Filho de judeus, Otto Wilhelm Rahn (1904-1939) foi um escritor, arqueólogo, medievalista, ariosofista (estudioso dos mitos arianos) e pesquisador das lendas do Graal. Considerado uma espécie de “Indiana Jones” da vida real, pagou com a própria vida pela obsessão de levar a lenda do “Santo Graal” até às últimas consequências, traindo tudo o que acreditava.
O Graal foi a taça usada por Jesus Cristo durante a Última Ceia, com a qual secretamente José de Arimatéia – um dos membros do Sinédrio – teria recolhido seu sangue na Cruz. Na Bíblia Sagrada, José é quem empresta sua sepultura para Cristo, mas sem nenhuma menção a qualquer cálice.
Obcecado desde cedo, Rahn decidiu se debruçar sobre mitos antigos para tentar localizar a taça. O mais importante deles foi o poema “Parzival”, escrito por Wolfram von Eschenbach (1170-1220) no século 13. O épico poema alemão narra a procura da taça sagrada por Percival, um dos cavaleiros da Távola Redonda.
O SS Otto Rahn nasceu em Michelstadt, na Alemanha, em 1904 e formou-se na Universidade de Giessen. Tinha como fonte de inspiração o arqueólogo Heinrich Schliemann (1822-1890), pesquisador conhecido por basear-se na “Ilíada” de Homero para encontrar as ruínas de Troia na costa oeste da Turquia.
Conspiração medieval
As leituras fizeram Rahn acreditar que os cátaros, uma seita cristã medieval condenada pela Igreja Católica, eram a chave para encontrar a taça. Algumas pessoas acreditavam que, em 1244, pouco antes dos cátaros serem dizimados pela Cruzada dos albigenses, três cavaleiros da seita teriam conseguido escapar com vida do Castelo de Montségur, na França. Eles levaram consigo alguns tesouros, entre eles a taça sagrada.
No verão de 1931, Rahn chegou ao Castelo de Montségur para investigar. Encontrou apenas um complexo de cavernas que os cátaros usaram como uma catedral subterrânea. Sem perder as esperanças, publicou o livro “Kreuzzug Gegen den Gral” (Cruzada contra o Graal), no qual expunha suas mirabolantes teorias.
O encontro com Himmler
Rahn não esperava que seu livro chamasse a atenção de um dos homens mais importantes de Hitler. Em 1933, ele recebeu um telegrama tentador – continha uma proposta para continuar a sua busca pelo Santo Graal, escrever uma sequência para o seu primeiro livro e receber em troca 1.000 reichsmarks por mês (algo equivalente a R$ 15.000 em valores atuais). Bastava ele ir ao endereço 7 Prinz Albrechtstrasse, em Berlim.
Ao chegar ao endereço, Rahn deu de cara com Heinrich Himmler, o comandante militar da SS e posteriormente o chefe dos “Einsatzgruppen”, os temidos Esquadrões da Morte, responsáveis pelo fuzilamento de 1.500.000 judeus no Leste europeu entre junho de 1941 e janeiro 1942. No encontro descobriu que o comandante era tão obcecado pelo Graal quanto ele.
Em 1936, Otto Rahn finalmente cedeu à pressão e juntou-se às SS. Tornou-se um oficial não comissionado. A partir desse momento, encontrar o Santo Graal deixou de ser um sonho particular com remotas chances de dar certo, era uma missão das SS e Rahn precisava mostrar bons resultados. Imediatamente, viajou para França, Itália e Islândia, mas não encontrou nada que o levasse à procurada taça sagrada.
Em 1937, publicou “Luzifers Hofgesind” (A Corte de Lucifer), livro que narrava a segunda etapa de suas buscas. Logo, Himmler encomendou 5.000 cópias e distribuiu para a elite nazista. Mas, contra a vontade de Rahn, o livro editado devia ainda incluir pensamentos antissemitas, o que deixou claro para o autor que Himmler não estava satisfeito com a publicação da obra.
O novelista Nigel Graddon na obra “Otto Rahn and the Quest for the Holy Grail: the Amazing Life of the Real Indiana Jones” (2008), afirma que Rahn sentiu-se ofendido por Himmler. Por outra parte, é verdade que Rahn manifestou sentimentos antinazistas, mas sempre foi discreto em relação a isso. Sabia que pagaria caro por atitudes contra o Reich. O verdadeiro problema para Heinrich Himmler era Otto Rahn ser abertamente homossexual. No início, Himmler estava preparado para ignorar sua condição, mas conforme o tempo foi passando, a sua tolerância foi diminuindo.
Humilhação e morte
No mesmo ano em que seu segundo livro foi publicado, Otto Rahn foi pego na cama com um homem. Como punição, foi designado como guarda do campo de concentração de Dachau por espaço de três meses. Aquilo foi um ato de humilhação e a última gota para Rahn. Em uma carta, escreveu: “É impossível para um homem tolerante e liberal como eu viver em uma nação igual a que meu país se tornou”.
Após ser flagrado em sua intimidade, escreveu para Himmler deixando a disposição seu cargo nas SS. Mas, como era característico à máfia, a SS não era o tipo de organização que a pessoa podia simplesmente pedir demissão e continuar sua vida. Tal qual ocorreu alguns anos depois com a “Raposa do Deserto” Erwin Rommel (1891-1944), a chefia das SS deu a Rahn a opção de se suicidar ou ser eliminado.
Na noite de 13 de março de 1939, Rahn escolheu sua forma de morrere: Foi caminhando em direção às montanhas do Tirol e deitou-se na neve. No dia seguinte, ainda cedo, o seu corpo foi encontrado congelado. Ele tinha completado 35 anos de idade.
Bibliografia
Goodrick-Clarke, Nicholas, The Occult Roots of Nazism: Secret Aryan Cults and Their Influence on Nazi Ideology: The Ariosophists of Austria and Germany, 1890-1935; Wellingborough, England: The Aquarian Press, 1985, págs. 188-189. Goodrick-Clarke, Nicolás, Las Oscuras Raíces del Nazismo. Buenos Aires: Editorial Sudamericana, 2005.
Preston, John, The original Indiana Jones: Otto Rahn and the temple of doom, The Telegraph, 22 May 2008.
Rahn, Otto, Kreuzzug gegen den Gral. Die Geschichte der Albigenser Broschiert, 1934. Croisade contre le Graal: Grandeur et Chute des Albigeois Broché (French translation), 1934.
Rahn, Otto, Crusade Against the Grail: The Struggle between the Cathars, the Templars, and the Church of Rome (First English Translation by Christopher Jones), 1934, Reprinted: 2006.
Rahn, Otto, Luzifers Hofgesind, eine Reise zu den guten Geistern Europas, 1937.
Rahn, Otto, Lucifer’s Court: A Heretic’s Journey in Search of the Light Bringers (English translation), 1937. Reprinted: 2008.
Sabeheddin, M., Otto Rahn & the Quest for the Holy Grail. New Dawn Magazine No. 43, (July -August 1997). Archived from the original on 27 October 2009.