Curiosas e fascinantes são as lendas das milagrosas águas do rio Sambation, todas elas cuidadosamente compiladas nas fontes judaicas, tanto no Midrash como no Targum. No antigo texto do Targum Pseudo-Jonathan (atribuído ao sábio Jonathan ben Uzziel), por exemplo, lemos a seguinte afirmação: “Eu os tirarei dali e os colocarei do outro lado do rio Sambation”.
Qual seria o significado da expressão “os tirarei dali”, mencionado no Targum? Ali haveria uma referencia aos vários exílios que castigaram aos remanescentes de Israel. Já na tradição oral, representada principalmente pelos diferentes tratados do Talmude de Jerusalém, fala-se de três exílios sofridos pelas “Dez Tribos Perdidas”: o primeiro deles caminho ao rio Sambation, o segundo rumo a um território de nome Dafne, e o terceiro seria em direção à Antióquia.
Vários milagres atribuídos às águas do Sambation aparecem mencionados no Talmude. Localizamos um diálogo estabelecido entre o governador romano na Judéia Quintus Tineius Rufus (90-132 d.C) e o tanaíta R. Akiva (50-135 d.C) que ilustra essa questão. O romano pergunta ao sábio judeu como pode ter certeza que o Shabat é realmente o dia sagrado dos judeus. O erudito rabino Akiva, com seu brilhantismo, lhe responde: “Deixe o rio Sambation prová-lo”. Esta é uma resposta desconcertante. Ignoramos o motivo pelo qual o sábio Akiva bem Yosef teria respondido dessa forma. Mas, o Talmude e o célebre historiador romano Caio Plínio Segundo “O Velho” (23-79 d.C) conjuntamente esclarecem: “O rio Sambation atira pedras todos os dias do ano, porém ele descansa no Shabat; ou melhor, [já] na sexta-feira depois do meio-dia fica calmo como prova de que realmente chegou o Shabat”.
Outras fontes judaicas escritas no decorrer da Idade Média nos revelam detalhes sobre os poderes sobrenaturais do Sambation. Nachmânides (Ramban) identifica o Sambation com o rio Gozan, aceitando que o nome possa derivar da frase Shabat-ha-iom, que em hebraico significa “hoje é Sábado”, o dia sagrado de descanso a ser respeitado.
Num texto de peregrinação judaica intitulado Massaot Rabi Petachia (Travels of Rabbi Petachia of Ratisbon who in the latter end of the Twelfth Century visited Poland, Rússia, Little Tartary, the Crimea, Armênia, Assyria, Syria, the Holy Land & Greece. Translated from the Hebrew & Published by Dr. A. Benisch. The Jewish Chronicle, London, 1856); escrito no auge das Cruzadas em pleno século 12, há uma referência aos mágicos efeitos atribuídos ao rio Sambation. Afirma o sábio judeu alemão que no centro talmúdico de Iavne existia uma cachoeira gigantesca cujas águas jorravam seis dias por semana, mas aos sábados paravam de fluir.
Temos ainda importantes fontes cabalísticas que mencionam a história do Sambation. Em 1260 o rabino sefaradita Abraham ben Shmuel Abulafia (1240-1291) viajou à Terra de Israel e lá começou a procurar o rio, tentando localizar as “Dez Tribos Perdidas”.
A forte relação entre o Sambation e as Tribos de Israel foi associada frequentemente à figura controversa do falso messias Shabatai Tzevi. Conta um famoso relato anônimo, que o próprio profeta Nathan Levi de Gaza (1643-1680); o arauto anunciador de Shabatai Tzevi (1625-1676) e o porta-voz da redenção shabataísta; difundiu uma curiosa lenda na qual Shabatai (o Messias de Esmirna), depois de morto, teria ido ao encontro das “Dez Tribos Perdidas” do outro lado do Sambation. Ali, numa vila pacata próxima ao rio, teria casado novamente com a filha de Moisés. Se os discípulos do sábio Nathan fossem merecedores da tão sonhada Gueulá (redenção), Shabatai os aguardaria após sete dias do casamento; no entanto, se esses seguidores não fossem pessoas dignas da Salvação Divina, Shabatai permaneceria indefinidamente além do Sambation, sofrendo ali pelos pecados de Israel.
Como tentamos demonstrar, desde tempos remotos a presença do rio Sambation é parte significativa do imaginário judaico. Atualmente, a lenda milenar ganhou força e vigor, constituindo-se em parte inseparável da tradição historiográfica judaica.