Durante o período do Holocausto (1933-1945) tomamos conhecimento de acontecimentos impensáveis, pouco prováveis, quase inimagináveis, que nossas mentes mal conseguem processar. A seguir, dez histórias incríveis vinculadas à maior tragédia do povo judeu.
1. O “BEBÊ ARIANO” IDEAL
O protótipo de “bebê ariano” apresentado na capa da revista de propaganda nazista “Sonnie ins Hous” em 1935 era, na verdade, judeu. A revelação foi feita pela própria pessoa na foto, Hessy Taft. A mulher doou uma cópia da revista ao Museu Yad Vashem como parte da ampla campanha “Recolhendo Fragmentos”, lançada em 2011, estimulando pessoas a doarem materiais ligados ao Holocausto.
Hessy Taft, cujo sobrenome de solteira era Levinson, nasceu em Berlim em 1934. Era filha de judeus da Letônia. Eram músicos e haviam chegado à Alemanha para trabalhar como cantores de ópera. Em depoimento, Taft contou que o contrato de seu pai foi cancelado imediatamente assim que suas origens judias foram descobertas.
Em 1935, a mãe de Hessy e sua tia a levaram a menina para ser fotografada pelo renomado fotógrafo Hans Ballin. Sete meses depois, para surpresa da família, a empregada dos Levinson disse ter visto a foto da pequena Hessy na capa da revista “Sonnie ins Hous” (Raio de sol em casa). Esta fotografia havia sido escolhida em concurso promovido pelo Departamento de Propaganda Nazista, chefiado por Joseph Goebbels. A melhor entre cem imagens clicadas pelos fotógrafos alemães representaria o “bebê alemão ariano ideal” e seria capa da revista.
Sem que a família Levinson soubesse, Ballin submeteu a foto de Hessy e de outros dez bebês. A ironia de a fotografia trazer um bebê judeu foi motivo de piada durante muito tempo na família. A foto da menina também foi redistribuída em cartões postais em todo o país e até na Lituânia. Quando perguntada o que diria para o fotógrafo hoje, Hessy respondeu: “Eu diria: Que bom que você teve coragem”.
Após fugir da Alemanha para Paris, a família escapou da ocupação nazista da França, migrando para Espanha e Portugal e finalmente de navio para Cuba. Em 1949, os Levinson se estabele-cem nos EUA, lá Hessy formou-se em química na Universidade Columbia, casando em 1959 com Earl Taft.
O casal tem dois filhos e quatro netos. Ela ainda leciona química na Universidade de St. John’s. Apesar de sua família próxima ter sobrevivido à Shoá, vários parentes morreram nos campos.
2. AS “PEDRAS DE TROPEÇO”
Uma frase talmúdica afirma: “Uma pessoa só é esquecida quando seu nome cai no esque-cimento”. Há duas décadas o artista alemão Gunter Demnig luta contra o esquecimento, instalando “stolpersteine”, pedras de recordação diante das casas onde moravam as vítimas do Nazismo. O objetivo dessa intervenção artística é criar pequenos memoriais para relembrar as vítimas do nacional-socialismo assassinados nas deportações, campos e câmaras de gás.
Que são as stolpersteine? Trata-se de paralelepípedos de concreto, (10 cm x 10 cm), cimentados nas calçadas da Europa. Um lado é coberto por uma chapa de latão dourado, com uma inscrição. Geralmente, nela aparece: “Aqui morava” (hier wohnte) ou “aqui vivia” (hier lebte) ou “aqui atuou” (hier wirkte), tendo, logo depois, o nome da pessoa homenageada, datas, lugar de nascimento e o destino que ela teve: suicídio (selbstmord) ou, na maioria dos casos, deportação e assassinato nos campos (deportation ou ermordet).
O idealizador das stolpersteine é o artista plástico Gunter Demnig. Trajando seu chapéu típico, ele chega ao local carregando baldes de cimento, ferramentas e duas reluzentes placas em memória das vítimas judias, Erzsebet e Jakob Honig. Após uma curta fala, ajoelha-se e começa a cavar. São homenagens muito singelas a pessoas que, despojadas de suas moradias; foram deportadas e assassinadas em Auschwitz. O artista termina seu trabalho em 10 minutos. Após inserir as placas na calçada, ele lhes dá uma polida, tira o chapéu e volta para o carro.
O trabalho de Demnig começou faz mais de 20 anos, colocando pedras comemorativas em 17 endereços berlinenses. Em 2015, passou 258 dias viajando pela Europa, colocando placas. Algo inimaginável em 1996, quando depositou as primeiras “pedras-obstáculo” para os 50 moradores judeus do bairro de Kreuzberg, em Berlim, como parte de um projeto artístico intitulado “Künstler forschen nach Auschwitz” (Artistas pesquisam Auschwitz). Na ocasião, as stolpersteine eram ilegais e em sua colocação não havia imprensa, polícia ou parentes.
Atualmente são mais de 7.000 “pedras-obstáculo” somente em Berlim e 60.000 pela Europa: de Trondheim (Noruega) até Salônica (Grécia); de Orel (Rússia) até l’Aiguillon-sur-Mer (França). Elas se tornaram parte da paisagem urbana. Há inclusive visitas guiadas para vê-las em Roma, Amsterdã e Budapeste.
Hoje as placas são tantas que Demnig não tem tempo de produzi-las. Desde 2005, o escultor Michael Friedrichs-Friedländer as faz em seu ateliê de Berlim. O artista considera todas as stolpersteine comoventes, mas ficou particularmente emocionado com 34 delas, fabricadas para 30 órfãos e seus 4 cuidadores, colocadas diante de um orfanato de Hamburgo. Com a voz embargada, desabafa: “Tinham entre três e cinco anos… Eu não pude dormir por semanas”.
As stolpersteine convidam à reflexão. Lidar com datas e fatos históricos é emocionante. Descobrir uma inesperada “pedra-obstáculo”, começar a ler a sua inscrição e ver a casa onde a pessoa viveu ou trabalhou, é totalmente diferente. O projeto stolpersteine devolve às vítimas o seu nome. Deixa evidente que se está diante do que foi um ser humano com nome, lar e família. Fatos cruéis vão adquirindo um rosto e se tornam tangíveis. Vizinhos se emocionam e tomam consciência dos destinos dramáticos. Descobre-se que o horror não poupou cidades, bairros ou ruas; mas que diante de uma realidade triste houve também pessoas corajosas que arriscaram a vida contra o regime de terror.
3. O SOBREVIVENTE FALSIFICADOR
Salomon Smolianoff (1897-1976) ou Sally, como gostava de se apresentar, ficou conhecido como o maior falsificador judeu envolvido na Operação Bernhard, onde prisioneiros dos campos de concentração eram obrigados a criarem notas, passaportes e outros documentos falsos. A operação foi contada também em “Os Falsários”, o melhor documentário de 2008.
Filho de judeus, Smolianoff nasceu em Kremenchuk, mas cresceu na cidade de Odessa. Ainda na Rússia, ele estudou pintura, mas teve que abandonar o país após o início da Revolução de 1917, pois seus pais eram opositores da revolução. Assim, Smolianoff passou a viver em vários locais como a Itália, para finalmente começar uma nova vida na Alemanha, onde conheceu um falsificador e tornou-se um deles. Desde então, foi procurado por forças policiais europeias antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Em 1939 Salomon Smolianoff foi tomado prisioneiro pelos alemães e enviado ao campo de Mauthausen, onde trabalhou como retratista. Foi selecionado para a Operação Bernhard e transferido para Sachsenhausen, depois de passar cinco anos entre Mauthausen e Ebensee. Finalmente, foi libertado pelo exército americano em 06/05/1945.
Qualquer vestígio de falsificação de Smolianoff foi perdido após sua libertação. Mesmo assim, foi reconhecido por falsificar documentos de emigração de judeus tentando ir para a Palestina. Em seguida, emigrou para o Uruguai falsificando notas para os russos. Acabou intimado pela polícia uruguaia mudando ao Brasil nos anos 50. Smolianoff morreu em Porto Alegre perto de completar oitenta anos, sendo enterrado no Cemitério Israelita da cidade.
A “Operação Bernhard”, tido como o maior programa de falsificação de dinheiro da história moderna, foi dirigido pelo nazista Bernhard Krüger. O oficial montou uma equipe com 142 falsificadores presos nos campos de concentração, primeiramente de Sachsenhausen e depois de outros campos.
Dentre os recrutados estava Sally Smolianoff. A Operação Bernhard fraudou libras e dólares. Foram produzidos 132 milhões de libras em notas falsas, algo equivalente a quatro vezes as reservas cambiais do Reino Unido naquela época.
4. UM DESENHO NO ESPAÇO
Fim de fevereiro de 2003. Um cidadão de Praga liga ao Museu do Holocausto em Jerusalém oferecendo vender seis cadernos com desenhos do jovem Petr Ginz (1928-1944), encontrados num velho prédio do bairro de Modrany, em Praga. Ao escutar notícias que um astronauta do Columbia havia levado cópia de um dos desenhos de Ginz, decidiu enviar eletronicamente ao museu imagens dos textos e desenhos que estavam em suas mãos.
A irmã de Petr, Eva Ginz, sobreviveu ao Holocausto, havia casado com um judeu de sobrenome Pressburger e vivia em Jerusalém. No prefácio à edição do Diário de Praga, Chava Pressburger comenta: “Rever obras de Petr me emocionou muito. Era como se Petr não tivesse morrido, como se ele seguisse eternamente vivo; dando notícias de si e enviando alguma mensagem”.
A descoberta do Diário permitia entender os acontecimentos de 1941-1942, registrados por Petr antes de ser deportado a Terezin, ainda quando os Ginz viviam em Praga. Chava legitimou os cadernos como verdadeiros, reconheceu a letra de seu irmão e ainda lembrou fatos ali descritos. Segundo ela, quando se aproximava o dia da deportação, a letra de Petr mudava, ficando cada vez mais nervosa e menos legível. Ele não escreveu nada sobre seus medos, mas suas anotações refletem as nuvens pretas que cobriam os céus de Praga.
Petr fabricava seus cadernos para escrever novelas e diários, uma vez que comprar cadernos novos estava fora do alcance. O Diário de Praga (escrito em papel usado) está composto por dois cadernos: o primeiro contém anotações sobre a vida de Petr Ginz entre 19/09/1941 e 23/02/1942; e o segundo continua com fatos acontecidos entre 24/02/1942 e 09/08/1942, antes de ser trasladado ao gueto de Terezin.
O Diário de Petr Ginz desvenda o desempenho dos nazistas durante o Holocausto. Tudo parece funcionar com naturalidade: a comunidade judaica, o hospital e a escola; mas pouco a pouco vão cortando-se as liberdades dos judeus. Subitamente desaparece um parente, falta um aluno à classe, um professor não vá ao colégio. Tudo vem sinalizando o início das deportações. Porém, os que ficam continuam a levar uma vida normal. As pessoas com suas malas partem para Polônia em vagões especiais. Nunca voltarão. Elas não fazem a mínima ideia de que em uma semana estarão despidos de suas roupas, marchando às câmaras de gás, para finalmente serem queimadas ou assassinadas.
Avessa a uma arte surrealista, a arte de Ginz é uma arte realista e concreta. Enquanto outros artistas perpetuam a memória das vítimas assassinadas; o artista-mirim cria arte sem sabê-lo, apenas como passatempo durante sua permanência no gueto de Terezin. Para alguns artistas desenhos e esculturas são um meio de expressão, mas nunca uma finalidade em si mesma. Já para Ginz desenhos representam uma forma espontânea de criar, totalmente despreocupada com um plano específico.
Os desenhos de Petr Ginz são doações do pai Otto Ginz ao Museu Yad Vashem. Eles podem ser divididos em duas categorias: aqueles que retratam uma temática universal e os que abordam uma temática especificamente judaica. Dentre os universais mencionaremos: Vaso de flores – pintura de lápis em papel, 1942-1944; Girassol – aquarela sobre papel, 1944; Flores – aquarela sobre papel, 1944; Telhados e torres de Praga – aquarela com bico de pena, 1939-1940; Pátio – aquarela sobre papel, 1942-1944; e Paisagem lunar – um desenho a lápis sobre papel de 1942-1944.
Desconhecido até 2003, o artista mirim Petr Ginz, autor do desenho “Paisagem lunar”, ganhou destaque internacional graças ao astronauta israelense Ilán Ramon. Deportado com outras 100 crianças judias a Terezin, acabou morrendo em Auschwitz. A missão espacial não teve sucesso, mas o brilhante artista judeu ressurgiria das cinzas do Columbia.
5. COMPUTADORES CLASSIFICAM
A empresa IBM colaborou com o governo de Hitler no assassinato de seis milhões de judeus. Esta descoberta foi desvendada 17 anos atrás pelo pesquisador judeu americano Edwin Black. Filho de sobreviventes do campo de Auschwitz-Birkenau, ele escreveu um livro intitulado “IBM e Holocausto”, no qual conduz o leitor a entender que existiu uma complexa trama de conluio entre a companhia IBM e o Terceiro Reich.
Black também destrincha detalhes do processo de informatização entremeada de acordos verbais, cartas sem data e intermediários em Genebra. Black explica que através da assistência tecnológica da IBM Hitler foi capaz de atingir os números assombrosos do Holocausto, a sua obra ainda revela um dos últimos grandes mistérios do Holocausto: como o Führer conseguiu os nomes das vítimas?
Evidentemente, na década de 1930, ainda a informatização estava engatinhando. As máquinas Hollerith de cartões perfurados tinham sido inventadas nos Estados Unidos por final do século 19, com o objetivo de tornar o recenseamento da população americana mais ágil. A tecnologia Hollerith estava perfeitamente adaptada às necessidades dos clientes e sofria constantes atualizações.
Foi esta tecnologia da IBM que permitiu a Hitler automatizar a perseguição aos judeus. As várias combinações das perfurações permitiram ao Terceiro Reich obter um “banco de dados” com nomes e sobrenomes, idades, endereços, gênero das pessoas, atividades profissionais e outros dados significativos para criar uma verdadeira indústria do Holocausto.
6. PARTITURAS RECUPERADAS
Durante a Segunda Guerra Mundial, artistas judeus capturados pelos nazistas compuseram peças musicais que ficaram perdidas nos horrores dos campos de concentração. Anotadas em restos de papéis e recortes de jornal, ou gravadas na memória dos sobreviventes, elas seriam esquecidas, não fosse o trabalho de um pianista italiano. Ao longo de três décadas, Francesco Lotoro reuniu uma coleção com cerca de 8.000 músicas, algumas apresentadas ao público pela primeira vez num concerto em Jerusalém com a “Orquestra Sinfônica de Ashdod”, como parte dos eventos que marcam o 70º aniversário de Israel.
Entre as músicas a serem tocadas havia uma composição da poetiza Ilse Weber, que trabalhou como enfermeira no hospital do campo de Theresienstadt, ensinando canções para crianças. Quando seu marido Willi foi deportado a Auschwitz, ela também se transferiu voluntariamente com o filho do casal, Tommy. Todos foram mortos nas câmaras de gás.
As músicas compostas por Ilse nos campos de concentração não foram escritas, mas foram memorizadas por Aviva Bar-On, que quando criança foi tratada no hospital de Theresienstadt. “Eu fiquei sabendo de uma sobrevivente de Theresienstadt que afirmava lembrar-se de uma música da Ilse. Quando fui vê-la descobri que ela não lembrava apenas de uma música, mas de três melodias. Algumas delas nunca foram escritas, ficaram conservadas numa memória que está desaparecendo com a morte dos sobreviventes” comenta Lotoro.
No repertório de Lotoro também está “Tatata”, composta por Willy Rosen, um compositor judeu alemão, e o ator e diretor Max Ehrlich, uma figura proeminente nos cabarés alemães na década de 30. Antes de serem transferidos a Auschwitz, os dois conseguiram contrabandear uma pasta com manuscritos para fora do campo. Ela foi descoberta décadas depois no sótão de uma casa na Holanda. “As composições dos campos de concentração são um patrimônio mundial, um legado para aqueles artistas que, apesar de terem perdido a liberdade nas mais inimagináveis circunstâncias, perseveraram por meio da música” completa Lotoro.
O trabalho de resgate feito por Lotoro foi registrado no documentário “Maestro”, lançado ano passado. No filme conta que sua missão começou em 1990 quando recebeu uma composição do pianista tcheco Gideon Klein. Nascido em 1919, Klein foi deportado para o campo de Terezín em 1941 e transferido para Auschwitz em 1944. No ano seguinte, morreu nas minas de carvão de Fürstengrube. Durante a estadia em Terezín Klein era um dos maiores compositores do campo. Antes de ser transferido, deixou suas obras com a namorada, Irma Semtska, que as entregou à irmã do pianista, Eliska, após o fim da guerra. E foi das mãos de Eliska que Lotoro recebeu o primeiro manuscrito de uma música composta nos campos nazistas.
O corpo de Klein nunca foi encontrado. “Salvar a sua música é a única maneira de trazê-lo de volta à vida” disse Lotoro. Estes tesouros da história da música servem para dar voz aos tantos compositores que decidiram atuar num lugar onde já não restavam vestígios de Humanidade.
7. QUEM FOI O PSIQUIATRA GOLDENSOHN?
Leon N. Goldensohn, psiquiatra e oficial do exército americano na Segunda Guerra Mundial; trabalhou no presídio de Nuremberg durante sete meses. Responsável pela saúde mental e física dos oficiais alemães acusados de crimes de guerra, ele acompanhou o dia-a-dia dos pacientes realizando entrevistas extensas com vários deles.
Na tentativa de explicar o próprio envolvimento com o Nazismo, os entrevistados discorrem sobre suas vidas: seus pais, sua infância, as crises no casamento ou a morte do filho. Estes são temas que vêm misturados às suas visões da guerra, do nacional-socialismo, dos demais membros do partido e do próprio Holocausto.
Somados às entrevistas feitas por Goldensohn com testemunhas que participaram dos julgamentos desses homens, os relatos reunidos foram editados muitos anos depois pelo célebre historiador americano Robert Gellately.
Surpreendentes e assustadoras, as entrevistas de Goldensohn revelam uma nova dimensão das monstruosidades já conhecidas: a falta de consciência e as motivações banais que cada um desses homens reivindica. Em seu conjunto, elas apresentam o Nazismo como um movimento fragmentado, resultado de uma divisão de responsabilidades, pois segundo a maioria um homem do Reich não sabia o que o outro fazia.
8. O “PEQUENO OPERÁRIO” DE SCHINDLER
Leon Leyson tinha 10 anos quando Alemanha invadiu a Polônia em 1939. Seis meses depois, sua família foi deportada para um gueto em Cracóvia. Perdeu dois irmãos durante a Shoá e foi protegido por Schindler enquanto trabalhava na sua fábrica. Um dos irmãos fugiu para a vila da família morrendo em um massacre de 500 habitantes. O outro, com 16 anos, foi deportado do gueto e morto em um campo.
Leyson estava fraco de fome, então Schindler dobrou sua alimentação. O nazista colocou sua mãe e os demais irmãos sobreviventes em sua lista. Apelidado de “pequeno Leyson”, ele era tão miúdo que precisava subir acima de uma caixa de madeira para operar o maquinário.
O jovem judeu se mudou para os EUA em 1949 dando aulas na escola Huntington Park por 39 anos. O sobrevivente raramente falava de suas experiências de guerra. Ele costumava dizer: “A verdade é que eu não vivo minha vida na sombra do Holocausto. Eu não dou aos meus filhos um legado de medo. Eu dou a eles um legado de liberdade”.
Em 1993, no entanto, foi lançado o filme “A Lista de Schindler”. Após o sucesso da produção, Leyson começou a contar sua história nos EUA e no Canadá. Toda vez que contava sua história nunca usava resumos, nunca falava as coisas duas vezes. Sempre vem da cabeça e do coração, disse Marilyn Harran, amigo e professor da Universidade Chapman. “Ele fez as pessoas a desejarem ser melhores, para relembrar não só do Holocausto, mas que elas nunca podem ser indiferentes”, afirmou o professor.
Leon Leyson encontrou Schindler pela última vez em 1974, em visita a Los Angeles, pouco antes de morrer. Ele estava com um grupo de judeus que foram até o aeroporto recebê-lo. Antes de apresentar-se, Leyson ouviu: “Eu sei quem você é. Você é o pequeno Leyson” – disse Schindler. Logo, ambos se abraçaram.
9. MAGDA GOEBBELS JUDIA?
Magda Goebbels estava casada com o Ministro da Propaganda de Hitler, Josef Goebbels. Ela era considerada um excelente “exemplo ariano”, pois não tentou salvar sequer o pai da morte. Mulher judia, ela era considerada “mãe modelo do Terceiro Reich”. A descoberta foi feita recentemente pelo historiador Oliver Himes em arquivos de Berlim, segundo o jornal “Bild”.
Magda, que na verdade foi registrada ao nascer como Johanna Maria Magdalena, nasceu em 11/11/1901. Tinha o sobrenome de solteira de sua mãe judia, Behrendt. Acontece que sua mãe casou com o empresário alemão Oskar Ritschel, mas este se recusou a adotar a criança e ceder a ela seu sobrenome. Depois de divorciar-se de Ritschel, a mãe de Magda voltou a se casar em 1908, desta vez com o pai biológico de sua filha, o comerciante judeu Richard Friedländer, que havia conhecido nove anos antes. Já adulta Magda casou com o empresário Herbert Quandt, quem enriqueceu quando Hitler chegou ao poder, e teve com ele um filho, Harald. Divorciada, ela se uniu a Goebbels em janeiro de 1932 e ficou com ele até a morte, em 30/04/1945.
A máquina de propaganda nazista explorou o casamento e a grande família que formaram, chamada de “família ariana ideal”. Segundo descobertas do historiador Himes, o pai dela foi preso em Bruxelas e enviado a Buchenwald, onde morreu em 1938. Mesmo já casada com um líder da alta cúpula nazista (capaz de intervir para salvá-lo), ela nada fez para impedir sua prisão ou morte.
Magda e Joseph Goebbels tiveram vários filhos. Segundo o filme “A Queda: as últimas horas de Hitler” (Alemanha, 2004) quando os aliados se aproximaram do bunker que a família ocupava em Berlim, em abril de 1945, o casal envenenou com cianureto suas crianças, cometendo logo depois suicídio. Harald, que não estava no local, sobreviveu.
10. O ALFAIATE DE AUSCHWITZ
Martin Greenfeld é o sobrevivente do Holocausto número A4406. Nascido em Pavlov, vilarejo tcheco, este judeu vivenciou os horrores do Nazismo. Segundo ele, foi no segundo dia de Pessach de 1944, quando os nazistas cercaram Pavlov e deram aos judeus o prazo de uma hora para fazer suas malas, antes de serem enviados a Auschwitz. Já no campo, esteve frente ao Dr. Josef Mengele, que determinou ele ser selecionado para o trabalho, enquanto toda sua família seguiria rumo às câmaras de gás. Greenfeld perdeu pais, avôs, um irmão e duas irmãs.
Seu pai, engenheiro, disse ao filho em Auschwitz: “Precisamos nos separar. Você é jovem e forte. Vai sobreviver por sua conta. Você tem de viver para nos honrar”. Trabalhando na lavandaria de Auschwitz, aprendeu a costurar com prisioneiros mais velhos. Na autobiografia “Measure of a Man: From Auschwitz Survivor to Presidents´ Tailor” (2014), Greenfeld relata o abuso físico, psicológico e emocional que sofreu sob o Nazismo.
Depois de meses aprisionado foi trasladado de Auschwitz I para Auschwitz III ou Buna, já que o campo principal foi bombardeado pelos americanos em dezembro de 1944. Na ocasião, os nazistas obrigaram 10.000 prisioneiros a desocupar o lugar, recolocando-os no subcampo de Gleiwitz, fundado por eles em março de 1944. De lá foi transportado até Buchenwald, onde permaneceu até acabar a guerra.
Encerrada a 2ª Guerra, Greenfeld ambulou pela Europa procurando, sem êxito, sua família. Em 1947, ajudado por parentes abastados, embarcou aos EUA para iniciar uma nova vida. Junto a outro imigrante judeu, achou trabalho em uma prestigiosa empresa de roupa que fabricava peças para clientes de tamanhos especiais (GGG) em Brooklyn. O proprietário era William P. Goldman, quem ensinou Martin Greenfeld os secretos da confecção.
Martim foi crescendo no negócio de Goldman, até que em 1977, (com uma experiência de 30 anos na empresa), decidiu comprar a fábrica da família Goldman. Mudou o nome da firma para “Martin Greenfeld Clothiers” (Roupas Martin Greenfeld), atendendo uma clientela seleta e exigente. Todo terno costurado à mão é produto de muitas mãos. Ele emprega 120 imigrantes. “Temos as melhores pessoas do mundo todo… eu não seria nada sem eles”, afirma Greenfield.
Nas memórias Greenfeld confessa que o sucesso do negócio reside na qualidade da matéria prima utilizada para confeccionar os ternos. Ele afirma: “Me neguei a fazer concessões e decidi que somente usaríamos materiais e métodos da mais alta qualidade”. Sua renomada empresa confecciona uns 15.000 ternos por ano, pagando seus clientes até U$S 2.000 por peça. Desta forma, seu faturamento, atinge aproximadamente 30 milhões de dólares por ano.
Em 1952 Greenfeld teve a oportunidade de conhecer o presidente Dwight D. Eisenhower, com quem sentiu forte empatia, chegando inclusive a deixar bilhetes com conselhos de política externa nos bolsos dos ternos. “Não existe lugar como os Estados Unidos”, afirma Martin Greenfield. Seus filhos Jay e Tod dirigem atualmente o negócio.
Diferente de Harry Pendel, personagem da novela de John Le Carré, “O alfaiate de Panamá”; Martin Greenfeld é um alfaiate cinco estrelas. Greenfeld é um homem discreto que mede suas palavras. Sua alfaiataria de Brooklyn veste celebridades como Paul Newman, Frank Sinatra, Michell Jackson, os jogadores de basquete Patrick Ewing e Shaquille O’Neal, Leonardo Di Caprio, Al Pacino, Jimmy Fallon ou Johnny Depp. Assíduo cliente, Bill Clinton aprendeu com ele a usar trajes formais.
Ao falecer George de Paris, o alfaiate oficial da Casa Branca em 2015; Barack Obama solicitou a Greenfeld tomar as medidas de seus ternos. O presidente lhe enviou um par deles para que tomasse suas medidas, porém o alfaiate se negou terminantemente declarando: “Martin Greenfeld não copia ternos de ninguém”, exigindo que o presidente americano o recebesse na residência governamental para tomar pessoalmente as medidas. Obama concordou e naquele encontro o presidente lhe mostrou um terno italiano com a tela que gostaria para sua nova peça de vestir. Aí, tudo ficou mais fácil e Greenfeld revelou que “o corpo do presidente é como o de um manequim”, e isto facilita sua tarefa.
Em 2015 vestiu trajes acadêmicos recebendo o doutorado honorário da Yeshiva University de Nova Iorque. Na ocasião, o reitor Richard Joel compartilhou um trecho da autobiografia de Greenfield, “Measure of a Man”: “Todas as pessoas são perfeitas. Elas têm de fazer um terno que as ajude a acreditar que podem realizar seus sonhos”.
Martin Greenfeld fez ternos para o presidente Donald Trump. Agora vai esperar para ver se receberá uma ligação do próximo ocupante da Casa Branca. “É uma grande honra vestir presidentes”, explica com orgulho Greenfield. “Faço todo mundo ter boa aparência com a roupa”.
Michael Bloomberg, o biógrafo de Greenfeld, fala dele com admiração: “Estamos diante de um homem que lutou muito para sobreviver durante os piores momentos da Humanidade, chegou à Nova Iorque sem nada, trabalhou duro e prosperou” sendo hoje considerado o melhor alfaiate masculino dos Estados Unidos.
“A roupa faz o homem”, escreveu William Shakespeare em Hamlet. Ela certamente fez o mestre alfaiate Martin Greenfield. Aos 88 anos ainda trabalha seis dias por semana em sua confecção, quando não dedica parte de seu tempo a ministrar palestras inspiradoras ou a participar de atividades comunitárias.
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