Sedentarismo, sonho reparador, banhos e vida sexual segundo o Maimônides

Vivendo um dia-a-dia intenso e muitas vezes desregrado, quem de nós não cogitou alguma vez aderir a hábitos saudáveis de alimentação, zelar pela qualidade do sono, manter relações íntimas satisfatórias e ainda tentar alcançar o aprimoramento profissional? Desde tempos remotos, nossos sábios preocupavam-se pelo bem-estar de todos os membros da comunidade.  

Para Maimônides o sono deve ser reparador. Ele sabe que o dia e a noite perfazem 24 horas, e que para produzir, o indivíduo precisa dormir pelo menos 1/3 desse período, portanto, oito horas; direcionadas preferentemente para o fim do dia. Assim, é importante descansar oito horas ininterruptas desde o início do sono até assomar o sol. Maimônides recomenda acordar cedo para recitar o “Shemá” ao raiar o sol (Hilchot Kriat Shema, 1:11).

O homem não deve dormir para cima nem de costas, mas sempre de lado, preferentemente sobre o lado esquerdo no início da noite e sobre o direito no final dela. É importante aguardar de três a quatro horas após a refeição. Não devemos dormir durante o dia, exceto em casos de mal-estar ou doença.

Maimônides recomenda manter diariamente intestinos soltos, sempre através de evacuações ligeiramente líquidas. Para ele, a medicina detém um princípio bem sábio: “sofrer de prisão de ventre ou evacuar com dificuldade é a causa de muitas doenças” (Hilchot Deot, 4:13).

A pergunta que não quer calar é a seguinte: como se induz a soltura do intestino em casos de prisão de ventre? Maimônides responde: Um jovem deve, pela manhã cedo, ingerir alimentos salgados e bem cozidos, untados em azeite de oliva, sal ou salmoura, (sempre sem pão); deve ainda beber água na qual se escaldou espinafre ou comer repolho em azeite de oliva ou salmoura. Já o idoso deve beber de manhã mel diluído em água quente e, após quatro horas, comer sua refeição. Estas orientações precisam ser seguidas à risca durante 3 ou até 4 manhãs seguidas, para o intestino ficar solto.

Há mais um princípio acerca do bem-estar físico: Toda pessoa que se exercitar ou se esforçar muito, que não comer demais e que mantiver seu intestino solto, não sofrerá de doenças e se fortalecerá fisicamente; mesmo se consumir alimentos nocivos. Para Maimônides, o indivíduo que leva uma vida sedentária, ou aquele que costuma conter evacuações ou vive constipado, com certeza sofrerá cronicamente de dores, enfraquecendo sua força física.

Resumindo, Maimônides afirma categoricamente que comer em excesso é ruim para o corpo humano, e é a causa principal de todas as enfermidades. Assim, o sábio rei Salomão dizia: “Quem guarda a sua boca e a sua língua, guarda a sua alma de problemas” (Michlei, 21:23).

Para Maimônides, é recomendável que a pessoa frequente os banhos públicos uma vez a cada sete dias, mas jamais após a refeição, menos ainda se estiver faminta. Ela deverá adentrar no banho no momento em que o alimento começa a ser digerido.

No interior do banho é preciso lavar o corpo inteiro com água quente sem que ele se queime, mas a cabeça deve ser lavada com água bem quente. Em seguida, lava-se o restante do corpo já com água morna, diminuindo até o ponto de finalizar com um banho frio.

Da mesma forma que no inverno não se deve tomar banho com água fria, Maimônides orienta para nunca lavar a cabeça com água morna ou fria. Tampouco é aconselhável tomar banho antes de transpirar ou ter o corpo inteiro massageado. Recomenda-se evacuar antes de tomar banho, não ficar muito tempo ali, sendo recomendado banhar-se e rapidamente sair. Ao deixar os banhos é preciso vestir roupas, cobrir a cabeça evitando esfriamento súbito, especialmente nos dias de verão. É preciso, se possível, descansar depois do banho, até que a temperatura do corpo caia. Tirar uma soneca após o banho faz muito bem.

Maimônides recomenda não beber água gelada ao sair do banho, muito menos no meio do banho. Se a sede for impetuosa e a pessoa não conseguir suportá-la, deve-se misturar água ao vinho ou mel, para só então bebê-la.

O uso de cremes ou sais de banho não é proibido, pelo contrário, “faz bem untar-se com azeite de banho durante a temporada do inverno, depois que se tiver lavado o corpo” (Hilchot Deot, 4:17) recomenda o mestre de Córdoba.

Os sábios se comportam com extremo pudor nos banhos, não se degradam, não descobrem a cabeça nem o corpo. Até no banheiro (beit hakissê) é necessário manter o recato. O corpo só pode ser descoberto depois de sentado na privada. Não se deve usar a mão direita para se limpar, uma vez que a mão destra tem prioridade sobre a esquerda nos serviços do Templo (Zevachim 24a), na cerimônia de instalação dos sacerdotes e demais rituais; além de ser usada para amarrar os tefilin (Berachot, 62a); portanto não é adequado que ela seja destinada para esta ignóbil tarefa. Embora o braço esquerdo tenha o mérito de ser circundado pelo tefilin; sua função é passiva; cabendo ao braço direito a principal função.

Nos banhos sempre é preciso isolar-se dos outros, entrando em um aposento dentro do outro, e somente depois evacuar. Se houver necessidade de evacuar atrás de um muro, deve-se ficar afastado o bastante para que ninguém possa ouvir o ruído de eventuais flatulências. Caso for preciso fazê-lo numa área aberta, é necessário ficar afastado o suficiente para que ninguém consiga perceber a pele desnuda. Como a modéstia e o silêncio são apropriados ao banheiro, não se deve falar quando se está evacuando, mesmo em caso de grande necessidade.

Maimônides entende que da mesma forma que o indivíduo se comporta com pudor quando utiliza o banheiro durante o dia, assim deve comportar-se à noite. Para ele, é recomendável acostumar-se a evacuar só de manhã e à noite, para que não surja a necessidade de se afastar dos lugares habitados.

Para Maimônides, o sêmen é energia física, portanto tem relação direta com a capacidade de regeneração. Em outras palavras, ele acredita que quanto mais sêmen for derramado, maior será o dano ao organismo e à força do corpo, e consequentemente, maior o desperdício da vida. Parafraseando o rei Salomão que disse “não entregues tua energia a mulheres” (Michlei, 31:3), Maimônides recomenda não manter relações íntimas em excesso, pois o ato de coabitar faz envelhecer prematuramente, as energias minguam, a visão enfraquece, a boca tem hálito ruim e as axilas exalam mau cheiro. Ele ainda afirma que também os fios de cabelo da cabeça, pelos das sobrancelhas e cílios começam a cair, enquanto os fios da barba, das axilas e pernas aumentam. Os dentes também sofrem, pois caem repentinamente. Diante dos sintomas fruto de excesso de relações, os médicos judeus costumam alertar: “Devido a outras enfermidades morre um de mil; devido ao excesso de coabitação morrem mil”.

Em “Hilchot Ishut” (cap. 14, Halachot 1-3), Maimônides aborda diversos aspectos relacionados à vida matrimonial, afirmando que uma pessoa deve coabitar somente quando estiver com o corpo saudável e forte, ou se estiver sofrendo de “ereções involuntárias”, sentindo que os tendões de seus testículos estão estirados e o corpo quente. Quem tiver tais sintomas precisa copular e isso lhe servirá de cura.

Segundo Maimônides, sob nenhuma circunstância devem manter-se relações com o estômago cheio ou vazio, apenas depois que o alimento for digerido. Não se devem manter relações em pé ou sentado, nem em casas de banho nem no mesmo dia do banho, menos ainda nos dias de extração de sangue, ou em dias de partida ou de regresso de viagem.

Mesmo que a esposa de um homem lhe seja continuamente permitida Maimônides ensina que é apropriado comportar-se com “santidade” (kedushá), e não manter relações conjugais com exagerada frequência, à maneira dos galos. A Torá já enfatiza a relevância desta qualidade; principalmente no que tange à intimidade marital. Neste exato momento o judeu deve deixar claro que a sua natureza não é apenas material, e que possui também uma sólida dimensão espiritual no âmago de seu ser.

Maimônides (Ketubot, 62b) recomenda limitar as relações matrimoniais a uma vez por semana durante a noite de Shabat. O marido deve conversar e flertar um pouco a esposa para deixa-la relaxada. Quando o marido deseja falar com ela, não deve fazê-lo no começo da noite, quando está saciado e de “barriga cheia” (bitnô meleá); nem tampouco no final da noite, quando está faminto. O melhor momento para o sexo é o meio da noite, após digestão, pois o silêncio reinante impede de ser perturbado por outros pensamentos, focando unicamente na esposa.

Explica Maimônides que na hora de coabitar, o homem não deve agir com leviandade, falando grosserias ou banalidades, mesmo tratando-se de conversas íntimas, a sós. Sobre isto, já disse o profeta Amós (4:13): “E Ele conta ao homem a sua conversa”, explicando nossos sábios que até o teor de uma simples conversa que um homem mantém com sua mulher, no futuro ele terá que prestar contas.

Naturalmente, na hora da relação íntima nenhum dos dois deve estar bêbado, desmotivado ou triste. Seguindo o texto de Eruvim 100b, Maimônides explica que é terminantemente proibido manter relações íntimas enquanto ela estiver dormindo [portanto inconsciente], nem força-la contra sua vontade. Só é possível coabitar sob um clima de consentimento mútuo e alegria.

O Maimônides ensina que todo aquele que seguir estas dicas, não apenas se santifica, mas se purifica e refina seus temperamentos. Além disso, se vier a procriar filhos, eles serão bonitos, discretos, merecedores de sabedoria e devoção. Em contrapartida, àqueles que se comportam seguindo hábitos oriundos das trevas, gerarão filhos como eles.

Para Maimônides, seguir à risca as orientações dos “Sábios de Israel” é essencial para evitar as doenças. E se por acaso elas nos atingirem, isto acontecerá numa idade avançada; pouco antes de falecermos. Nessa hora não mais serão necessários médicos. O sábio não descarta a morte quando o corpo foi afetado por uma anomalia maligna de nascença ou quando originária de uma epidemia ou uma seca.

Os hábitos benéficos mencionados pelo Maimônides se aplicam a pessoas saudáveis, nunca a pessoas adoentadas ou a que detém algum dos órgãos enfermos. Importante dizer que para cada uma das situações, existem tratamentos e métodos específicos; sempre de acordo com o tipo de enfermidade. Mudar bruscamente o modo de vida é o princípio de uma doença.

Maimônides (Sanhedrim 17b), alerta que um estudioso da Torá não pode habitar uma cidade que careça das seguintes dez coisas: um médico, um artesão, banhos públicos, um banheiro, uma fonte de água acessível (seja rio ou manancial), uma sinagoga, um professor de crianças, um escriba, um coletor de tzedaká (dinheiro de benemerência) e Beit Din (tribunal de justiça) que aplique castigos e sentenças.

BIBLIOGRAFIA                                                                                                                                                               

Rambam, Mishnê Torá – Livro 1 – Sêfer Hamadá 1: “Hilchot Deot” ou Leis dos Temperamentos. Edição dos Rabinos Shamai Ende e Shmul Osher Begun. Yeshiva Lubavitch e Editora Lubavitch, São Paulo 2014, capítulos 1-5, págs. 155-189.