Fim de fevereiro de 2003. Um cidadão de Praga liga ao Museu do Holocausto em Jerusalém oferecendo vender seis cadernos com desenhos do jovem Petr Ginz (1928-1944), encontrados num velho prédio do bairro de Modrany, em Praga. Ao escutar notícias que um astronauta do Columbia havia levado cópia de um dos desenhos de Ginz, decidiu enviar eletronicamente ao museu imagens dos textos e desenhos que estavam em suas mãos.
A irmã de Petr, Eva Ginz, sobreviveu ao Holocausto, havia casado com um judeu de sobrenome Pressburger e vivia em Jerusalém. No prefácio à edição do Diário de Praga, Chava Pressburger comenta: “Rever obras de Petr me emocionou muito. Era como se Petr não tivesse morrido, como se ele seguisse eternamente vivo; dando notícias de si e enviando alguma mensagem”.
A descoberta do Diário permitia entender os acontecimentos de 1941-1942, registrados por Petr antes de ser deportado a Terezin, ainda quando os Ginz viviam em Praga. Chava legitimou os cadernos como verdadeiros, reconheceu a letra de seu irmão e ainda lembrou fatos ali descritos. Segundo ela, quando se aproximava o dia da deportação, a letra de Petr mudava, ficando cada vez mais nervosa e menos legível. Ele não escreveu nada sobre seus medos, mas suas anotações refletem as nuvens pretas que cobriam os céus de Praga.
Petr fabricava seus cadernos para escrever novelas e diários, uma vez que comprar cadernos novos estava fora do alcance. O Diário de Praga (escrito em papel usado) está composto por dois cadernos: o primeiro contém anotações sobre a vida de Petr Ginz entre 19/09/1941 e 23/02/1942; e o segundo continua com fatos acontecidos entre 24/02/1942 e 09/08/1942, antes de ser trasladado ao gueto de Terezin.
O Diário de Petr Ginz desvenda o desempenho dos nazistas durante o Holocausto. Tudo parece funcionar com naturalidade: a comunidade judaica, o hospital e a escola; mas pouco a pouco vão cortando-se as liberdades dos judeus. Subitamente desaparece um parente, falta um aluno à classe, um professor não vá ao colégio. Tudo vem sinalizando o início das deportações. Porém, os que ficam continuam a levar uma vida normal. As pessoas com suas malas partem para Polônia em vagões especiais. Nunca voltarão. Elas não fazem a mínima ideia de que em uma semana estarão despidos de suas roupas, marchando às câmaras de gás, para finalmente serem queimadas ou assassinadas.
Avessa a uma arte surrealista, a arte de Ginz é uma arte realista e concreta. Enquanto outros artistas perpetuam a memória das vítimas assassinadas; o artista-mirim cria arte sem sabê-lo, apenas como passatempo durante sua permanência no gueto de Terezin. Para alguns artistas desenhos e esculturas são um meio de expressão, mas nunca uma finalidade em si mesma. Já para Ginz desenhos representam uma forma espontânea de criar, totalmente despreocupada com um plano específico.
Os desenhos de Petr Ginz são doações do pai Otto Ginz ao Museu Yad Vashem. Eles podem ser divididos em duas categorias: aqueles que retratam uma temática universal e os que abordam uma temática especificamente judaica. Dentre os universais mencionaremos: Vaso de flores – pintura de lápis em papel, 1942-1944; Girassol – aquarela sobre papel, 1944; Flores – aquarela sobre papel, 1944; Telhados e torres de Praga – aquarela com bico de pena, 1939-1940; Pátio – aquarela sobre papel, 1942-1944; e Paisagem lunar – um desenho a lápis sobre papel de 1942-1944.
Desconhecido até 2003, o artista mirim Petr Ginz, autor do desenho “Paisagem lunar”, ganhou destaque internacional graças ao astronauta israelense Ilán Ramon. Deportado com outras 100 crianças judias a Terezin, acabou morrendo em Auschwitz. A missão espacial não teve sucesso, mas o brilhante artista judeu ressurgiria das cinzas do Columbia.