(Este artigo foi publicado há 25 anos no jornal O Estado de S. Paulo da sexta-feira 10 de novembro de 1995; seis dias após o assassinato do premiê de Israel Ytzhak Rabin).
Sábado 4 de novembro, 20 horas. O Jornal Nacional acaba de anunciar o assassinato do premiê israelense Ytzhak Rabin. A notícia me deixa frio, estupefato. Um sentimento de dor, tristeza e desespero se apodera de mim. Tudo parece um sonho passageiro, talvez um simples pesadelo. Resulta impossível acreditar. O guerreiro que levou Israel à vitória na Guerra dos Seis Dias contra Jordânia, Egito e Síria havia sido atingido covardemente pelo estudante israelense Yigal Amir. Sempre acreditamos que nossos heróis são inatingíveis, invulneráveis. Continuo sentado na poltrona da sala. Um nó se forma na minha garganta e, somente após as primeiras lágrimas, consigo engolir saliva novamente.
Meu primeiro contato com Ytzhak Rabin foi à distância, na escola judaica. Poderia defini-lo como um encontro literário. Eu era uma criança de 10 anos quando ele já era chefe do Estado-Maior de Tzahal, o exército de Israel. Dois ou três anos depois, tive a grande oportunidade de conhecer Rabin pessoalmente, numa visita relâmpago feita à Argentina. Ele visitou a escola J.N. Bialik de La Plata, minha cidade natal. O encontro foi inesquecível, pois na sua presença pairava um ar de respeito e segurança.
O tempo foi passando. Em 1976, com 18 anos, decidi realizar meus estudos em Israel. Como historiador me interessava tudo o que acontecia no país. Na época, Ytzhak Rabin era o primeiro-ministro. Israel crescia em ritmo vertiginoso. Era a única democracia no Oriente Médio. Não obstante, a existência de grupos religiosos radicais prejudicava o progresso do jovem Estado. Certo dia, as manchetes anunciavam a queda do “governo Rabin”. O pretexto: a descoberta de uma conta bancária com US$ 300 que foi usada pelo premiê nas suas tournês, e certamente por mero descuido, não foi fechada. O verdadeiro motivo (logo confirmado pela imprensa): a chegada de aviões americanos num sábado, o dia sagrado de descanso do judeu.
Corria o ano de 1980. Eu estava com 23 anos. Meus estudos em Jerusalém continuavam com sucesso. Havia concluído meu primeiro título, embora para me sustentar tivesse de recorrer a outras fontes de trabalho. Foi assim que recebi um convite para coordenar o Departamento Latino-americano do Movimento Sionista Trabalhista Mundial. Lá conheci vários políticos importantes entre eles Shimon Peres e Ytzhak Rabin. Aquele momento de minha vida foi memorável. Eu conseguia cristalizar um sonho guardado a sete chaves durante mais de uma década.
Em 1985, uma vez acabado meu mestrado, fui convidado pela Agência Judaica a realizar um trabalho comunitário no sul do Brasil. Morava em Porto Alegre quando foi organizado um evento de enorme importância para o Estado de Isael e também para a comunidade judaica do Brasil: repudiar o voto da ONU que condenou, em 1975, o sionismo como forma de racismo. O convidado especial era o general Uzi Narkiss, um brilhante militar que comandou a libertação de Jerusalém em 1967, sob a égide de Ytzhak Rabin. Com Narkiss conversamos durante quatro dias. Certa vez, trocamos idéias sobre o carisma dos políticos israelenses. Durante nosso almoço ele comentava que Ytzhak Rabin reunia as melhores condições de todos, pois conhecia perfeitamente a logística militar como também o mundo das relações diplomáticas.
Em 1987 havia retomado minha vida acadêmica em Jerusalém. Como israelense, logo vivenciei a Intifada – a revolta palestina nos territórios da Judéia, Samária e Faixa de Gaza. Ytzhak Rabin era o ministro da Defesa e com braço forte tratava de conter os diferentes grupos islâmicos que pouco a pouco se infiltravam no pequeno país. Tarefa árdua. Nas suas incursões, esses grupos extremistas (Hamas, Jihad Islâmico, etc) se misturavam com a população civil palestina. Lembro-me perfeitamente de que vidas de jovens soldados israelenses formam perdidas porque a ordem de Rabin era não atingir a população civil palestina, apenas os terroristas árabes infiltrados.
Ytzhak Rabin já estava cansado de guerra, como todo o povo de Israel. As continuas lutas em 1948 (Libertação), 1956 (Sinai), 1967 (Seis Dias), 1973 (Yom Kipur), 1982 (Guerra do Líbano) e 1990 (Guerra do Golfo) o mantinham sempre preocupado. Era necessária uma solução imediata, e foi assim que surgiram as primeiras negociações abertas com os jordanianos e palestinos. As negociações tiveram sucesso total e a diplomacia israelense provava ao mundo que realmente almejava a paz. A Casa Branca aproveitou o momento para sediar as assinaturas dos acordos de paz entre Israel e Jordânia, Israel e a OLP. Rabin sobressaia entre todos, sem minimizar os esforços de Yasser Arafat para acabar com 46 anos de conflitos.
Ytzhak Rabin foi um verdadeiro guerreiro da paz. Ele não foi um mártir. Discordo de Bill Clinton. Mais pragmático que visionário Rabin sempre dizia que Israel precisava correr apenas riscos calculados. Ele prometeu remover as barreiras psicológicas que dividiam palestinos e israelenses. Estava conseguindo seu objetivo. Contudo, Rabin não conseguiu calcular seu próprio risco de vida perante grupos de judeus mais extremistas contrários à paz. Ingenuidade? Duvido. Descuido? Talvez. O incansável “guerreiro da paz” nos deixa.
Fica na memória aquele olhar de um garoto de 10 anos sentado numa sala de aula em 1967. Lamentavelmente, Ytzhak Rabin, meu grande herói, morria nas mãos ensanguentadas de um filho de Israel. Ytzhak, descanse em paz. O caminho da paz que você nos legou está muito bem traçado.