Os judeus na Colômbia durante a 2ª Guerra Mundial

Acompanhando uma linha antissemita adotada pela maioria dos países latino-americanos, a Colômbia consolidou uma política migratória restritiva para os judeus. Aqueles que ali estavam antes de eclodir a 2ª Guerra e aqueles que conseguiram escapar milagrosamente das garras do Nazismo, criaram instituições que ainda hoje existem no país.

Edição 92 – Julho de 2016


A presença judaica na Colômbia nos remete aos dias da independência da nação, entre 1810-1819, tempos difíceis de crise institucional na Espanha. Por volta de 1819 o governo já reconhecia o direito dos judeus a se estabelecer no país. A maioria dos imigrantes eram de origem sefaradita e viviam nas ilhas do Caribe, principalmente em Curaçao. O ladino era a língua dos exilados judeus da Espanha, adotada em toda a costa do Atlântico.

Em 1832, a cidade de Barranquilla possuía um cemitério judaico e testemunhava a forte pujança comercial da cidade. Lá vivia, em 1854, a família Cortissoz Jessurum Pinto, contribuindo para o crescimento dessa vila colonial, enquanto o judeu sefaradita David Pereira se elegia governador. Durante o século 19 até a 1ª Guerra, a comunidade foi crescendo gradualmente, recebendo imigrantes da Europa oriental. Entre 1928-1930 ingressaram aproximadamente 1.000 judeus na Colômbia.

A imigração ashquenazita desconhecia o espanhol, portava traços físicos diferentes da população autóctone e chegou numa situação de penúria. Mas isto seria por pouco tempo, pois sua vocação para o comércio varejista e atacadista os tornaria pessoas destacadas na sociedade e, de certa forma, contribuiria para criar certa inveja entre os locais. A legislação migratória da Colômbia era fortemente restritiva. Talvez por isso, o número de imigrantes vindos do exterior era inferior ao de outros países latino-americanos, como Argentina, Uruguai e Venezuela. No período entre as duas guerras mundiais, o mito da “invasão dos estrangeiros” ecoou forte na Colômbia, aumentando quando se tratava de judeus.

A Colômbia da década de 1930 presenciava o surgimento do fascismo e do nazismo, duas ideologias que minavam o sistema político democrático. Tanto nas fileiras do Partido Conservador como no Partido Liberal, nasciam novas vertentes políticas extremistas que afrontavam as velhas forças políticas colombianas. O surgimento do UNIR, de Jorge Eliezer Gaitán, e a facção política dos denominados Leopardos simpatizavam abertamente com as ideologias totalitaristas. Portanto, o clima social encontrado pelos judeus então chegados à Colômbia não foi dos mais favoráveis.

O surgimento do Nacional-socialismo na Alemanha em 1933, a aplicação de leis racistas em Nuremberg, a anexação da Áustria, a entrega dos Sudetos a Hitler (na então Tchecoslováquia) e a rápida conquista da Polônia em 1939 intensificaram a saída dos judeus da Europa conquistada. A maioria dos judeus procurava países como Argentina, Brasil ou Estados Unidos para recomeçar a vida longe das perseguições. A Colômbia estava também na mira desses refugiados. A chegada dos primeiros judeus da Polônia e Rússia gerou o uso pejorativo do termo “polaco” para denominá-los. Na mesma época, na República Argentina, o termo russo era sinônimo de judeu.

A 2ª GUERRA MUNDIAL

Durante os anos 1933-1939, a Colômbia já tinha uma comunidade judaica ativa com sua própria imprensa. A Nuestra Tribuna foi um jornal fundado em 1935, em Bogotá. Seu primeiro diretor, Jorge Michonik, e seu sucessor, Jaime Fainboim, contavam com a ajuda do famoso cientista e pedagogo,  Dr. Miguel Adler. As matérias, redigidas em iídiche e castelhano, estavam direcionadas quase exclusivamente à comunidade ashquenazita, leitora voraz de periódicos.

Os judeus não queriam concentrar-se em “guetos”, bairros predominantemente judaicos. Os imigrantes buscavam uma melhor inserção na nova realidade social colombiana, esquecendo os sofrimentos recentemente vivenciados. Nuestra Tribuna converter-se-ia num veículo de denúncias das atitudes antijudaicas, quer oficiais quer populares. A revista seguia uma linha laica, não emitia opiniões religiosas e dependia política e economicamente da Federação Israelita criada sobre os alicerces do Sionismo.

POLÍTICA MIGRATÓRIA

Em dezembro de 1935, o chanceler colombiano Gonzalez Piedrahita emitiu novas declarações sobre a política migratória restritiva do país, sustentada pelo decreto No. 1194, no qual se listavam nacionalidades que teriam sua entrada permitida mediante o pagamento de taxas alfandegárias. Esta medida visava dissuadir os imigrantes judeus de buscar refúgio no território nacional. A avalanche migratória geraria uma rivalidade desnecessária com a população local. A Câmara de Comércio do país também aderiu à campanha antijudaica contra aqueles tidos como indesejáveis, e que na sua visão eram os “poloneses, russos, tchecos, chineses, sírios e libaneses”.

A comunidade judaica tentava denunciar a hipocrisia do Partido Liberal, acusando-o de possuir moral dupla em relação aos judeus e frente aos regimes totalitários. Segundo artigo publicado em Nuestra Tribuna (29/01/1936): “Aqueles políticos colombianos que pregam uma linha liberal são os que mais falam como Hitler”. Na época, o jornal El Tiempo, um órgão do Partido Liberal e propriedade de Enrique Santos, (irmão do presidente do país), travava uma dura campanha contra os judeus refugiados.

Na véspera da 2ª Guerra,  era notória a influência do Ministro de Relações Exteriores, Luis López de Mesa. Fascinado pela “questão racial”, ele difundia teorias racistas que passaram a ser consideradas não apenas curiosas, mas também eruditas. Em suas obras, o ministro critica o trabalhador latino-americano tido como preguiçoso e inconstante, e rasga elogios ao imigrante alemão.

Suas ideias, inseridas em diversos trabalhos, foram consideradas pelos intelectuais como verdades absolutas. A mistura entre o elemento autóctone e o judaico preocupava bastante a López Mesa, a ponto de “temer pelo cruzamento racial indo-semita, pois nele há indícios de qualidades inferiores tais como mimetismo moral, astúcia, bajulação, servilismo aparente e crueldade íntima”. Ao falar dos refugiados judeus da 2a Guerra, López Mesa é bem contundente: “Eles não passam de comerciantes de duvidosa moralidade e sem fortuna…, com os traços típicos que caracterizam certas raças,… vivem para burlar a lei”. Mesmo já encerrada a Guerra na Europa, o Ministro continua referindo-se aos judeus “que gostam do poder e de riquezas, com truculência e muita esperteza”.

Porém, nem todos os liberais colombianos pensavam como Mesa. No Ministério da Educação a opinião era favorável à imigração judaica, “permitindo-se que mestres judeus ingressem nas Universidades e colégios para ministrar aulas, especialmente nas disciplinas em que não havia mestres idôneos”.  O Ministro da Educação da Colômbia, Germán Arciniegas, tentou trazer para o país o escritor Stefan Zweig. O Ministério de Relações Exteriores colombiano o impediu. Após o advento do nazismo ao poder na Alemanha e na Áustria, Zweig emigrou para Petrópolis, no Rio de Janeiro, onde se suicidou em 1942.

Outro político colombiano favorável à vinda de judeus ao país foi Armando Solano, que, num artigo no jornal El Tiempo, manifestava seu apoio a eles, incentivando a contratação de seus mestres e professores. Solano não só os achava “pessoas excepcionalmente dotadas intelectual e artisticamente”, mas também os considerava “uma raça incompreendida e caluniada através da história”.

ANTISSEMITISMO E ANTIJUDAISMO

A hispanidade católica e o antissemitismo sempre atuaram concatenados no âmbito político colombiano. A presença judaica dentro do partido conservador era vista como uma afronta à velha tradição colombiana do poder executivo. Havia políticos que denunciavam os judeus como figuras indesejáveis numa sociedade fortemente cristã e tradicionalista.

A revista Patria Nueva de Cartagena justifica qualquer atitude antijudaica, e registra que “O antissemitismo que se consolidou nos costumes e tradições colombianos não é de caráter ofensivo ou beligerante; trata-se de um antissemitismo defensivo”. Seus colunistas acham “que os colombianos devem defender-se perante a invasão de elementos indesejáveis”.

Estas tendências antissemitas existentes na Colômbia, inspiradas no fascismo italiano, no nacional-socialismo alemão e na falange espanhola, acusavam os judeus de serem “geradores e semeadores de doutrinas esquerdistas e revolucionárias”, verdadeiro perigo para o futuro do país. Os judeus se defendiam destas infames acusações dizendo “que é uma grande tolice confundir o Judaísmo com o movimento comunista”.

A ideia de vincular os judeus ao comunismo atraía tanto as massas conservadoras quanto as liberais. O judeu era visto como elemento “perigoso” para a sociedade. Para a imprensa nacionalista, os comunistas incendiavam plantações e fábricas, invadiam os lares dos colombianos e pervertiam a juventude. Era necessário adotar uma linha política rigorosa contra “aqueles que introduziam costumes degenerados e insanos”, fazendo referência camuflada aos judeus. Esses comunistas eram vistos como agentes dos “soviets”, na Colômbia. O pedido do governo e da oposição naquele momento era para “expulsá-los do país em 24 horas”.

No entanto, temos que admitir que o antissemitismo colombiano não atuou com violência, se comparado aos demais países como Argentina, em que membros da Liga Patriota (Mazorca) assaltaram o bairro Once, apedrejando as vitrines das lojas, batendo em 70 judeus, causando em janeiro de 1919 o primeiro “pogrom” da América Latina, a chamada “Semana Trágica”.

Em 30 de janeiro de 1939, o chanceler Lopez de Mesa emitiu uma circular direcionada às embaixadas e consulados colombianos solicitando “colocar todos os obstáculos possíveis aos novos vistos em passaportes de judeus”. O chanceler entendia que “o número de 5.000 judeus estipulado pelo governo da Colômbia era uma cifra alta, impossível de ser atingida”. Como o desespero dos refugiados judeus era maior que os entraves burocráticos, as representações diplomáticas na Europa receberam um verdadeiro “aluvião” de petições para vistos para migrar à Colômbia ou vistos de trânsito para outros países. O general Solano, (cônsul colombiano em Marselha) foi descoberto pelas autoridades e acusado de lucrar com a venda de vistos a judeus. As embaixadas latinoamericanas eram procuradas por judeus alemães, austríacos, poloneses, italianos e franceses.

A Embaixada da Colômbia, em Berlim, dirigida por Ernesto Caro, começou a informar a Bogotá  sobre a enorme quantidade de pedidos de vistos encaminhados por judeus que desejavam sair da Alemanha nazista. Mesmo com  uma política migratória restritiva, apenas em janeiro de 1939 os funcionários colombianos da Embaixada expediram 45 passaportes com vistos a judeus alemães. Esses vistos não agradaram ao governo alemão, que obrigou o dono do prédio, o judeu Rosenthal, a rescindir o contrato de aluguel com os colombianos. Logo, o edifício seria confiscado por ser propriedade de um judeu, passando imediatamente a ser propriedade da Frente Alemã do Trabalho. Rosenthal precisou fugir de imediato para a Grã-Bretanha, reclamando desde lá ao governo colombiano a quitação das dívidas pelos alugueis pendentes. Naturalmente, o governo colombiano negou-se a pagar as pendências existentes e mudou a embaixada para outro endereço.

Na nova sede, as petições de vistos não cessavam. Tamanho o volume de vistos solicitados que, em 1941, o responsável dos negócios em Berlim, Santiago Lopes, escrevia ao chanceler Lopez de Mesa, para que nos vistos de judeus fosse registrado que “o portador do visto não poderá aceitar nenhum emprego ou iniciar negócios na Colômbia, sem autorização das autoridades competentes do país”. A Colômbia não ajudaria os judeus, que foram posteriormente levados a campos de extermínio.

A pressão por parte da Alemanha de Hitler sobre a Colômbia era tão grande, que em 31 de maio de 1939, a pedido das autoridades nazistas, o cônsul colombiano em Frankfurt, o judeu Ernest Lagebach, foi substituído pelo colombiano Jaime Jaramillo Arango.

ITÁLIA – O CASO RASTREPO

Também a Itália de Mussolini pressionou as representações diplomáticas colombianas. Numa carta em 3 de março de 1939, o Sr. Rastrepo (responsável pelos negócios da Colômbia em Gênova) pedia autorização a seu governo para substituir o vice-cônsul em Trieste, Humberto Donati. Segundo o funcionário, o motivo do pedido era o fato de “o Sr. Donati ser de raça judaica”.

Em 1939, Rastrepo intercedeu a favor dos judeus italianos, para que pudessem receber os vistos que os salvariam. Ele escreve ao chanceler da Colômbia, para que conceda salvo-conduto a um exilado judeu de Viena que queria retirar seus pais da Áustria em virtude da política antissemita do Terceiro Reich após a Anexação. Obviamente, o objetivo da família Schwarz era recomeçar a vida em alguma cidade da Colômbia.

Rastrepo não titubeou em encaminhar o caso Schwarz às autoridades governamentais competentes, ciente das disposições de não conceder vistos a judeus.  Ele escreve: “Mesmo sabendo das restrições adotadas pelo governo colombiano em relação aos refugiados de guerra, me permito repassar o caso Schwarz ao Ministério, sendo este pedido um caso muito especial”.

Esta postura mais favorável aos judeus aparece em outras correspondências do alto funcionário colombiano, principalmente nas cartas a favor dos Guastalla, uma família de judeus italianos que encontrou refúgio no Brasil.

Não sabemos exatamente quantos vistos expediu Rastrepo, mas não resta dúvida de que este funcionário da Colômbia na Itália, sempre que possível, advogou em favor dos judeus.

VIDA COMUNITÁRIA NA COLÔMBIA

Não obstante a profunda rejeição aos judeus implantada pelo governo colombiano, os judeus não deixavam de chegar à Colômbia. O mecanismo dos refugiados era procurar familiares ou conterrâneos. Vale lembrar que pedidos de contato dos familiares ao governo, alegando união familiar, facilitavam a emissão de vistos; mas a compra deles também fazia parte das numerosas estratégias adotadas pelos judeus durante a 2ª Guerra.

Por volta de 1940 havia 6.000 judeus na Colômbia. Esta cifra parecia exagerada e, portanto, foi decretada uma nova legislação desestimulando a chegada de imigrantes. O artigo No. 7 desta legislação ordenava que “os estrangeiros que tenham declarado exercer determinada profissão ou ofício, radicando-se em determinado lugar, não poderão dedicar-se a outra profissão ou mudar de endereço, a não ser depois de terem obtido permissão do Ministério de Relações Exteriores e prévia autorização da Polícia Nacional. Sem essa permissão, ou caso o estrangeiro mude de domicílio ou profissão, será determinado um prazo para que abandone o país, e se ele não o fizer será expulso”.

O decreto dificultava o estabelecimento definitivo dos judeus na Colômbia, pois na verdade a maioria deles era composta por comerciantes. Assim, declaravam outros ofícios como mecânicos agrícolas, especialistas em tratamento de águas, experts em técnicas de irrigação ou qualquer profissão útil ao país, mas jamais comércio.

Este decreto oficial foi driblado pelos judeus, o que indica claramente que cotas ou restrições migratórias jamais representaram um obstáculo intransponível  para o seu estabelecimento no país. A enorme vontade de refazer a vida da tragédia vivenciada na Europa falava mais alto que as próprias barreiras encontradas.

Recentemente chegados e radicados na Colômbia, os judeus fugidos do nazismo eram recebidos por organizações e instituições beneficentes, tais como o “Centro Israelita de Beneficência”, fundado em junho de 1937, cujo primeiro presidente foi Jacobo Sasson,  ou pelo “Comité Pró-Inmigrantes dependiente de la Diócesis de Bogotá”, fundado pelo padre alemão Struve, católico e fervoroso antifascista. Em 1939, este padre, odiado pelos nazistas alemães residentes na Colômbia, dava assistência a 10 judeus.

No início, a vida dos judeus nas cidades da Colômbia era dura e o idioma espanhol um obstáculo. Em 1937, o jornal El Fascista os tratava com desprezo e pejorativamente também os denominava de “polacos”. Alguns eram contratados para trabalhar como motoristas de táxi ou particulares, defendendo essa categoria através de greves durante a gestão do prefeito Jorge Gaitán. Outros perderam suas licenças e ganharam a antipatia da população local.

O jornal El Fascista, em 13 de fevereiro de 1937, fala de  “tres omnibus de la colonia  polaco-judia” que, covardemente, furaram a greve, fazendo com que o sindicato dos taxistas e motoristas autônomos solicitasse a não inclusão de judeus nas empresas da categoria. Era uma das primeiras campanhas antissemitas no país.

Os judeus precisavam subsistir e, portanto, aceitavam qualquer ocupação. Este fato gerava uma situação bastante incômoda,  a ponto de ter que concorrer em quase todas as áreas com os colombianos. Era comum os jornais colombianos divulgarem brigas de rua, entre o “desonesto comerciante judeu e o honesto comerciante local”.

No final dos anos 1930 e início da década de 1940, a imagem do mascate ou clienteltchik polonês, o vendedor a prazo (parcelas fixas), começou a fazer parte da paisagem das ruas de Bogotá e demais cidades colombianas. A atividade dos comerciantes judeus e seus agentes nos bairros mais pobres era vista pelos habitantes locais como algo a ser combatido e denunciado às autoridades. A polêmica surge quando o cidadão comum não consegue entender  “como é possível que um mascate que (ontem) comia apenas uma vez ao dia, hoje tenha loja própria e viva como rico”.

A denúncia geral dos comerciantes, dos políticos e da imprensa era que a restrição das cotas migratórias não funcionava no caso dos “polacos”, pois eles, brilhantemente, conseguiam burlar as ditas leis, criando um clima de animosidade e xenofobia no restante da população.

O jornal El Espectador participou também desta campanha antissemita, denunciando “5 mil judeus que exercem uma atividade diferente daquela declarada ao entrar no país”. Os colunistas admitiam que, em pouco tempo, os judeus souberam exercer um comércio ambulante e ainda estabelecer lojas, aproveitando-se da Colômbia para “manter um comércio obsoleto e paquidérmico”.

Os judeus também se dedicaram a setores ainda inexistentes no comércio local, como a alfaiataria. O grêmio dos alfaiates colombianos local combateu fortemente os judeus, pois estes não trabalhavam com preços competitivos, ofereciam pagamento a prazo fixo e ainda se gabavam de sua esperteza face a seus concorrentes diretos.

O jornal judaico La Tribuna saiu em defesa dos membros da comunidade, explicando que “a fermentação industrial e comercial, a redução de preços dos produtos manufaturados no processo de concorrência, outorgando vantagens à população, são elementos que detonam todo sistema feudal”. Resumindo, o comércio colombiano estava decadente e os judeus se aproveitaram  de uma situação previamente vigente.

Gradualmente, os judeus colombianos foram migrando do comércio para a pequena indústria, abafando a acusação de que eles, estavam afundando o comércio local. O setor de peles (peleteria) era algo desconhecido, no qual foram pioneiros. Eles também introduziram a indústria de calçados nas cidades da Colômbia. Desta forma nascia uma classe média emergente preocupada em que a população carente pudesse calçar sapatos, pela primeira vez.

A maioria dos artigos publicados na imprensa deixa clara a sensação de ineficácia do establishment diante do sucesso dos imigrantes judeus. Para os jornalistas da época “o semitismo centro-europeu provoca enorme progresso nas áreas do comércio e da indústria, desbancando o elemento colombiano e causando grande prejuízo ao país”.

Esta afirmação preparou o terreno para difundir na Colômbia os Protocolos dos Sábios de Sion, um panfleto antissemita anônimo que circulava livremente nas sociedades latinoamericanas desde 1920. A acusação milenar de judeus gananciosos, usurários e exploradores iria alimentar a literatura colombiana. Na verdade, trabalho duro e saber quando poupar dinheiro explicam o rápido avanço dos judeus na modernidade.

PROSPERIDADE E SOLIDARIEDADE

Diferentemente de outras cidades latino-americanas, em Bogotá não havia um bairro judaico. À medida que progrediam economicamente, os judeus colombianos procuram bairros de nível mais elevado. Este processo é normal e aconteceu também em Buenos Aires (migrando dos bairros Once e Villa Crespo para Belgrano) e em São Paulo (do Bom Retiro rumo a Higienópolis e Jardins). Este processo migratório judaico era urbano e, geralmente, ia acompanhado de um acentuado clima antissemita. Na Colômbia  a chamada “questão judaica” nunca  teve fortes repercussões nem atos de violência contra a integridade física dos judeus, como aconteceu na República Argentina. O antissemitismo aparecia no confronto entre os temperamentos das pessoas: “o colombiano é bondoso enquanto o polaco (judeu) é repleto de maldade”.

Mas, nem sempre a Colômbia confrontou a bondade com a maldade. Alguns escritores amenizaram estas opiniões saindo em defesa dos comerciantes e artesãos, tentando defender uma “raça digna de respeito”. Havia jornais, como El Faro, de Ibagué, que não hesitavam em fazer propaganda dos comércios judaicos. Os judeus popularizaram o mercado têxtil, tornando acessível o comércio de roupas, que até aquele momento era exclusivo de uma minoria. A comunidade judaica foi prosperando gradualmente; fundou-se o primeiro colégio, uma padaria e um açougue casher.

Os membros da comunidade acompanhavam com preocupação os acontecimentos na Europa conquistada por Hitler. Um exemplo era o do Sr. Lambert Ullman (judeu dono da “Marion”), que não autorizava a entrada de nazistas colombianos no seu armazém “ao saber que seus familiares haviam sido gasificados em Luxemburgo”. Como vemos, na comunidade havia consciência sobre o Holocausto. Duas associações judaicas trabalharam incessantemente para unir a comunidade, a Federación Israelita (patrocinadora da Nuestra Tribuna) e a Unión Hebrea. A relação entre ambas instituições era complicada, até 16 de março de 1936, data em que se juntaram numa única entidade.

Na Colômbia também achamos judeus fora do comércio. Através do judeu Bernardo Pellman, houve tentativas institucionais de criar colônias judaicas agrícolas nos 29.308 km² da região de Cauca,“contando com o apoio do governo, que aceitou oferecer toda ajuda financeira para sua concretização”.

As autoridades locais de Bogotá desconheciam os avanços internos da comunidade. Em 1936, o prefeito Jorge E. Gaitán pedia uma doação à comunidade para a fundação de uma escola com financiamento dos judeus de nacionalidade inglesa, americana, alemã, polonesa, francesa, italiana, espanhola, mexicana e sírio-libanesa.

A resposta da comunidade judaica a Gaitán não demorou: “Todos os judeus da Colômbia formam uma unidade nacional, étnica, cultural, sem distinção de procedência e sua representante é a Federación Judía de Colômbia”.

Outro exemplo do desconhecimento generalizado vigente na  Colômbia é o fato de incluir nas “listas negras” como fascistas ou nazistas, judeus oriundos da Itália ou da Alemanha. Se o polonês era sinônimo de “judeu”, o alemão era sinônimo de “nazista” e o italiano de “fascista”. A Colômbia vivia submersa na ignorância e pouco conhecia do que acontecia além de suas fronteiras.

PALAVRAS FINAIS

No período entre 1918-1945 a Colômbia recebeu judeus com desconfiança, e a opinião pública nada fez para apagar a intolerância e os preconceitos existentes, todos enraizados numa sociedade hispânica e católica. Convenientemente doutrinada,  essa opinião pública colocou a população local contra o elemento judaico, gerando uma animosidade entre as diferentes partes da sociedade. Desta forma, não é incorreto afirmar que a Colômbia foi um dos países mais restritivos da América Latina. Foi também um  dos países que votou contra a Partilha da Palestina, em 1947 e não reconheceu o Estado de Israel quando foi criado, em 1948. Foi somente na década de 1960 que Embaixadas foram abertas nos dois países, estabelecendo relações diplomáticas. Em 1988, foi assinado um amplo acordo comercial entre Israel e Colômbia, levando ao fortalecimento dos laços.

Com nove sinagogas espalhadas pelo território colombiano atualmente, a maioria dos judeus vive em Bogotá – cerca de 7 mil, e mais 6 mil na cidade de Barranquila. Há pequenas comunidades em Medellin e em cidades de veraneio como Cartagena, Santa Marta e na Ilha de San Andrés, além de outras em cidades menores como Bello.  Segundo estatísticas da comunidade, o número de judeus sefaraditas e ashquenazitas é praticamente o mesmo, possuindo cada segmento suas próprias entidades religiosas e culturais.  A Confederação das Associações Judaicas da Colômbia, instalada em Bogotá, é a entidade-teto da comunidade, reunindo todas as instituições judaicas do país.

BIBLIOGRAFIA

Donadio, Alberto – Galvis, Silvia, Colombia Nazi 1939-1945. Editorial Planeta, Bogotá 1986, 358 págs.

Hernandez Garcia, J.A., Emigración judia em Colombia em los años 1930 y 1940. Um caso particular: los polacos. Pensamiento y Cultura Vol. 10 (noviembre de 2007).

Hernandez Garcia, J.A., Judíos en Colombia, entre el antissemitismo y el triunfo comercial. Bogotá.

Osterwald, Ariane, Los judíos colombianos: La historia de um pueblo escondido. University Honors in Spanish Studies. The Department of World Languages and Cultures. College of Arts and Sciences. Spring 2003.  [Texto na Internet].