“Morrer, mas não transgredir” é a expressão que melhor descreve a postura dos judeus na época das Cruzadas. Martírio e Kidush Hashem (Santificação em Nome de D’us) eram valores essenciais para proteger os preceitos do Judaísmo. Na chegada dos cruzados toda uma geração foi testada, demonstrando atos de heroísmo pouco comuns.
Edição 91 – Abril de 2016
HISTORIOGRAFIA DAS CRUZADAS
As Cruzadas são um dos temas mais instigantes da história. Pesquisadores dos séculos 19 e 20 entendem as Cruzadas como uma campanha medieval para libertar o Santo Sepulcro, local em Jerusalém onde se acreditava que Jesus fora sepultado, mas também as estudaram tomando em consideração os interesses comerciais das cidades italianas, a força política do Papado diante das monarquias europeias e a busca pela reunificação da Igreja Católica com a Igreja do Oriente nascida em Bizâncio.
Historiadores positivistas explicaram as Cruzadas sob uma ótica socioeconômica e política, mantendo como eixo fundamental o choque entre duas religiões opostas, a luta entre a cruz e o crescente. Assim, as Cruzadas devem ser vistas como uma disputa pelo domínio geográfico entre crenças que ofereciam a palavra dos Evangelhos ou a do Alcorão.
Com o advento do marxismo, as Cruzadas ganharam um olhar sustentado em respostas meramente econômicas. Alguns historiadores do século 20 enquadraram-nas dentro de um campo histórico amplo e universal. Porém, nenhuma das linhas historiográficas outorgou importância aos judeus da Europa. A temática “judaica” lhes era totalmente esquecida: os positivistas não julgavam ser esse um assunto suficientemente relevante para ser pesquisado, enquanto para os marxistas era um tema insignificante, sem maior interesse no contexto da luta de classes.
Foi na visão globalizada dos professores Steven Runciman, e Joshua Prawer que encontramos uma análise detalhada sobre o papel dos judeus no decorrer das Cruzadas. Estes dois acadêmicos observam uma mudança ideológica radical na Europa do século 11. Para eles, a Primeira Cruzada transformaria o Cristianismo numa “religião combativa”, apropriando-se da ideia de “guerra santa” – um conceito que nascia na contramão dos princípios morais da Igreja. O Cristianismo criou um movimento religioso legitimando a ideia de peregrinação a Jerusalém desde o Velho Continente.
JUDEUS NA EUROPA
Nas peregrinações à Terra Santa participaram vários grupos sociais: condes, nobres, clérigos, camponeses e servos, todos buscando uma absolvição de seus pecados. Nos anos 1064-1065, sob a liderança do Arcebispo Sigfred de Mogúncia e do abade Ingulf de Croyland, 7 mil peregrinos se dirigiram a Jerusalém, falecendo a maioria no caminho.
Este processo de peregrinação se inicia no “Concílio de Clermont”, em 1095, estabelecendo-se na Europa ordens militares como os Templários, que ocasionaram transformações na vida cotidiana e no destino dos judeus, e criaram um abismo entre a civilização ocidental e o Judaísmo. Cresce, assim, uma sistematização das hostilidades contra os judeus. Como a Igreja os declara “inimigos da fé”, as camadas populares iniciam uma onda de violência contra os Filhos de Israel. Afinal, a maioria deles vivia nas cidades e tinha uma formação superior àquela encontrada na população local.
Vários pyutim (hinos hebraicos em verso) descrevem as dificuldades sofridas pelos judeus por rejeitar o Cristianismo como a “fé verdadeira”. Desde a destruição do Segundo Templo e o exílio de Roma em 70 E.C., várias comunidades judaicas se espalharam pela Europa.
Seus membros jamais esqueceram Jerusalém, como bem o denota a contínua entoação da prece “O ano próximo, em Jerusalém”, e a reafirmação de seu compromisso com a Terra de Israel.
VÉSPERAS DA PRIMEIRA CRUZADA
Na época medieval, desfrutavam de tranquilidade e prosperidade na Europa cristã os judeus que habitavam em territórios do Império Carolíngio, assim como os que, na Península Ibérica, viviam sob domínio muçulmano. Porém, a luta entre o poder papal e o crescente poder político dos monarcas, criou-lhes uma nova situação.
Em meados do século 11, era instável a situação dos judeus da Europa central. Na França e na Alemanha, dependiam da proteção dos reis, com os quais mantinham relações “aceitáveis” já que os reis careciam de seus talentos e suas riquezas. Os judeus concediam empréstimos aos governantes, que, entre outros, os incumbiam de coletar impostos para o Tesouro Real, atividade que os tornaria cada vez mais impopulares entre os camponeses e a pequena nobreza que os culpava pelas penúrias pessoais e a impossibilidade de progredir na vida. Ao se iniciarem as Cruzadas, muitos cristãos mantinham dívidas com judeus. A peregrinação à Terra Santa era não só uma forma de receber perdão da Igreja e do Céu pelos pecados, mas também um meio de libertar-se das obrigações econômicas.
Alguns anos antes das Cruzadas, aconteciam perseguições esporádicas. Um cronista judeu anônimo relata o massacre de Otranto, uma vila ao sul da Itália, em 930: “Judeus foram perseguidos… ao Rabino Yeshaya lhe atravessaram o pescoço com uma faca e o mataram como a um cordeiro no pátio da sinagoga; e o Rabino Menachem caiu dentro de um poço, e a nosso mestre o estrangularam”. Em 1007 aconteceriam massacres na França e a expulsão e conversões dos judeus de Mogúncia (Mainz), na Alemanha.
Entre os séculos 8 a 11, os judeus da Espanha viviam em paz e integrados ao Estado islâmico, sendo considerados pelos cristãos como “colaboradores” dos muçulmanos. Em 1064, na conquista de Barbastro, motivado pelos maus tratos a judeus, o Papa Alexandre II escreveu aos bispos hispânicos, lembrando-os da diferença entre muçulmanos e judeus: “Os primeiros são inimigos irreconciliáveis dos cristãos, enquanto os últimos são meros colaboradores”.
Antes da Primeira Cruzada, os reis e as autoridades eclesiásticas reconheciam o valor dos judeus oferecendo-lhes proteção e direitos. Em 1084, o Bispo de Espira lhes outorgou uma carta de privilégios, reconhecendo-os como agentes colonizadores da cidade. Em 1090, o rei Henrique IV renovou-lhes os privilégios, outorgando um direito similar aos judeus de Worms. Esses documentos lhes permitiam exercer livremente o comércio, garantindo também suas liberdades religiosas.
No final do século 11, chegaram notícias do Oriente relatando as penúrias experimentadas pelos peregrinos que viajavam à Terra Santa. Além disso, os muçulmanos haviam profanado o Santo Sepulcro em Jerusalém e demais Lugares Santos cristãos na Terra Santa, fato que enfureceu as autoridades eclesiásticas. A resposta foi o discurso do Papa Urbano II, em Clermont Ferrant, em 26 de novembro de 1095. A chamada do Papa para as Cruzadas agitou o povo.
PRIMEIRA CRUZADA
A Primeira Cruzada foi proclamada em 1095, pelo Papa Urbano II, com o objetivo duplo de auxiliar os cristãos bizantinos e libertar Jerusalém e a Terra Santa do jugo muçulmano. Na verdade, a Primeira Cruzada não foi um único movimento, mas um conjunto de ações bélicas de inspiração religiosa, que incluiu a Cruzada Popular, a Cruzada dos Nobres e a Cruzada de 1101.
A conclamação era para libertar Jerusalém dos infiéis, mas a Primeira Cruzada deu vazão a uma longa tradição de violência organizada contra os judeus. Primeiro na França e, depois, na Renânia, alguns líderes de grupos populares interpretaram que a guerra contra os infiéis podia ser aplicável não só aos muçulmanos, no Levante, mas também contra os judeus, que viviam na maioria das comunidades europeias. Muitos cristãos não viam motivo para viajar milhares de quilômetros para lutar contra os inimigos do Cristianismo, quando estes estavam, também, à porta de suas casas.
O cronista Samuel ben Yehudá descreveu o sentimento judaico por volta de 1096: “… Caiu sobre nós uma densa escuridão”. Outro cronista do século 12 assim se expressou: “As lagostas não têm rei, mas andam todas em bandos”, fazendo clara alusão à postura devastadora dos cruzados. Uma cruzada não era apenas a retomada dos Lugares Santos cristãos tomados pelos árabes; era também a vingança pelo suposto crime de “deicídio” cometidos pelos judeus.
Em 1096, os cruzados, liderados por Godofredo de Bouillon e Robert de Normandia, iniciam sua própria guerra contra os infiéis, saqueando e assassinando, sem trégua, todos os judeus à sua frente. Na crônica de Samuel ben Yehudá ficou registrada a vinda dos cruzados: “Quando passam por povoados onde há judeus, dizem que viajam a terras distantes à procura de vingança dos ismaelitas; porém aqui vivem também judeus cujos antepassados mataram e crucificaram sem motivo. Portanto, devemos destruí-los como povo para que o nome de Israel não seja lembrado..”. O conceito de “deicídio” surgido no século 4 voltara revigorado.
Mesmo que as atrocidades começassem em Rouen e Normandia, as maiores matanças se propagaram em direção do rio Reno, região superpovoada por comunidades judaicas. No início do verão de 1096, cerca de 10 mil cristãos partiram em cruzada, percorrendo o vale do Reno em direção ao Norte (direção oposta a Jerusalém), iniciando uma série de pogroms. A proteção dada aos judeus por bispos e imperadores não evitou uma catástrofe de dimensões gigantescas.
MASSACRES EM ESPIRA, WORMS E MOGÚNCIA
No Sacro Império Romano-Germânico, em Espira, vivia uma comunidade judaica importante que havia recebido privilégios do imperador. No entanto, em 3 de maio de 1096, os cruzados, junto com os moradores locais, atacaram os judeus. Segundo crônicas judaicas, 11 membros da comunidade que resistiram ao batismo foram mortos, enquanto outros se refugiaram na sinagoga. O bispo da cidade, Johannes, tentou reestabelecer a ordem, punindo os agitadores e oferecendo asilo aos judeus em seu próprio palácio.
As notícias acerca dos sangrentos massacres de Espira chegaram rapidamente a Worms. Boa parte dos judeus da cidade procurou refúgio no palácio do Bispo Adalberto, enquanto outros tentavam confiar nos vizinhos, para que não os entregassem.
Quando os cruzados apareceram corria o boato que os judeus haviam matado um cristão. Em 18 de maio de 1096 a cidade foi palco de grande matança. Famílias judaicas inteiras foram chacinadas nas casas, rolos da Torá foram retirados das sinagogas e destruídos. Os cruzados conseguiram batizar poucos judeus à força. Muitos optaram por tirar suas próprias vidas; mães mataram seus filhos para depois se matarem. Segundo um cronista, “pelas ruas da cidade somente se escutava o Shemá Israel”.
Dois dias mais tarde, chegou a hora dos judeus no Palácio Episcopal. Diante da ameaça dos Cruzados, o Bispo Adalberto tentou convencer os judeus entrincheirados que se deixassem converter. Eles pediram um tempo para pensar. Esgotado o prazo, o bispo abriu as portas e encontrou uma cena dantesca. Não tinha sobrado um único judeu com vida, todos se haviam suicidado. Eis o relato do cronista judeu: “No dia 25 de Iyar, o terror se instalou sobre aqueles judeus que se abrigaram no Palácio Episcopal. Eles se fortaleciam pelo exemplo de seus irmãos, santificando-se em Nome de D’s, observando as palavras do Profeta ‘as mães caem sobre suas filhas e os pais caem sobre seus filhos’. Um matava seu irmão, outro seus pais, esposa e filhos. Todos aceitavam de bom grado o Desígnio Divino, entregando suas almas ao Todo Poderoso, gritando, ‘Ouve Israel, o Eterno é Nosso D’us, o Eterno é Um”.
Segundo a crônica, os cruzados não respeitaram sequer os mortos. Retirando os corpos do palácio, cortaram-nos em pedaços e dispersaram seus restos. Apenas o judeu Simcha Cohen se salvou e foi batizado à força. Imediatamente, tirou uma faca e feriu três carrascos, porém o populacho o chacinou. Naqueles dias de 1096 foram mortos 800 judeus, todos atirados numa vala comum.
Depois de Worms era a vez de Mogúncia. Liderados pelo Conde Emich de Leisingen, vários grupos de marginais e cruzados fanáticos entraram na cidade. Os membros da comunidade judaica pediram ajuda ao Arcebispo Rutardo, obtendo permissão para se refugiar até o perigo passar. Segundo o cronista, mil judeus se aglomeraram no pátio episcopal após entregarem ao bispo todos os seus objetos de valor. No entanto, ao adentrar Emich com seus soldados no palácio, o bispo sumiu subitamente e a guarda episcopal os deixou sem proteção. O cronista cristão Alberto de Aix testemunhou esses momentos: “Emich e sua turba, armados com picaretas e lanças, atacaram os judeus (…). Depois de quebrar fechaduras e destruir portões, alcançaram-nos, matando 700 deles. Em vão tentaram defender-se; as mulheres foram assassinadas e os jovens, sem distinção de sexo, foram mortos a facadas. Os judeus se armaram contra si mesmos: correligionários, esposas, filhos, mães e irmãs, tiraram suas vidas mutuamente. Horror é ter que contar isto… Somente um pequeno número escapou com vida desse cruel massacre. Alguns receberam o batismo mais por temor à morte que por amor à fé cristã”.
A chacina de Mogúncia foi presenciada pelo cronista Shelomo bar Shimon, um dos poucos sobreviventes. Seu relato é comovedor: “Quando os filhos da Aliança Sagrada, liderados pelo Rabino Kalonymos ben Meschulam, presenciaram a chegada dos cruzados, começaram a se preparar para o combate. Mas, pelas desgraças [ocorridas] haviam jejuado debilitando-se muito, sem poder resistir ao inimigo. Durante a Lua Nova do mês de Sivan, chegou o conde Emich com seu exército, assassinando anciãos e moças, sem ter compaixão pelo sofrimento nem pela dor, nem pela fraqueza nem pela doença… Quando viram que seu destino estava selado, incentivaram-se uns a outros dizendo: ‘Soframos com paciência e heroísmo tudo aquilo que nossa sagrada religião nos ordena…’. De imediato os inimigos nos matarão, porém nada interessa mais que nossas almas adentrando puras na Luz Eterna… Formando um coral exclamaram: ‘Bem-aventurados aqueles que sofrem em nome de um D’us único’ ”.
Um parágrafo mais adiante, o cronista Shelomó bar Shimshon relata os últimos momentos dos judeus no pátio episcopal: “Homens piedosos [tzadikim] sentados no meio do pátio, junto ao Rabino Itzhak ben Moshé, rezavam embrulhados em seus xales de oração [talitot]… O Rabino foi o primeiro a entregar seu pescoço para logo ser decapitado, caindo sua cabeça no chão. Enquanto isso, os demais judeus continuavam sentados no mesmo pátio dispostos a atender a vontade do Criador. Os inimigos lhes atacaram com pedras e flechas, mas eles não se mexeram de seus lugares, morrendo todos. Aqueles que estavam nos aposentos do palácio, decidiram matar-se com suas próprias mãos…”.
Os judeus feridos imploravam por água, mas ao saber que essa seria a água para batizá-los se negavam a recebê-la. O cronista Shelomó bar Shimshon descreve a coragem de um judeu que matou três soldados com sua faca. Imediatamente, foi morto. Destaque para um grupo de judias refugiadas no palácio episcopal de Mogúncia. Elas “espalharam dinheiro entre os cruzados, para ganhar tempo e cometer o suicídio coletivo, al Kidush Hashem”. As mulheres atiravam pedras aos soldados, mas também eram feridas no rosto com pedras lançadas com estilingues.
Emich matou e queimou o bairro judeu. Nesses fatídicos dias retiraram do palácio episcopal 1.300 cadáveres. Aproximadamente 60 judeus, que fugiram e se esconderam na catedral, foram rapidamente localizados e mortos. Dois judeus que haviam aceitado o batismo para salvar suas mães foram presos: Itzhak ben David e Uri ben Yosef. Ambos buscaram refúgio na sinagoga, mas acabaram morrendo nas chamas. O Rabino Kalonymos com 50 judeus fugiram rumo a Rudesheim, pedindo socorro ao Arcebispo da vila. Em vão o clérigo tentou convencê-los a se converter. Rabino Kalonymos quis agredir um nobre, mas rapidamente foi impedido e executado.
O massacre de Mogúncia fortaleceu espiritualmente os judeus. Para o cronista Shelomó bar Shimshon, mesmo sendo desigual, a chacina consolidou o Kidush Hashem. Sentindo na própria carne o massacre. Shimshon atribuiu a derrota “ao cansaço físico resultado de rezas e jejuns”. Para ele, o judeu, “pisoteado como lixo de rua, se equipara em sua valentia ao intrépido cavaleiro cruzado”.
Os judeus se defendiam como podiam, porém era impossível vencer um exército treinado. Quando Emich invadiu Colônia em 1º de junho de 1096, os judeus já estavam dispersos em localidades vizinhas. Houve judeus hospedados em casas de vizinhos cristãos. Ao encontrarem as casas judaicas vazias, os cruzados arrasaram tudo, queimando a sinagoga e a Torá.
Apenas em Treveris e Ratisbona (hoje Regensburg), na Baviera, os cruzados conseguiram batizar pela força a comunidade. Como de costume, a maioria buscou proteção no palácio do Arcebispo Eguilberto, mas os cruzados os achavam e assassinavam. Outros se jogavam no rio Mosel, situado ao nordeste da França. O cronista escreveu: “Algumas mulheres encheram suas mangas e sutiãs com pedras e se jogaram ao rio desde uma ponte”.
O Arcebispo de Treveris e Ratisbona exigiu também o batismo. Um rabino de nome Micha solicitou que ele lhe ensinasse os princípios da religião católica, mas logo desistiu e abandonou o Cristianismo. Metz, onde morreram 22 judeus, teve batismos coletivos forçados. Famílias inteiras de judeus de Ratisbona foram lançadas brutalmente nas águas do Danúbio para serem batizadas. Durante três meses o terror se instalou nas comunidades do Reno. Um belo poema judaico medieval lamenta as valiosas perdas: “No terceiro dia do terceiro mês as lamentações não paravam… Cobrirei com torrentes de lágrimas os cadáveres de Espira e me lamentarei amargamente pelos da comunidade de Worms, e meus gritos de dor ecoarão pelas vítimas de Mogúncia”. Entre maio e julho de 1096, nas províncias do Reno foram mortos 12 mil judeus.
RUMO A TERRA SANTA
Nenhum dos grupos de cruzados que participaram da Cruzada Popular, parte do movimento chamado de Primeira Cruzada, chegou à Terra Santa. Pelas estradas, eram contidos por outros grupos cristãos que tinham suas terras devastadas. O cronista Albert de Aquisgran comenta: “Depois das crueldades cometidas, carregando as riquezas roubadas aos judeus, aquela gentalha insuportável composta por homens e mulheres, continuou sua viagem rumo a Jerusalém, passando pela Hungria”. Lá o rei húngaro Koloman os aniquilou. Para o cronista “tudo era obra de D’us contra peregrinos depravados que haviam pecado ao matar judeus”.
O conde Emich e seu exército jamais chegaram a Jerusalém. Ele morreu ao regressar à sua pátria. O dia de sua morte em 1117, estrelas com formato de gotas de sangue teriam caído do céu.
O Imperador e o Papa se posicionaram contrariamente diante dos excessos dos cruzados. Henrique IV emitiu uma autorização para que as pessoas batizadas à força pudessem voltar ao Judaísmo. Já o Papa Clemente III replicou: “Ouvimos que judeus batizados estão desertando da Igreja, e tal coisa é pecaminosa; portanto nós exigimos de ti (Henrique IV) e de todos nossos irmãos que a santidade da Igreja não seja profanada pelos judeus”.
Em 1103 houve uma trégua entre o poder político e religioso. Os judeus poderiam voltar ao Judaísmo mediante pagamento em favor da Igreja, e os bens das vítimas sem herdeiros seriam confiscados em benefício do Tesouro real. Todos saíram satisfeitos, inclusive os judeus que conseguiram reconstruir sua sinagoga em Mogúncia, apenas oito anos depois da Primeira Cruzada.
PALAVRAS FINAIS
Os violentos ataques ocasionados pelos cruzados entre 1096-1099 poderiam ter sido apenas um episódio isolado na História Medieval, no entanto essas ações em busca de um “perdão religioso” mudaram radicalmente a mentalidade europeia. A procura de novos horizontes levou ao enriquecimento ilícito e a uma religiosidade extrema.
As Cruzadas prejudicaram o desenvolvimento do Judaísmo das comunidades da Alemanha. Elas criaram um distanciamento cada vez maior entre cristãos e judeus, um espaço que foi aumentando com o tempo, atingindo seu ponto mais alto em 1215. Nesse ano, o Concílio Latrão IV, liderado pelo Papa Inocêncio III, ordena aos monarcas da Europa aceitar uma legislação que obriga todos os judeus a habitar em bairros separados e portar em suas vestes o distintivo amarelo, sinal de humilhação e discriminação. Dessa forma, ficava aberto o caminho para outras Cruzadas. Tudo era apenas uma questão de tempo.
BIBLIOGRAFIA:
Falbel, Nachman, Kidush Hashem: Crônicas hebraicas sobre as Cruzadas. Edusp, São Paulo 2001, 375 págs.
Prawer, Joshua, The History of the Jews in the Latin Kingdom of Jerusalem. Clarendon Press 1988, 310 págs.
Runciman, Steven, História das Cruzadas. Editora Imago. Rio de Janeiro 2002, 340 págs.
Suarez Bilbao, F., Los judíos y las Cruzadas. Las consecuencias y su situación jurídica, em: MEDIEVALISMO, año 6, págs. 41-75 e 121-146.