D. Pedro II visita samaritanos em 1876

O presente artigo aborda um dos momentos menos conhecidos da vida do Imperador D. Pedro II. Estudaremos a visita efetuada à sinagoga dos judeus samaritanos; lembrando que este pequeno grupo de judeus constitui uma seita bastante isolada que não representa o judaísmo tradicional. Esta curta visita ficou registrada na pequena caderneta de viagem do monarca brasileiro (Diários 18-19, maço 37, doc. 1057), guardada atualmente no Museu Imperial de Petrópolis, e publicada anos atrás em edição crítica[1].

O Diário de Viagem à Terra Santa informa que após uma visita a Nazaré, a comitiva brasileira encabeçada por D. Pedro II rumou para Djenine (Jenin), onde pernoitou. Em 25/11/1876, cedo pela manhã, Sua Majestade entrou na Samária, um território que muito lhe agradou.

Nablus ou Siquém, uma cidade de ruas estreitas, estava preparada para receber o monarca. Como assíduo visitante de templos judaicos, Pedro II decidiu passar o Shabat numa sinagoga freqüentada pela seita samaritana. A sinagoga era pequena, e Pedro d´Alcantara aguardou pacientemente na porta, enquanto no interior, “homens e meninos de roupa branca” ainda rezavam. Em poucos minutos, foi convidado a entrar. Atendendo a seu pedido, os judeus trouxeram a Torá para fora da sinagoga. O manuscrito de pele de gazela, meio rasgado e com letras apagadas, foi examinado. Alguns defendem que sua antiguidade data de 1.500 a.C, o tempo de Absche filho de Pinéas (Pinchas), filho de Eleazar, filho de Arão. Mas, na opinião de outros, seria do período de Manasse, o grande sacrificador do Templo de Garizim em 330 a.C, ou mesmo posterior ao nascimento de Cristo.

D. Pedro II foi um apaixonado por manuscritos antigos. Três meses antes de chegar à Israel, em agosto de 1876, ele havia inspecionado manuscritos bíblicos e participado de um encontro com orientalistas em São Petersburgo na Rússia. Na sinagoga dos judeus samaritanos surgiu uma oportunidade única: analisar de perto um manuscrito com caracteres hebraicos. Para ver melhor as letras do manuscrito, pediu que o desenrolassem mais, “porém havia ainda linhas que se embaraçavam, e o grande sacerdote samaritano, com um canivete, não quis cortá-las para não infringir o preceito de não trabalhar no sábado”. Karl Henning, o terceiro mestre de hebraico do Imperador, cortou as linhas, mas outro judeu prometeu levar ao acampamento dos brasileiros uma folha da cópia do Pentateuco. O Pentateuco ao qual se refere Pedro II estava escrito em letras fenícias ou cananeas, todas elas usadas antes do cativeiro da Babilônia (Galut Babel) em 586 a.C.

Deixemos por um instante a antiga sinagoga dos samaritanos e retornemos ao Brasil, mais de um século depois. Em 23/08/1995 a Revista Veja publicou uma nota sob o título “Pergaminho de 24 metros”. Esta matéria, ilustrada com foto em caracteres hebraicos, informava sobre a existência das três edições mais antigas da Torá: uma localizada no Museu de Israel em Jerusalém, outra nos Estados Unidos e uma terceira no Brasil.

Que sabemos sobre o milenar pergaminho localizado no Brasil? Tratava-se de um pergaminho de 24 metros de comprimento, dividido em 9 rolos de 60 centímetros de altura cada, todo ele em couro avermelhado de novilho. O livro teria sido copiado por um escriba  (sofêr) que habitava o antigo Egito entre os séculos I e IV. Escritos com pigmento vegetal, estes pergaminhos estão no Museu Nacional do Rio de Janeiro, no bairro de São Cristóvão.

A nota publicada na Revista Veja sugere a seguinte pergunta: O manuscrito guardado no Museu Nacional seria por acaso o manuscrito apresentado ao monarca na antiga sinagoga dos samaritanos?

Em visita ao Departamento de Arqueologia do Museu Nacional no Rio de Janeiro, surgiu meu desapontamento: não é possível afirmar que o manuscrito samaritano citado no Diário de Viagem seja aquele do Museu Nacional. Os argumentos que permitem sustentar esta negativa são os seguintes:

a) O Diário de Viagem à Palestina fala de um manuscrito de pele de gazela enquanto o do Rio de Janeiro é todo de couro.

b) As letras do Pentateuco examinado por D. Pedro II dificultavam a leitura, e algumas estavam apagadas. Os caracteres dos

rolos do Museu Nacional estão completamente legíveis.

Como afirmei anteriormente, a idade do manuscrito segundo o Diário de Viagem data da época de Absche (Avishua) filho de Pinéias, o sacerdote-mor que atuava em tempo de Josué bin Nun, sucessor de Moisés. O Pentateuco do Rio teria sido copiado por um sofer que viveu no Egito entre os séculos I e IV.

A prova mais clara de que o manuscrito do Museu Nacional não seria o mesmo do Diário de Viagem, reside na forma dos próprios caracteres hebraicos. Por meio da paleografia, é possível concluir que as letras dos escribas samaritanos eram completamente diferentes das letras hebraicas utilizadas pelos escribas judeus. O texto do Rio de Janeiro é claramente legível enquanto o do Diário não.

E finalmente, talvez o argumento mais contundente: a promessa dos judeus samaritanos de levar uma cópia do Pentateuco ao Imperador nunca foi cumprida, o que torna ainda mais difícil, a hipótese de que o texto do Museu Nacional seja àquele citado por Sua Majestade D. Pedro II. Certamente, será necessário um estudo de caráter técnico para avaliar o material do manuscrito, o tamanho e a forma dos caracteres, a dimensões e os espaços no próprio texto.

Bibliografia

Faingold, Reuven, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876. Livraria e Editora Sêfer. São Paulo 1999, esp. págs. 95-97 e bibliografia.

Faingold, Reuven, D. Pedro II: Fascínio pelo Judaísmo. KOL NEWS N0. 28, dezembro 1999, págs. 49-56.

Kamsler, H.M., Os Samaritanos. HHERANÇA JUDAICA No. 7, vol.2, São Paulo, 1971.

Revista Veja, Pergaminho de 24 metros. (Edição de 23/08/1995)

Revista Veja, O rei mochilero. Edição 1.589, ano 32, No. 11 (17 de março 1999), págs. 90-91 (Resenha do jornalista Fernando Luna acerca do livro de Reuven Faingold, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876).

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[1] R. Faingold, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876. Livraria e Editora Sêfer. São Paulo 1999, esp. págs. 95-97 e bibliografia.