Durante a Segunda Guerra, artistas judeus capturados pelos nazistas compuseram belas peças musicais que ficaram perdidas nos horrores dos campos de concentração. Anotadas em restos de papéis e recortes de jornal, ou gravadas na memória dos próprios sobreviventes, elas seriam esquecidas, não fosse o trabalho de um pianista italiano.
Ao longo de mais de três décadas, o maestro Francesco Lotoro reuniu uma coleção com cerca de 8.000 composições musicais, algumas apresentadas ao público pela primeira vez num concerto em Jerusalém com a “Orquestra Sinfônica de Ashdod”, como parte dos eventos que marcam o 70º aniversário da Independência do Estado de Israel.
Entre as músicas a serem tocadas havia uma composição da poetiza Ilse Weber, que trabalhou como enfermeira no hospital do campo modelo de Theresienstadt na Tchecoslováquia, ensinando canções para crianças. Quando seu marido Willi foi deportado a Auschwitz, ela também se transferiu voluntariamente com o filho do casal, Tommy. Todos foram assassinados nas câmaras de gás.
As músicas compostas por Ilse nos campos de concentração não foram escritas, mas foram memorizadas por Aviva Bar-On, que quando criança foi tratada no hospital de Theresienstadt. “Eu fiquei sabendo de uma sobrevivente de Theresienstadt que afirmava lembrar-se de uma música da Ilse. Quando fui vê-la descobri que ela não lembrava apenas de uma música, mas de três melodias. Algumas delas nunca foram escritas, ficaram conservadas numa memória que está desaparecendo com a morte dos sobreviventes” comenta o maestro Lotoro.
No amplo repertório de Lotoro também está “Tatata”, uma música composta por Willy Rosen, um compositor judeu alemão, e o ator e diretor Max Ehrlich, uma figura proeminente nos cabarés alemães na década de 30. Antes de serem transferidos ao campo de Auschwitz, Willy e Max conseguiram contrabandear uma pasta com manuscritos para fora do campo. Ela foi descoberta décadas depois no sótão de uma casa na Holanda. “As composições dos campos de concentração são patrimônio mundial, um legado para aqueles artistas que, apesar de terem perdido a liberdade nas mais inimagináveis circunstâncias, perseveraram por meio da música”, completa Lotoro.
O trabalho de resgate feito por Francesco Lotoro foi registrado no documentário “Maestro”, lançado ano passado. No filme conta que sua missão começou em 1990 quando recebeu uma composição do pianista tcheco Gideon Klein. Nascido em 1919, Klein foi deportado para o campo de Teresienstadt em 1941 e transferido para Auschwitz em 1944. No ano seguinte, morreu nas minas de carvão de Fürstengrube.
Durante a estadia em Terezín Klein era um dos maiores compositores do campo. Antes de ser transferido, deixou suas obras com a namorada, Irma Semtska, que por sua vez as entregou à irmã do pianista, Eliska, após o fim da guerra. E foi das mãos de Eliska que Lotoro recebeu o primeiro manuscrito de uma música composta nos campos nazistas.
O corpo de Klein nunca foi encontrado. “Salvar a sua música é a única maneira de trazê-lo de volta à vida” disse Lotoro. Estes tesouros da história da música servem para dar voz aos tantos compositores que decidiram atuar num lugar onde já não restavam vestígios de Humanidade.