Há 70 anos, o povo judeu atravessava momentos difíceis, cogitando-se a hipótese de que o fim se aproximava. Hitler anexara a Áustria, comunidades inteiras haviam sido destruídas na Kristallnacht, a Conferência de Evian persistia na negativa em receber refugiados judeus e, na então palestina sob domínio britânico, a situação gerada após a revolta árabe era, para muitos, desesperadora.
Edição 65 – Setembro de 2009
A Declaração Balfour
Em 1914, a Grã-Bretanha havia feito duas promessas em relação ao Oriente Médio. Primeiramente, prometeu ao governo hachemita de Hiyaz (através de Lawrence da Arábia e da correspondência entre Hussein e Mac Mahon) a independência de um país árabe unificado que incluiria a Síria, em troca de apoio britânico contra o Império Turco-otomano. Os turcos haviam declarado uma Jihad (guerra santa) e, portanto, uma aliança entre países muçulmanos sufocaria um eventual levantamento geral de árabes contra ingleses nos territórios da África, Índia e Oriente Médio. Para isso, em 1916, a Inglaterra negociou o Acordo Sykes-Picot, pelo qual a região do Oriente Médio seria repartida entre britânicos e franceses. Em segundo lugar, os britânicos tinham também interesse no sionismo, pois a influência econômica dos judeus era significativa.
Das duas promessas acima mencionadas, os britânicos deram total apoio aos sionistas, encerrando-se este episódio com a Declaração Balfour, de 2 de novembro de 1917. Neste documento, um dos mais significativos da história do sionismo, o governo de Sua Majestade “vê com simpatias o estabelecimento de um Lar Nacional para os judeus, mas fica registrado que este Lar Nacional (Homeland) não poderá prejudicar os direitos civis e religiosos das populações não-judaicas da Palestina”. A alusão aos árabes era clara e notória.
O governo britânico na Terra Santa é conhecido como Mandato Britânico da Palestina. Tanto a definição territorial como o objetivo de criar um Estado judeu foram aprovados na Conferência de San Remo, em abril de 1920. Assim, o caminho para fundar um Estado dependeria apenas dos esforços sionistas. O Mandato vigorou por 30 anos (1917-1947), e durante esse período os ingleses tiveram que intermediar os constantes atritos entre árabes e judeus. Nesse espaço de tempo, podemos identificar altos e baixos na política britânica: ora apoiavam os sionistas ora os árabes.
A dinâmica das relações entre árabes e judeus pode ser explicada a partir de três fatos que voltaram ciclicamente durante aquelas três décadas. Como resposta à Declaração Balfour, na qual havia um nítido favorecimento à causa sionista, os árabes ocasionavam distúrbios (1920, 1921, 1929). Encerrado o período de distúrbios, os judeus solicitaram o estabelecimento de uma Comissão de Inquérito (1921, 1922, 1930) para punir os transgressores, não sem antes os britânicos responsabilizarem os judeus pela situação, determinando uma política de Livros Brancos (Churchill, em 1922; Passfield, em 1930; e Mac Donald. em 1939), na qual se limitavam levas migratórias (aliot) à então Palestina.
A Revolta Árabe
A revolta árabe na Palestina foi idealizada pelo Mufti de Jerusalém, Hadj Amin Al-Husseni (1893-1973), com a ajuda de Hitler. O objetivo árabe era paralisar por completo o “ishuv” através de uma greve, para depois, gradualmente, perpetrar ataques às colônias e cidades judaicas. O desgaste dos britânicos para conter os distúrbios ocasionados pelos árabes em Safed, Yaffo, Rishon LeTzion, Petach Tikva, Jerusalém e Hebron foi enorme. Porém, a situação resultou em perdas humanas, tanto árabes quanto judias. Naquele momento, a autodefesa judaica (representada pela Haganá e Palmach) se fortaleceu, principalmente como conseqüência do insucesso dos ingleses.
Sem entrar no desenrolar da Revolta Árabe, podemos afirmar que os atos de violência entre árabes e judeus acontecidos entre 1936 e 1939 colocaram em evidência diferentes comportamentos das partes envolvidas na luta pela então Palestina. Para os árabes, ficou claro que a rebelião armada logo se tornaria uma tática de desespero, sentindo-se graves consequências sócio-econômicas, uma vez que a interrupção do trabalho ia prejudicando consideravelmente uma população que sobrevivia no seu dia-a-dia de serviços gerais e do trabalho braçal. Para os sionistas, a greve dos trabalhadores árabes acabou sendo um forte fator que motivou o ishuv (comunidade judaica) a substituir a mão-de-obra árabe por mão-de-obra judaica, denominada “avodá ivrit”. A construção do Lar Nacional prometido na Declaração Balfour se converteria numa empreitada totalmente judaica. Para os britânicos, arbitrar entre árabes e judeus mostrou ser uma tarefa praticamente impossível, pois uma arbitragem desse tipo não estava isenta da adoção de uma postura parcial, ora para favorecer um lado ora para o outro. Foi nesse preciso momento que a Grã-Bretanha entendeu que seus dias na região estavam contados.
O Relatório Woodhead
Em reação à crescente violência árabe na então Palestina, principalmente entre 1937-1938, Londres anunciou a iminente visita de uma nova comissão (já tinha sido enviada a Comissão Peel), para determinar os métodos que levariam à recomendação de limites para os supostos estados árabe e judaico. O presidente da Comissão era Sir John Woodhead, funcionário civil que servira na administração anglo-indiana. Dois de seus três colegas haviam sido membros da diplomacia britânica na Índia. Devido às duras condições, os quatro chegaram à Terra Santa em fins de abril de 1938.
Muitos dos funcionários ingleses adotaram uma posição pró-árabe sendo hostis ao sionismo e às dificuldades que este movimento criava. Costumavam comentar que na região do Iraque a administração ficara bem mais fácil. Por essa razão, mantinham uma atitude distante em relação aos judeus, por vezes antagônica. Um jornalista londrino que vivia em Jerusalém, D. S. Elston, registrou: “Tínhamos pouco a ver com os judeus… O inglês que administrava o Mandato na Palestina raramente ia ao bairro judeu de Jerusalém, e, a menos que fosse um policial, praticamente nunca era visto em Tel Aviv ou qualquer das pequenas cidades. Quanto às colônias coletivas, não eram lugar para ele… Praticamente não havia qualquer entrelaçamento da vida social britânica e judaica em parte alguma”.
O historiador árabe, Albert Hourani, admitiu que “a maioria dos funcionários britânicos no Oriente Médio se opunham à política sionista”, mas ele atribuía esse fenômeno menos a um pró-arabismo romântico do que a um senso inglês de justiça.
As audiências da Comissão Woodhead estavam ocorrendo numa hora negra da história judaica. Os nazistas haviam levado judeus alemães, austríacos e checos à mendicância e já começavam as prisões e deportações aos campos de trabalho forçado e de concentração. O antissemitismo, cada vez mais virulento, instalado então na Polônia, Romênia e Hungria, tornara a vida judaica quase intolerável. Portanto, a questão da livre emigração à então Palestina era vista como uma questão de vida ou morte. A urgência foi ainda mais acentuada pela Conferência de Evian, em julho de 1938, na França, com representantes de 32 países. A iniciativa do presidente americano, Franklin D. Roosevelt, foi um fracasso. Nenhum dos governos estava disposto a modificar suas cotas migratórias em benefício dos refugiados judeus.
Enquanto o mundo silenciava e o sofrimento crescia, de maio a julho de 1938, a violência aumentava na então Palestina. Com reforços substanciais, o exército britânico restaurava a ordem nas maiores cidades. Durante os conflitos, vários protestos dos governos árabes eram enviados a Londres. Os sionistas, por sua parte, percebiam que a postura britânica oscilava e que o gabinete estava indeciso. O governo de Chamberlain apaziguava Hitler e Mussolini, prejudicando outras nações menores. Chaim Weizmann já previa algo similar para o “ishuv”.
Na primavera de 1938, tanto o alto-comissário, Sir Arthur Wauchope, que adotava uma política de conciliação, quanto o secretário das colônias britânicas, Ormsby-Gores, que se identificava com o projeto da Partilha, foram substituídos por Sir Harold Mac Michael e Malcolm Mac Donald, respectivamente. Mac Donald não deixou dúvidas quanto à imperiosa necessidade de colocar restrições ainda maiores à imigração judaica.
Em 9 de novembro de 1938, o relatório da Comissão de Partilha da Palestina – Relatório Woodhead – foi submetido ao Parlamento. Era um documento de 310 páginas elaborado com a ajuda de mapas, contendo sugestões alternativas de partilha. Declarava, pois, que o plano da Comissão Peel era inviável e sustentava essa afirmação na grande minoria árabe que permaneceria dentro do projetado estado judaico e na pouca terra ali disponível para a acomodação de milhares de novos imigrantes judeus. Qual seria então a solução? O Relatório Woodhead preconizava um formato segundo o qual um estado árabe e um estado judaico (drasticamente diminuído) estariam ligados por uma união econômica imposta, ficando ambas as nações privadas de soberania política. Encerrava-se o documento da seguinte forma: “Não podemos ignorar a possibilidade de que uma ou mais partes recusem a partilha sob quaisquer condições”.
Os sionistas ficaram furiosos com o Relatório Woodhead. Observaram que, segundo sua proposta, o Estado Judeu compreenderia menos que um vigésimo da então Palestina Ocidental e menos de um centésimo da área total do mandato britânico. Pior ainda, de acordo com os sionistas, a maioria das colônias e propriedades agrícolas existentes ficavam excluídas dos limites de Woodhead. Enquanto isso, os árabes rejeitavam-no dizendo que o texto admitia uma soberania judaica, ainda que diluída.
Diante das críticas contundentes, é de supor que os britânicos não mais estivessem interessados em qualquer partilha. Desde o início, Londres endossou oficialmente o Relatório Woodhead. Discursando no Parlamento, em 24 de novembro de 1938, Mac Donald prestou tributo às realizações judaicas na então Palestina, comentando que a forte superioridade educacional e tecnológica judaica era precisamente a razão pela qual os sionistas seriam capazes de se acomodar em uma área muito menor.
Dois dias depois, em 26 de novembro de 1938, foi publicado outro Livro Branco, este rejeitado formalmente como impraticável quanto à divisão do território. O documento, ao contrário, observava que “a base mais segura para a paz e a prosperidade na Palestina seria um entendimento entre judeus e árabes”. Neste sentido, o governo britânico anunciava sua intenção de convidar representantes sionistas e árabes para uma nova conferência em Londres. Se as negociações não produzissem um acordo dentro de um prazo limitado, caberia à Grã-Bretanha tomar uma decisão política com ou sem a cooperação árabe ou judaica. Estava aberto o caminho para a próxima etapa.
A “Conferência da Mesa-Redonda”
Algumas semanas antes de ocorrer a “Conferência da Mesa-Redonda”, em Londres, os britânicos já estavam diminuindo drasticamente a imigração e a compra de terras por judeus. Em dezembro de 1938, o Mandato rejeitou o resgate de 10.000 crianças judias da Europa central. Outra concessão à pressão árabe foi aceitar o pedido do Mufti Hadj Amin Al-Husseni de libertar membros do Alto Comitê Árabe para que estes fossem representantes da delegação árabe em Londres. Eles foram liberados e integraram a delegação. Fazendo um paralelo, seria como colocar hoje membros do Hamas e Hezbollah (partidos que não reconhecem o Estado de Israel) para tomar parte das negociações entre a ANP (Autoridade Nacional Palestina) e o governo de Israel.
A delegação judaica, por sua parte, estava liderada por Chaim Weizmann (1874-1952), David Ben Gurion (1886-1973), Itzhak Ben Tzvi (1884-1963) e por dois judeus que não moravam no “ishuv”, o rabino americano Stephen Wise (1874-1949) e lorde Reading, a mais notável figura judaica da Inglaterra, que tinha sido membro do Supremo Tribunal e Vice-Rei das Índias.
A Conferência da Mesa-Redonda iniciou-se em 7 de fevereiro de 1939, no Palácio Saint James, quando os árabes se recusaram a sentar-se na mesma sala com os sionistas. Assim, foram tomadas as providências para que as duas delegações entrassem no recinto por portas diferentes. Desenharam-se, na verdade, duas conferências paralelas. Weizmann reconhecia a preocupação árabe de que a imigração judaica excedesse os limites da capacidade de absorção da Palestina, e tentou desfazer este temor. Implorou aos britânicos para que “não interrompessem a imigração na hora mais negra da história judaica”.
O lado árabe foi apresentado por Jamil Al-Husseni, cuja exposição inflexível pedia um fim para o Mandato e a imigração judaica como compensação para um acordo final que protegesse também os interesses britânicos na região do Oriente Médio.
Num ponto as discussões ameaçaram interromper-se por completo: quando os árabes solicitaram um reexame das promessas inglesas feitas entre 1916-1917 a Hussein.
O Ministério das Colônias concordou com o lado árabe e, em 15 de fevereiro de 1939, foi publicada, pela primeira vez, a correspondência oficial entre Hussein e Mac Mahon. Através da crescente orientação pró-árabe vinda desde Londres, ficava evidente que “as alegações dos árabes de que a Palestina não estava excluída da área originalmente prometida a Hussein”. Ao mesmo tempo em encontro privado com os sionistas, o secretário das colônias Mac Donald afirmou que a sobrevivência britânica no Oriente Médio dependia em grande parte da compreensão do mundo árabe.
Com a guerra iminente em 1939, o governo de Sua Majestade não tinha escolha a não ser assegurar que os governos árabes não fossem tentados a aceitar apoio de potências hostis. Se tivesse que escolher entre o apoio árabe e o judaico, explicou Mac Donald, o apoio judaico não compensava para a Grã-Bretanha.
A primeira etapa das conversações terminou em 13 de fevereiro de 1939, quando Mac Donald perguntou aos judeus se eles realmente achavam que os árabes deviam aceitar a imigração judaica. Weizmann retrucou perspicazmente com as seguintes palavras: “Por acaso os britânicos estão na Palestina com o consentimento dos árabes?”
A segunda etapa da Conferência da Mesa-Redonda iniciou-se em 15 de fevereiro, quando os britânicos pressionaram os judeus a aceitar um teto nas cotas de imigração, por vários anos, e a basear depois a imigração adicional no consentimento árabe. A ideia era, em suma, desacelerar o futuro crescimento do Lar Nacional judaico e limitar o abrigo que o mesmo poderia oferecer aos refugiados da Europa.
Com a rejeição judaica ao plano, Malcolm Mac Donald insinuou que a Grã-Bretanha poderia ser forçada a se retirar da então Palestina e abandonar os judeus, ficando estes reféns dos árabes. Mas, logo depois, disse: “Enquanto os judeus tiverem o governo britânico por trás, nunca terão de ir ao encontro dos desejos dos árabes”. Mac Donald queria jogar nos dois times e ainda ganhar a partida…
Os árabes, sempre inalteráveis, queriam o término do mandato britânico e a concessão da independência à então Palestina sob a forma de um Estado dominado pelos árabes. Já a Grã-Bretanha insistia em outorgar condições especiais de minoria para os judeus, concessões que os árabes não estavam dispostos a fazer.
A etapa final das conversações, entre os dias 1 e 12 de março, consistiu em discussões legalistas com várias alternativas: uma federação de cantões, um sistema bicameral, uma Câmara Baixa escolhida por representação proporcional e uma Câmara Alta baseada na paridade, um sistema unicameral com questões reservadas tanto para árabes como para judeus, e outras variações ainda mais complicadas. Nenhuma destas propostas de convivência nacional foi aceita. Em 11 de março o secretário das colônias fez um último esforço para atrair os judeus. Ele deixou claro que a imigração judaica inquietava sobremaneira os árabes, e daí o clima antissemita que reinava na Inglaterra. Mac Donald declarou também: “Esta (situação) seria a última coisa desejada pelo governo britânico, que gostaria permanecer amigo dos judeus”.
Sem esperança de obter acordo entre as partes, em 15 de março Mac Donald revelou os pontos básicos de uma fórmula de governo para a Terra Santa. Propunha que a imigração judaica fosse limitada a 75.000 pessoas, durante os cinco anos seguintes (1939-1944), e as vendas de terras a judeus também fossem interrompidas. Era óbvio que a posição judaica piorara drasticamente. Dois meses se passaram. Os sionistas tentaram, sem sucesso, evitar o anúncio de um novo Livro Branco.
O Livro Branco de 1939
Chaim Weizmann visitou Chamberlain em Londres, no dia 21 de março de 1939. Ele comenta: “Pedi mais uma vez ao Primeiro Ministro que esperasse e não publicasse o Livro Branco…, acontecerá conosco o que aconteceu com a Áustria e a Checoslováquia. Será esmagado um povo que não é um Estado, mas que está desempenhando um grande papel no mundo e continuará a desempenhar“. O líder sionista também enfatizou que a Grã-Bretanha precisava do apoio americano e destacou o poder da comunidade judaica dos Estados Unidos. Para finalizar seu depoimento, Weizmann retratou a reação do Chamberlain: “O Primeiro Ministro da Inglaterra sentou-se diante de mim como uma estátua de mármore, seus olhos sem expressão fixavam-se sem mim, mas ele não disse uma palavra”. A Grã-Bretanha tomara a decisão de apaziguar os árabes no momento em que a rebelião na região estava arrefecendo.
No início de maio de 1939, Weizmann foi convidado a visitar Mac Donald em sua casa de campo. Acompanhou-o seu secretário político, Yechezchel Sacharoff, que esperou do lado de fora. Duas horas depois, Weizmann saiu pálido e trêmulo. Com frequência ele ouvira dizer que os ingleses eram hipócritas e traiçoeiros, mas em toda sua longa experiência com a Inglaterra nunca acreditara nisso, até então. Sacharoff comenta que Weizmann “falou de modo forte, violento e incontido contra Mac Donald”. Chaim Weizmann, mais controlado, teria exclamado: “Como ele pode fazer isto! Ele que me fez acreditar ser um amigo”. Durante o encontro, Weizmann teria recebido informação antecipada acerca do Livro Branco de 17 de maio de 1939. O Livro Branco enumerava as obrigações do governo do mandato em salvaguardar os direitos religiosos e civis de todos os habitantes da então Palestina, e em incentivar o desenvolvimento de instituições de um governo próprio. O documento admitia também que a criação de um Estado judaico nunca fora impedido pela Declaração Balfour ou pelos termos do Mandato. A rigor, a Grã-Bretanha não tinha condições de manter a então Palestina sob sua tutela, indefinidamente.
Que desejava então a Grã-Bretanha? Sua intenção era organizar um Estado na então Palestina independente dentro de 10 anos (1949), garantindo restaurar a paz e a ordem, assegurar proteção às comunidades árabes e judaicas, resguardar os lugares santos e fortalecer os interesses estratégicos britânicos. Se a postergação do Estado se verificasse necessária depois dos 10 anos, Londres discutiria com cada um dos povos envolvidos.
No entanto, o Livro Branco advertia que a continuação ilimitada da imigração judaica levaria ao domínio britânico pela força, e que isto era contrário ao espírito da Liga das Nações. Portanto, o governo de Sua Majestade decidiu estabelecer uma cota de 10.000 imigrantes judeus por ano, mais uma outra cota adicional de 25.000 refugiados. Depois de cinco anos teriam chegado 75.000 judeus, e nenhuma outra imigração seria permitida sem o consentimento árabe. A venda de terras para judeus seria proibida de imediato.
O conteúdo do Livro Branco impedia o desenvolvimento do Lar Nacional judaico e fechava a então Palestina para todos, com exceção de uma insignificante fração de refugiados do Holocausto. Insatisfeitos ainda com a publicação do Livro Branco, uma minoria de líderes árabes, entre eles Abdullah, admitiram publicamente que as reivindicações feitas pelos judeus eram inaceitáveis.
Em 18 de maio de 1939, no dia seguinte à publicação do Livro Branco, os judeus da então Palestina realizaram manifestações em todo o país, repudiando os termos do texto em sinagogas e encontros públicos. Distúrbios isolados eclodiram e um policial britânico foi morto. Descontente com a publicação, Ben Gurion emitiu uma declaração em nome da Agência Judaica: “É uma política com a qual o povo judeu não concordará… Esse regime (mandato) só poderá ser estabelecido e mantido pela força… Parece muito provável que os judeus tenham de lutar em vez de se submeter ao domínio árabe. E reprimir uma rebelião judaica contra a política britânica será uma tarefa tão desagradável quanto foi a repressão à revolta árabe”.
O teor do comunicado da Agência Judaica foi transmitido ao Alto-Comissário em 31 de maio de 1939. Paralelamente, o Etzel (Irgun Tzvaí Leumi) bombardeava linhas férreas e atacava quartéis generais e prédios governamentais ingleses em Jerusalém e Tel Aviv. O caos se instalava na colônia.
Na própria Grã-Bretanha, o Livro Branco foi alvo de duras críticas. A imprensa foi bem hostil. No Parlamento, em 22 de maio, Leopold Amery criticou o documento advertindo que os judeus da então Palestina não eram a minoria passiva da Europa, mas, ao contrário, uma nação que lutaria respirando liberdade. Um outro político, o coronel Josiah Wedgwood, disse na Câmara dos Comuns: “Se os judeus da Palestina dizem que a lei (Livro Branco) é desumana e que consideram seu dever infringir a lei, espero que unidos o façam”. No entanto, nenhuma crítica foi tão contundente quanto a de Winston Churchill: “Esse compromisso de um lar para refugiados, de um asilo, não foi feito aos judeus da Palestina, mas aos judeus fora da Palestina, a essa vasta e infeliz massa de judeus errantes, perseguidos e dispersos, cujo intenso, permanente e invencível desejo tem sido o de um Lar Nacional… Esta é a promessa que foi feita e esta é a promessa que agora somos solicitados a quebrar…”.
Vários dias depois, o Partido Trabalhista britânico repudiou o Livro Branco, endossando a atitude de seus membros no Parlamento. Dos 413 membros do Parlamento, a votação a favor ou contra o Livro Branco rendeu o seguinte resultado: 268 a favor, 179 contra e o número de abstenções foi de 110, relativamente alto.
A visão antissionista do Mandato, feita sob a liderança de Chamberlain, exigia aprovação não apenas do Parlamento, mas também da Comissão dos Mandatos da Liga das Nações. Este organismo se reuniu em junho de 1939, dedicando três sessões à crise da Palestina. Mac Donald compareceu às sessões para defender o Livro Branco. Argumentou que a atitude de seu governo representava a única esperança de solucionar o conflito árabe-judaico e era, basicamente, uma retomada do Livro Branco de Churchill de 1922, o primeiro dos documentos da Inglaterra a limitar as aspirações sionistas na região. Em suma, para os britânicos, o Lar Nacional judaico já era viável o suficiente para se manter sem mais imigração. Naturalmente, os sionistas não aceitaram essa afirmação.
A Liga das Nações não endossou facilmente as declarações dos britânicos. A defesa da Liga das Nações foi de pouco consolo para os judeus. Divergências entre os próprios judeus transpareceram no 21º Congresso Sionista, reunido em Genebra em 16 de agosto de 1939. Os delegados que pregavam um entendimento com a Grã-Bretanha foram mudando suas ideias. David Ben Gurion liderava um grupo que reivindicava uma política militante de resistência. Para ele: “O Livro Branco criou um vácuo que deve ser preenchido pelos próprios judeus… os judeus deveriam agir como se fossem o Estado da Palestina e assim deveriam continuar a agir até que haja um Estado judaico lá”.
Assim, a tática de resistência tomava forma. A Agência Judaica organizou a imigração clandestina, a Aliá Bet. O fluxo de refugiados ilegais era grande depois da primavera de 1939. As colônias agrícolas continuaram a ser instaladas na calada da noite. Os ingleses ficaram furiosos com estas medidas, e ordenaram rapidamente aos soldados judeus que entregassem suas armas. Os membros da Haganá descobertos em treinamentos eram presos. A contra-reação da Agência foi ordenar um alistamento secreto na Haganá de todos os homens e mulheres entre 18 e 35 anos. Unidades militares especiais estavam sendo orientadas para planejar operações anti-britânicas.
A aquela altura dos acontecimentos, Weizmann, sempre moderado, lembrou a Londres que não seria possível assegurar à Grã-Bretanha o apoio sionista do “ishuv” (contra a Alemanha) e, simultaneamente, solapar a segurança britânica na então Palestina. De certa forma, o documento denominado Livro Branco de Mac Donald era um outro exemplo de apaziguamento político, a ser deplorado e execrado junto com o Acordo de Munique.
A hostilidade árabe em relação aos judeus revelava muito mais do que a insegurança de alguns poucos efêndis ricos ou o reflexo da influência da propaganda nazista. A resistência significava o temor real de ser esmagado pelo crescente número de judeus, pelo dinheiro judeu, pelos cérebros judeus e pela energia judia. Com a ameaça da guerra, parecia legítimo a Chamberlain e Mac Donald que os investimentos e instalações dos britânicos no Oriente Médio desfrutassem de um mínimo de paz e tranquilidade. O mais conhecido historiador pró-sionista, Christopher Sykes, declarou: “Ter iniciado uma briga com os Estados árabes quando a Europa estava-se encaminhando para a guerra, teria sido um ato de loucura sem precedente da Grã-Bretanha”.
Em 1939, fazia mais de duas décadas que a então Palestina estivera a cargo da Inglaterra, e durante todo esse período o mandato fizera o melhor de si para lidar com árabes e judeus. Agora, havia interesses britânicos a serem protegidos e nenhum governo responsável poderia ter ignorado essa obrigação.
Palavras finais
O Livro Branco de Mac Donald conseguiu manter o mundo árabe tranquilo, e este era seu fundamento lógico. Em termos estratégicos, a orientação pró-árabe mantida pela Grã-Bretanha era uma ato atrelado a interesses próprios. Sua fraqueza seria encontrada no futuro, pois ela destruía a cooperação anglo-judaica prometida na Declaração Balfour e minava toda a base moral e legal da criação oficial do mandato da Palestina.
Os judeus, por sua parte, não estavam em condições de obter conforto emocional a partir daquilo que encaravam como um ato de justiça. Tendo em mente os termos da Declaração Balfour, viam o Livro Branco como uma provável sentença de morte para seu povo na Europa e, possivelmente, para suas esperanças na então Palestina.
No final da tarde de 24 de agosto de 1939, Chaim Weizmann despediu-se dos delegados do 21º Congresso Sionista de Genebra. Com a ameaça de um novo conflito europeu, o clima geral da sessão final era de tristeza e consternação. Weizmann disse: “É com pesar que parto… Se nos for poupada a vida e nosso trabalho continuar, quem sabe – talvez uma nova luz brilhe sobre nós, vinda da negra e espessa escuridão… Há algumas coisas que não podem deixar de acontecer, coisas sem as quais o mundo não pode ser imaginado”.
Uma profunda emoção tomou conta do Congresso Sionista. Weizmann abraçou seus colegas. Havia lágrimas em muitos olhos. Poucos delegados sobreviveram à guerra para presenciar, em 5 de Iyar de 5708, o erguimento do Estado de Israel, do qual o próprio Dr. Weizmann seria o primeiro presidente.
Bibliografia
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Sachar, Howard M., História de Israel. (ed,) A. Koogan, vol. 3, cap. IX, págs. Judaica do Brasil e membro do Congresso Mundial de Ciências Judaicas. Rio de Janeiro 1989.