Danone: O império dos Carasso (1919-2016)

Diariamente, ao começar uma nova jornada após um sono reparador, muitos temos por costume tomar um café da manhã reforçado, composto por derivados do leite como queijos, coalhadas e iogurtes. No entanto, raramente nos perguntamos acerca da história da empresa que fabricou aqueles produtos. Um dos casos mais curiosos, sem sombra de dúvida, diz respeito aos produtos da renomada marca Danone.

A família Carasso

Depois da trágica expulsão dos judeus da Espanha em 1492, a família Carasso como tantas outras, fugiu da Península Ibérica, incorporando-se nas diferentes comunidades da diáspora hispano-portuguesa. Um ramo dessa família sefaradita representado pelo exilado Isaac Carasso, esposa e três filhos; decidiu fazer o caminho inverso e voltou de Salônica na Grécia rumo a seu berço ancestral na Espanha.

O patriarca da família, Isaac Carasso, nasceu em Salônica em 1874, casou-se com Esterina Moussafia tendo três filhos: Daniel (1905-2009), Flor (1910-1942) e Juana Carasso (?). Daniel casou-se com Grace Marion Simone Corvo, Flor casou-se com Jacques Levi e Juana teve seu matrimônio com Mario Botton. Daniel e Grace tiveram uma única filha de nome Marina Carasso, casada com Jacques Alexandre Nahmias ainda é viva.

Já Flor e Jacques Levi tiveram dois filhos: Henri Levi Carasso e Jean Jacques Levi Carasso. Flor acabou morrendo em Auschwitz aos 31 anos. Por sua parte, sobre Juana sabemos pouco, apenas que casou com seu primo Mário Botton tendo um único filho de nome Maurício Botton Carraso, casado com Carlotta NN (sobrenome desconhecido).

Nasce uma empresa

Por inícios do século 20, Salônica era parte do Império turco otomano. Numa cidade de 170.000 habitantes, mais da metade da população eram judeus da Espanha. Trata-se de um importante polo comercial cuja localização unia Oriente e Ocidente, impulsionando o desenvolvimento econômico, em cujo epicentro atuava uma abastada comunidade sefaradita. Dentre os membros se encontravam os Carasso, homens de negócios que comercializavam azeite e frutas secas.

Isaac Carasso costumava viajar frequentemente a Bulgária. Numa das visitas em 1905 degustou pela primeira vez o iogurte feito por pastores búlgaros que vendiam um leite de ovelha fermentado de aspecto viscoso e sabor amargo de nome “jaurt”. Nesse mesmo ano, o médico e microbiólogo búlgaro Stamen Grigorov (1878-1945), cientista oriundo de Tran, (zona búlgara na qual chegavam comerciantes gregos), descobriu o “Lactobacilus bulgaricus”. Esta bactéria achada no ácido láctico era responsável pela fermentação do “jaurt”.

Em 1916, quatro anos depois da “Guerra dos Balcãs” Carasso decidiu migrar para Espanha morando no Raval, um bairro de Barcelona. Rapidamente, sustentado em seus conhecimentos médicos; verificou como as crianças, por causa de uma nutrição inadequada, sofriam de sérios transtornos gastrointestinais e digestivos.

Baseando-se em estudos realizados pelos cientistas Élie Metchnikoff (1845-1916) e Paul Ehrlich (1854-1915) no Instituto Pasteur de Paris, Isaac Carasso e seu filho Daniel decidiram encontrar uma solução para esses problemas. Em 1908, os dois pesquisadores judeus haviam sido agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina pelas suas descobertas no campo da imunologia. Através de experimentos com larvas, (achadas especificamente em estrelas do mar), Metchnikoff descobriu os fagócitos, um tipo de células imunológicas que protegem a flora intestinal dos organismos ingerindo partículas ou microrganismos estranhos.

A partir destas descobertas, os cientistas misturaram leite fresco com leite fermentado, obtendo assim o primeiro iogurte natural, um produto bastante comum na Grécia, mas desconhecido no mercado espanhol. Surgia, pois, em 1919 o primeiro iogurte. Para conservar ainda melhor o produto, Isaac Carasso produzia os primeiros iogurtes em potes de porcelana, comercializando-os nas farmácias da cidade.

Na hora de registrar a marca do produto, Isaac decidiu homenagear seu filho. Adotou o diminutivo da forma catalã do nome Daniel, ficando assim o apelido “Danon”. Em seguida, adicionou a letra “e”, pois naqueles tempos ninguém pensava em denominar um produto com seu próprio nome. Nascia assim a marca “Danone”

Passadas duas décadas, após a Danone ganhar maior visibilidade e popularidade no mercado, Daniel Carasso colocou toda sua família na fabricação e venda do produto. A expansão da empresa chegou rapidamente à França. Em 1923, para poder comandar seus negócios de forma satisfatória, Daniel decidiu cursar administração de empresas na Universidade de Marseille, fazendo ainda estudos em bacteriologia no Instituto Pasteur.

A primeira loja varejista da Danone à Rue Messager em Paris permitiu que classes sociais mais vulneráveis da população francesa pudessem também degustar o iogurte.

Em 1939, o jovem Daniel Carasso funda a “Société Parisienne du Yoghourt Danone” e nesse mesmo ano, após assistir ao crescimento global da empresa, Isaac Carasso faleceu.

O crescimento da Danone

O projeto surgido de uma ideia relativamente simples tinha se convertido num rentável empreendimento. Pai e filho haviam popularizado a Danone nos países da Europa. Em 1941, enquanto a Segunda Guerra Mundial assola a Europa, Daniel Carasso deixa Paris (ocupada pela Alemanha nazista) e migra para os Estados Unidos acalentando seu sonho de prosperar.

Em 1942 instala-se em Nova Iorque e com a ajuda de amigos americanos adquire no Bronx uma pequena loja de laticínios, a “Oxy-Gala”, propriedade de um casal grego. Seguidamente, aliou-se a seu amigo judeu-suíço Joe Metzger e a seu filho John e desta parceria nasceria a “Dannon Milk Products”.

A comercialização da “Dannon Milk Products” continua em ritmo acelerado, mas Daniel rapidamente entende que há necessidade de obter um produto que caia no gosto da população americana. Surge assim, em 1947, a original ideia de adicionar sabores de geleias de frutas ao produto.

Os sabores diversificados foram fundamentais para que a marca conseguisse uma boa penetração. O iogurte vende tanto que se converte em sinônimo de qualidade e sabor. Em 1950 a Danone produzia seis sabores diferentes e respondia por quase 75% da produção de iogurte dos Estados Unidos, vendendo em média 3 milhões de dólares anualmente.

Durante o período da Guerra Fria, Daniel retorna algumas vezes a Europa retomando a comercialização dos iogurtes. Sem desviar-se da pesquisa que norteou os produtos Danone, a empresa se consolida mantendo constantemente sua qualidade nos processos e fórmulas. Mais de um século depois do lançamento do primeiro iogurte em 1919, o portfólio da Danone é um dos maiores do mundo, priorizando a saúde das pessoas.

Tempos de consolidação 

Os negócios da família Carasso vão de vento em popa. Daniel expande seus produtos para queijos e outros produtos derivados. Em 1967 a Danone dá um passo importante para se consolidar ainda mais como uma empresa de laticínios ao fundir-se com a Gervais, a principal empresa de queijos da França. Seu novo nome será “Gervais Danone”, convertendo-se em líder de mercado no segmento de iogurtes, queijos naturais e sobremesas.

A fusão teve sucesso e fez com que a empresa conquistasse também a base de clientes leais da Gervais, que consequentemente compravam produtos Danone sem questionar. O queijo, inclusive, será um dos produtos que mais gerou lucros para a Danone até hoje.

Pouco tempo depois, em 1973, outra importante fusão aconteceria: a Danone fundiu-se com a fabricante de garrafas BSN, que desde sua fundação em 1966, possuía forte experiência e relevante participação no mercado. Desta forma nasce um dos maiores conglomerados da época, pelo menos na Europa: a “BSN-Gervais Danone”.

Maurício Botton será durante 40 anos chefe de qualidade da Danone Espanha. Até 2015 foi Conselheiro da Danone, ano em que vendeu sua participação, dedicando-se à produção de azeite e negócios imobiliários e financeiros.

Em maio de 2016 Marina Carasso, neta do fundador Isaac Carasso, vendeu a sua participação à matriz da Danone por 200 milhões de euros, distanciando-se por completo dos negócios da família Carasso.

A filha de Daniel, Marina Carasso, vive em Paris e é presidente da “Fundação Daniel & Nina Carasso”, que financia projetos ligados às artes e à alimentação. Como dizemos era casada com Jacques Alexandre Nahmias, quem a representava nesta participação de 6%. Com a venda, Nahmias renunciou ao seu cargo no conselho de administração, mas o jornal espanhol “Expansión” adianta que ele irá manter-se ligado à empresa em caráter de consultor.

A Danone hoje

Hoje os negócios da Danone são estudados nas universidades do mundo inteiro. A pergunta a ser respondida pelos alunos é a seguinte: Como das farmácias da Espanha um produto chega com tanta força aos supermercados de todo o mundo? No “case-study” da Danone, analisam-se as diferentes linhas de crescimento exploradas pela empresa franco-americana, que a transformaram numa das maiores multinacionais de laticínios do mundo.

Com a pandemia Covid-19, diversas empresas de bens de consumo enfrentaram desafios, e para a Danone não foi diferente. Contudo, 2021 foi um ano de recuperação para esse gigante global, que encerrou o ano com uma receita de US$ 28,727 bilhões, um aumento de 6,7% – o crescimento trimestral mais rápido em sete anos.

Presente em 140 países, a Danone está entre as quatro maiores marcas de laticínios do mundo mantendo uma participação de mercado expressiva de 21%. Com portfólio diversificado, é difícil não mencionar outras marcas da empresa presentes no Brasil, como Activia, Danoninho, Bonafont (que hoje deixou de ser comercializada no Brasil) e Danette, só para citar algumas.

Mas nem sempre foi assim. A empresa percorreu um longo caminho até se tornar líder no segmento, saindo da produção de iogurtes em 1919, para uma companhia de mais de 90.000 colaboradores em 2022. A Danone é, sem dúvida alguma, uma história de sucesso fruto do pioneirismo dos Carasso, tanto na Europa como nos Estados Unidos.

Bibliografia

Daniel Carasso – Biography. https://www.jewage.org/wiki/he/Article:Daniel_Carasso_-Biography

Daniel Carasso, fondateur de Danone. Par Laetitia Clavreul. Publié le 23 mai 2009. https://www.lemonde.fr/disparitions/article/2009/05/23/daniel-carasso-fondateur-de-danone_1197142_3382.html

Félix Torres et Pierre Labasse, dans Mémoires de Danone. Le Cherche Midi, 2003.

Manuel Mira Candel, El olivo que ardió en Salónica. Novela. La Esfera. 1ª edición, 2015, 752 págs.

Maurício Botton: El heredero que renunció al imperio Danone por el aceite de lujo y el boom inmobiliario. https://esefarad.com/mauricio-botton-el-heredero-que-renuncio-al-imperio-danone-por-el-aceite-de-lujo-y-el-boom-inmobiliario/

Simon Ayub, Stamen Grigorov: The story of the man who made yoghurt possible. May 31, 2022. https://www.tuko.co.ke/facts-lifehacks/celebrity-biographies/456326-stamen-grigorov-the-story-man-yoghurt-possible/

Última herdeira da Danone vende participação. Matéria de Rafaela Burd Relvas. 22 de maio de 2016. Dinheiro Vivo. https://www.dinheirovivo.pt/empresas/ultima-herdeira-do-fundador-da-danone-vende-participacao-12843974.html