difíceis, frequentemente acompanhadas de respostas que, para aqueles familiarizados com a Torá e o Talmude, são facilmente reconhecíveis.

Palavras finais

A Guerra Fria com suas características próprias, alimentando permanentemente a luta entre o capitalismo e o comunismo, entre o bem e o mal; gerou personagens nos quais palpita o espírito judaico. Estes super-homens representam seres de carne e osso que possuem propriedades sobrenaturais únicas.

Todos os personagens aqui citados desejam vencer a corrupção, banir o crime e acabar com os perigos da sociedade. Cada um (a seu modo) quer impor sua “justiça social” (tzedek), procurando um “Tikun Olam”, um aprimoramento geral e universal.

Sem dúvida os heróis das HQs encarnados pelo Capitão América, Homem de Ferro, Batman, Super-Homem, Homem Aranha; atendem ao espírito judaico colocado por cada um dos cartunistas e desenhistas.

Preservando a maioria uma identidade judaica, o resultado final não poderia ser outro: Super-heróis com atributos de retidão, amor ao próximo e estima pelo semelhante. Faço votos para que esta viagem pelas HQs sirva para garantir um mundo melhor, no qual cada ser humano se sensibilize com seu semelhante.

Bibliografia

Kaplan, Arie, Jews in Comic Books. How American Jews created the comic book industry. Ver o artigo na web:  https://www.myjewishlearning.com/article/jews-in-comic-books/

Lee, Stan, Uma vida em quadrinhos, Yale University Press, 2020.

Miller, Frank, Superman, Year One. Kindle & Comixology. November 2019.

Schwartz, Roy, Is Superman circumcised?  The complete Jewish History of the World´s Greatest Hero. Paperback, May 5, 2021.

Sinensky, Tzvi, O musculoso judeu que provavelmente inspirou os criadores de Superman. Ver artigo na web em: https://www.revistakadimah.com/post/o-musculoso-judeu-que-provavelmente-inspirou-os-criadores-do-superman

Anderman, Nirit, Supermensches: Comic Book´s Secret Jewish History. Haaretz, Jan. 24, 2016. Ver: https://www.haaretz.com/israel-news/culture/MAGAZINE-supermensches-comic-books-jewish-history-1.5393475