Tel Aviv foi fundada em 1909. Durante o Mandato Britânico da Palestina, a cidade era mais jovem que muitos de seus moradores; a maioria originaria de lugares distantes. Nos primeiros cafés de Tel Aviv os judeus da Europa relembravam histórias e entoavam melodias surgidas em uma Diáspora coberta de neve.
Durante a proclamação da “Declaração Balfour” e o estabelecimento do Mandato Britânico entre 1917 e 1920, os meios de comunicação estavam longe de ser uma realidade. O telefone e o rádio, que já funcionavam na Europa e nos EUA; eram acessórios inimagináveis nos lares dos imigrantes judeus. Naquela época, a única forma de manter-se atualizado daquilo que acontecia no mundo era estar perto de pessoas informadas ou frequentar lugares públicos em que a informação fluía facilmente. Nasciam assim, na Europa central, consagrados cafés, situados em áreas nobres das grandes capitais, Paris, Berlim e Viena.
Os cafés de Tel Aviv imitavam os europeus, surgindo como ambientes alternativos para absorver informação e conhecimento, tanto sobre a realidade do ishuv como também no que tange à conjuntura política mundial. Afinal, a Primeira Guerra (1914-1918) estava acabando e um novo mapa se desenhava no horizonte.
Os temas discutidos nos cafés eram diversos. Ali era possível entender o percurso da guerra e a posição política de cada potência envolvida, especialmente França, Inglaterra e Rússia, três nações interessadas na divisão do espólio que deixaria este conflito no Oriente Médio. Ali fluía informação acerca da chegada de novas levas migratórias de judeus oriundos da Europa Oriental, atividades sionistas realizadas nas colônias agrícolas e pequenas cidades emergentes, vida espiritual na cidade santa de Jerusalém e vida socioeconômica e cultural de Tel Aviv.
O público que diariamente frequentava os cafés de Tel Aviv representava um leque extremamente variado. Sentavam-se nas cadeiras empoeiradas de areia escritores e editores de jornais e revistas, ativistas e funcionários de entidades do ishuv como também pessoas simples, menos preparadas e não diplomadas. Afinal, todos se consideravam aptos para emitir opiniões sobre qualquer assunto.
O consumo de produtos nos cafés de Tel Aviv por parte dos clientes não era grande. Enquanto debatiam temas, os frequentadores pediam algum refresco, água, chá ou café. Nestas lojas bebidas alcoólicas no eram servidas, mudando este hábito com o passar do tempo.
A história dos cafés de Tel Aviv começa com uma xícara de chá quente. Naqueles anos 30 do século passado, os cafés atraíram figuras da boemia. Estabelecimentos eram refúgio de intelectuais. Chaim N. Bialik, por exemplo, costumava chegar cedo pela manhã ao Café Ratzki para discutir uma variedade de assuntos com o poeta Avraham Shlonsky.
O proprietário do Café Ratzki era Tzvi (Grisha) Ratzki, homem boêmio e irreverente. Tzvi era desapegado de bens materiais, e preferia ser seduzido pelo acúmulo de amigos e pela conversação amena. Era ainda um exímio degustador de bebidas alcoólicas e conhecedor da boa música.
Tzvi Ratzki era um sionista que se orgulhava de ter entre seus clientes assíduos as figuras mais destacadas da pequena Tel Aviv, dentre eles Chaim Nachman Bialik e Shaul Tchernichovsky. Ratzki adorava contar histórias e divertir seus clientes com relatos curiosos, alguns verdadeiros e outros imaginários.
Durante as manhãs, o Café Ratzki lotava de escritores. Ali mesmo eles criaram uma revista literária publicando poemas de versos românticos, peças de teatro, contos e novelas escritos, muitas vezes traduzidos ainda em terras distantes. Quem não se sentia à vontade no Café Ratzki podia atravessar ao outro lado da rua Allenby e adentrar no Café Sheleg Halebanon. Ali, o ambiente era completamente diferente, a conversa dos clientes era regada a álcool, embora não pudesse faltar o típico chá. Havia também o Café Ararat que, segundo os escritores, trazia em seu nome as siglas אררט da frase hebraica: “Ani rotzé rak Té” (Eu quero somente chá).
Os cafés de Tel Aviv entravam e saiam de moda com facilidade. Ser “fashion” era sinônimo de receber escritores famosos, afinal as celebridades eram cobiçadas. É sabido que Tzvi Ratzki foi obrigado a fechar seu estabelecimento em 1935, após processar um dos escritores por negar-se a pagar sua dívida com o lugar. Esse caso trouxe consequências a seu dono, pois tanto escritores como clientes acabaram boicotando e afastando-se do lugar.
Os imigrantes judeus da “Quinta Aliá” abandonaram Alemanha após Hitler tomar o poder, trazendo à Palestina britânica técnicas de torrefação do café, ocasionando significativa mudança no estilo de consumir o café. Dentre as famílias alemãs que trabalhavam com a cultura do café é preciso mencionar a família Landwer. Seu proprietário era o judeu berlinense Moshe Landwer que transportou em 1933 sua fábrica de Berlim a Tel Aviv.
Não menos importante foi o Café Atara cujo dono Heinz Greinschpan chegou em 1938 da Alemanha. Antes de receber a autorização de trabalho em Tel Aviv, Heinz abriu sua loja de café em Jerusalém. A comercialização era feita por Herbert Levi, o dono de uma fábrica de torrefação. No Atara, membros do Etzel e Lechi planejaram o atentado em 1946 ao QG britânico instalado no Hotel King David.
O Café Atara funcionava na rua Ben Yehuda e era ponto de encontro de escritores da literatura israelense moderna, como Haim Guri, Shmuel Y. Agnon, Haim Hazaz, Aharon Appelfeld (escreveu dois livros neste café), Uri Tzvi Greenberg e Amós Oz, autor do romance “Meu Michael”. Personalidades do cenário político como Yitzhak Navon, Golda Meir, Pinchas Sapir e Moshe Dayan também gostavam visitar o Atara.
O Café Herling localizado na rua Ben Yehuda era frequentado pela versátil poetisa Lea Goldberg (1911-1970), autora de versos sobre amor e exílio. Em 1954, essa escritora foi convidada a lecionar literatura hebraica na Universidade Hebraica de Jerusalém.
O escritor Alexander Penn (1906-1972) fazia sucesso entre assíduos clientes do Café Kankan. Penn foi também boxeador amador em Tel Aviv, casou-se várias vezes, mantendo inclusive uma relação extramatrimonial com a atriz Hanna Rovina do Teatro Habima, quem lhe outorgou uma filha de nome Ilana.
Em Tel Aviv dos anos 30 funcionavam outros cafés: Café Guinati, Café Pinati, Café Piltz (situado em frente ao mar), o Café San Remo, e o Café Shlosha Kushim na rua Bialik. De todos os estabelecimentos mencionados, a história do Café Piltz é bem curiosa. Fundado em 1938 pelo empreiteiro e construtor Arieh Piltz na “Kikar London” (Praça Londres) à beira-mar, funcionou até 1951 quando foi vendido ao Mapai (Siglas do Partido dos Trabalhadores de Israel), convertendo-se em centro comunitário e cultural dos membros do Partido. Em 1982 foi reaberto como café e salão de festas. Com altos e baixos, o Café Piltz foi comprado novamente em 2009 por Omri Padan, empreendedor e atual dono da franquia Mc Donald em Israel.
Em abril de 1935 inaugurou-se o Café Kassit, um lugar regado a álcool, frequentado por artistas e atores de teatro. O consumo de álcool foi diminuindo no decorrer dos anos que antecederam à Independência de Israel. É sabido que alguns cafés atravessaram dificuldades no início dos anos 50, período de escassez de alimentos em Israel. As famílias usavam vales para comprar mantimentos essenciais, e o café não estava na lista das prioridades. Naquele tempo, as pessoas passaram a sorver bebidas sem cafeína, a base de chicória ou diluídas em chicória aromatizada.
Em 1941 foi inaugurado o Café Tamar na rua Shenkin. A partir de 1956 Sara Stern virou a dona deste lendário café, ponto de encontro de diversos grupos: artistas, escritores, músicos, pessoas da comunicação e políticos.
Em meados dos anos 40, a família Kapulski, que fabricava bolos na Lituânia desde os anos 30; inaugurou vários cafés com doces de fabricação própria. Zelig e Akiva Kapulski abriram a primeira loja na rua Allenby em Tel Aviv. O bolo típico se chamava “sabrina” e caiu no paladar dos israelenses.
A loja Kapulski de Jerusalém foi aberta em Kikar Tzion. Esta sociedade envolvia numerosos membros da família, que por desentendimentos, decidiram separar-se. Desta forma, uma parte dos sócios abriu lojas em Kiriat Amal e Haifa. Miki, filho de um dos donos da Kapulski Haifa, terminou seu serviço militar e decidiu viajar a Amsterdã por dois anos para aprimorar estudos na área da confeitaria. Encerrado o curso, retornou a Haifa para ajudar seu pai. Infelizmente, em 1971 Miki faleceu aos 26 anos num acidente de carro. Enquanto isso, os filhos dos outros membros trabalhavam na exitosa loja de Allenby, em Tel Aviv.
Em 1977 a rede Kapulski contava com 50 lojas franqueadas em todo Israel. O gênio da rede Kapulski foi David. No topo do faturamento, David vendeu a marca por 4.4 milhões de shekalim aos donos da “Vita-Pri-Galil”, e mudou-se definitivamente a Australia. A Kapulski funcionou até 2018; quando suas lojas foram substituídas pelas redes Aroma e Arcafee.
Em 1955 foi inaugurado o famoso Café Mersand, um ponto de encontro da juventude de Tel Aviv. Ele surgiu como loja de café e doces em geral, mas aos poucos incorporou a seu cardápio saborosas saladas e o tradicional shakshuka, molho de tomate com ovos. O café fechou suas portas em 2021 como consequência da Pandemia de Covid 19.
Os anos 60 foram os anos dourados do café expresso. Jovens que se deliciavam com um café amargo, rápido e barato, começaram a valorizar o café de máquina adocicado, demorado e caro, aquele café que reúne gente para conversas. Apenas jovens do movimento trabalhista mantiveram o hábito de tomar o café de “kankan” (chaleira). Em Tel Aviv, a juventude aderia às danças de salão; mas degustava café turco com cardamomo, aquele cujo pó ficava depositado no fundo da xícara.
Os cafés de Tel Aviv ampliaram consideravelmente seus cardápios com a chegada da rede “Café Apropó” em 1979. Nas suas lojas era possível pedir não só croissant, lanches ou um pedaço de bolo; mas refeições de saladas, quiches, massas, ou em certos lugares até comidas asiáticas.
Entre os principais cafés estilo “Apropó” se encontravam o “Café Shari”, o “Café London” e o “Café Alexander”. Nestas lojas, servia-se o café em xicara transparente com alça que permitia visualizar três cores da bebida: a inferior cor marrom clara pelo leite, a intermediaria escura do café e a camada superior cor branca pela espuma. Para quem preferia almoçar, o café chegaria ao final da refeição, seja expresso ou o tradicional latte.
A maior mudança no estilo de tomar café aconteceu em 1992. O casal Revah teve a brilhante ideia de abrir um pequeno bar no centro de Tel Aviv comercializando cafés com “panini”, um sanduiche italiano feito de pão ciabatta ou baguete, servido quente depois de grelhado ou torrado. Acompanhava esse panini um capuchino, macchiato ou um café latte. A população do país viajava até Tel Aviv para degustar a pâtisserie europeia e sorver o verdadeiro café expresso.
Diferente do hábito vigente no Brasil, os israelenses nunca aderiram ao costume de beber café de pé, preferindo sorver goles de café sentados e conversando. Algumas redes estrangeiras tentaram ingressar no promissor mercado, mas sem sucesso. É o caso da rede Sturbacks que abriu uma loja na “Praça Rabin” em 2001, mas não obteve adesão do público, resistente a fazer longas filas para receber um café. As seis lojas chegaram a empregar 120 funcionários, mas fecharam suas portas em 2003.
Nos anos 1994 e 1995 respectivamente, foram inauguradas as lojas das redes Café Aroma e Arcafee. A novidade era servir os cafés com um pequeno chocolate ao leite na taça e a modalidade delivery. No entanto, a qualidade e a praticidade chegou em 2011 quando os empreendedores Avi Katz e Benny Farkas inauguraram a Cofix com combos de café e acompanhamentos (lanche, croissant, donuts, bolo) por um preço fixo. Com preços atrativos, sistema delivery e instalações em shoppings e lojas nas cidades, a Cofix mantém atualmente 145 lojas em Israel e faturamento de milhões de shequels. Seus proprietários abriram 7 lojas na Polônia, 277 na Rússia, 45 em Belarus, 3 em Armenia e 1 loja na Espanha. A franquia continua em expansão.
A mais recente onda de estabelecimentos de café são os modernizados Café Landwer, Café Joe com serviço online e o exitoso Café Greg. Atualmente, turistas e israelenses tem a possibilidade de escolher onde tomar um gostoso café.
Encerramos este tema com a pergunta que não quer calar: Será que Bialik tomaria hoje um café americano com leite de soja ou se persistiria em tomar sua tradicional xícara de chá quente?
Bibliografia
Carmiel, Batya, Batei Hakafeh shel Tel Aviv. Tel Aviv, 2007.
Katz, Shiri, Haiyr Halevana shotá Botz: Mabat al Ha-historia shel Batei Ha-Café be-Tel Aviv. March 1th, 2017. https://timeout.co.il
Pinsker, Shachar, “The Urban Literary Café and the Geography of Hebrew and Yiddish Modernism in Europe,” in The Oxford Handbook of Global Modernisms, ed. Mark Wollaeger. Oxford, 2012, págs. 433–58.
Pinsker, Shachar, A Modern (Jewish) Woman in a Café: Leah Goldberg and the Poetic Space of the Coffeehouse. Jewish Social Studies: History, Culture, Society n.s. 21, no. 1 (Fall 2015): 1–48.