Muito se escreveu sobre a fatídica “Kristallnacht”, o maior pogrom da Alemanha nazista. Na noite de 9 e 10 de novembro de 1938, (sob o pretexto do assassinato do diplomata alemão Vön Rath em Paris), a violência se instalou contra os judeus. As forças das Schutzstaffel (SS) colocaram grupos nas ruas para incendiar e destruir todas as sinagogas do país. Enquanto isso, membros do partido nazista destruíram e pilhavam casas e lojas de judeus.
Depoimentos de testemunhas dão uma exata dimensão do pesadelo nazista. “Nas primeiras horas do dia, ouvi um barulho ensurdecedor, como se fosse uma onda se aproximando. Desci as escadas e vi uma multidão. Alguns judeus se aproximaram de mim e disseram: Corra, esconda-se, pois eles estão matando judeus, invadindo, depredando e queimando casas”, lembra Shimon Banai, que morava em Berlim. Ao falar sobre aquele dia, relembra que foram feitas grandes fogueiras nas ruas: “Invadiram a sinagoga, retiraram os livros sagrados, os rolos da Torá e os jogaram na fogueira, dançando ao redor delas… Desci as escadas, tentando ver melhor o que acontecia… Tudo estava destruído… Vi várias pessoas que haviam sido surradas sangrando pelas ruas, vi outras cercadas por gangues e apanhando incessantemente, além de corpos estendidos no chão. Móveis foram atirados pelas janelas, travesseiros destruídos e suas penas espalhadas ou jogadas diretamente nas chamas. Todas as lojas de judeus tiveram suas vitrines quebradas e os cacos de vidros inundavam o chão” (Morasha, dezembro 2003).
Estas cenas aconteciam na maioria das cidades alemãs e austríacas. Os distúrbios só foram controlados poucas horas depois por interferência de Heinrich Himmler, que, preocupado com a repercussão internacional dos fatos; determinou que as forças policiais do Reich impedissem a expansão da violência e prendessem 20.000 judeus enviando-os para campos de trabalho e concentração.
Poucos sabem que na “Kristallnacht” a Alemanha responsabilizou os judeus pelos distúrbios e pela destruição. Com a assinatura do “Marechalführer” Hermann Göring, em decreto de 18 de outubro de 1938, lhe era imposta à população judaica de nacionalidade alemã a entrega de uma “contribuição” de 1 bilhão de marcos (400 milhões de dólares) por ter provocado esses distúrbios. Esta multa, mais conhecida como a “Multa de Göring” (Jornal Oficial do Reich, vol. I, pág. 887) ordenava ainda o confisco compulsório de 20% das propriedades dos judeus da Alemanha. Além disso, qualquer pedido de indenização por parte de judeus nas cortes de justiça foi anulado por decreto oficial. Foram também impetradas as causas e acusações de terem sido assassinados judeus.
Hermann Göring foi um dos carrascos do Terceiro Reich que mais se envolveu com judeus. Durante a República do Weimar o judeu Julius Fromm abasteceu a Alemanha de produtos de látex, dentre eles os preservativos. De olho na lucratividade, Göring expropriou a empresa de Fromm entregando-a a sua madrinha. A fortuna do judeu passou a engrossar o erário público.
Como aconteceu semelhante história? Hermann Göring, o homem forte de Hitler, responsável pelas arianizações; estava de olho na fábrica Fromms Act. Era o momento exato de encontrar um comprador para esta rentável empresa. Bancos e procuradores acharam um comprador, Herr Walter Koch era alemão, vivia em Londres e estava disposto a comprar sua empresa.
Repentinamente, o Estado alemão intercedeu cancelando o negócio. Em seis meses o preço de venda foi reduzido, e o Ministério da Economia do Reich apresentou uma nova compradora, com o consentimento do chefe da Polícia. Em 21/07/38, foi assinado o contrato da compra e venda, constando ainda que a partir desta data, o estabelecimento ficaria arianizado. Assim, Julius Fromm, perdeu seu principal patrimônio e partiu rumo a Londres.
A compradora da Fromms Act era a madrinha de Hermann Göring, a baronesa Elizabeth von Epenstein-Mauternburg e seu parceiro, o austríaco Otto-Metz-Randa. Göring entregaria a fábrica à madrinha sabendo que receberia deles algo em troca. A operação comercial da Fromms Act tinha um objetivo oculto: o poderoso nazista receberia de presente dois amplos e confortáveis castelos medievais.
O empresário Julius Fromm e sua família sobreviveram ao Holocausto. Encerrada a Segunda Guerra, o regime comunista confiscaria novamente sua fábrica. Porém, era tarde demais para dar continuidade a seu trabalho e Julius faleceria em 1945.
Bibliografia
Aly, Götz & Sontheimer, Michael, Fromms: Uma história emblemática. 1a edição. Tradução de Julia Giser. Editorial Capital Intelectual. Buenos Aires 2012.
Bankier, David, German Society and National Socialist Antisemitism, 1933-1938. The Hebrew University. Jerusalém 1983 (PHd Dissertation).
Barkai, Avraham, From Boycott to Annihilation: The Economic Struggle of German Jews, 1933-1943. The Tauber Institute for the Study of European Jewry, Series 11. Hanover. Published for Brandeis University Press by University Press of New England, 1989.
Kristallnacht, novembro de 1938: inicia-se o pesadelo. Morasha 43, dezembro 2003. http://www.morasha.com.br/holocausto/kristallnacht-novembro-de-1938-inicia-se-o-pesadelo.html#q=Kristallnacht