Em agosto de 2004 participei de uma capacitação organizada pelo Instituto Matach (Center of Technology of Education) em que foi discutido um projeto inovador denominado “Sêfer Gadol” ou “Livro da turma”. Realmente fica bastante difícil traduzir à língua portuguesa o significado literal de “Sêfer Gadol”, em hebraico “Livro Grande”. Aqui não se trata somente de um livro de enormes dimensões, mas por trás desse termo está implícito o conceito do “poder do livro” ou a “força do livro”.
Para todos os professores que participamos daquela capacitação, o “Sêfer Gadol” é um projeto pedagógico-educacional elaborado coletivamente no ambiente escolar por uma determinada turma. A meta principal é poder motivar alunos a trabalhar um tema específico (nosseh spetzifi) ou uma unidade de estudo (iechidat limud) com outros tópicos, sempre durante um espaço de tempo previamente definido.
O resultado da pesquisa temática será a confecção de um livro de enormes dimensões (aproximadamente 0,60 x 0,80 cm), elaborado por meio de instruções (orientações) de tarefas ou “messimot”.
- “Sêfer Gadol” e instruções de trabalho
As instruções de trabalho para a realização das atividades que constituem a essência do “Sêfer” (Livro) são tarefas bem diversificadas que ajudam o aluno na solução de problemas, desenvolvendo suas habilidades, priorizando suas competências, sempre relacionadas com a busca da informação. A tarefa conecta o aluno com as ferramentas de pesquisa (especialmente a Internet), exercitando a produção de texto, despertando o interesse por uma bela apresentação estética dos resultados obtidos.
Este tipo de tarefa é ideal para ser apresentada ao público no marco de uma mostra cultural da escola. Em 2004, no “Colégio Iavne” em São Paulo, (onde tive o privilégio de coordenar equipes docentes), foram confeccionados 16 livros da turma ou “Sefarim guedolim”. O interessante do trabalho proposto foi os alunos terem apresentado oralmente a seus pais e familiares as diferentes etapas do processo de aprendizagem:
- Alunos escolhem um tema de sua preferência, buscam fontes de informação, pesquisam, desenvolvem suas leituras e a escrita, aprendem a reconhecer os distintos gêneros literários e ainda elaboram e ilustram seus próprios textos.
- Alunos interagem com seus colegas em sala de aula definindo seus próprios caminhos, eles conseguem um contato quase que permanente com seu “Sêfer”, conversam com seus colegas de turma e não menos importante, os alunos tentam conversar com eles mesmos.
- Alunos aprendem a administrar o tempo de estudo, pois entendem que desta forma poderão otimizar seus estudos, obtendo melhores resultados. Há uma boa dose de sensibilidade direcionada para o conhecimento.
- Alunos das classes aprendem a valorizar o aspecto estético, aceitando inclusive a diversidade que existe no seu colega.
Sem dúvida alguma, dentre as numerosas estratégias acima citadas, há algumas que possuem maior relevância. Os professores devem dar importância e maior ênfase à procura de fontes de pesquisa, à leitura e a escrita, à sociabilidade, à sensibilidade da turma e à valorização do elemento estético.
Segundo a Profa. Yaffa Nachmani, capacitadora do curso, existem diferentes tipos de “Livros da Turma”. Pode-se elaborar um “Sêfer Ishi” (Livro individual), um “Sêfer Kitati” (Livro de Classe) confeccionado pela turma, e finalmente um “Sêfer Tochnit Limudim” (Livro norteado pelo Programa de Estudos de uma determinada disciplina). O “Colégio Iavne” optou pelo formato de um “Sêfer Kitati” (Livro de Classe), pois entendemos que através dele poderíamos atingir nossas estratégias e objetivos.
Não menos importantes são as diferentes etapas na elaboração do “Sêfer Gadol”. Segundo a professora Yaffa, quando se trata de alunos menores (1ª até 4ª séries), é recomendável que o docente proponha o tema ou unidade de ensino a ser trabalhada. Porém, ao trabalharmos com alunos maiores (5ª série em diante), o professor da turma apenas sugere o tema (se possível sugerindo mais de um tema), e a escolha final do mesmo será feita conjuntamente entre os alunos e seu professor.
Os professores do ensino fundamental (1ª a 4ª série) do “Colégio Iavne” apresentaram suas propostas aos alunos, no entanto de 5ª série em diante, a partir de sugestões de temas trazidos pelo professor, a escolha foi do próprio aluno. Cabe destacar que o envolvimento de nossos alunos foi muito intenso e participativo.
- “Sêfer Gadol”: Principais partes
A professora Yaffa ensinou ainda quais devem ser as partes que compõem o “Sêfer Gadol”: a capa, na qual deverá sempre constar por escrito tema, autores (ex: turma 3ª série), nome do colégio, cidade, etc. No livro pode haver uma pequena dedicatória, e o conteúdo ou sumário dos temas incluídos no livro. A introdução e os capítulos são as instruções e seu número varia segundo o tema escolhido. O livro geralmente deve encerrar com as conclusões dos alunos.
Vejamos a seguir um exemplo de programação de “Sêfer Gadol” elaborado nas aulas de História Judaica por alunos de 2o ano do Ensino Médio (16-17 anos).
Tema: “A propaganda nazista e as Olimpíadas de Berlim em 1936”
Cap. I: “Leis de Nurenberg” (leis racistas) publicadas da Alemanha em 15 de setembro de 1935, como exemplo de intolerância antijudaica. Instrução de trabalho: Escreva um artigo para ser publicado no jornal “Der Stürmer”, condenando as leis discriminatórias publicadas em Nurenberg em 1935.
Cap. II: Os slogans divulgados na mídia alemã durante o governo do Terceiro Reich. Instrução de trabalho: Crie vários slogans de propaganda em que apareça nitidamente a discriminação contra os judeus.
Cap. III: O atleta norte-americano Jesse Owens (1913-1980) humilha Hitler e o “Führer” decide abandonar o estádio olímpico. A super-raça ariana sofre duro golpe do atleta negro. Instrução de trabalho: Procure na Internet dados sobre Jesse Owens e escreva uma biografia do fenômeno do atletismo. Registre algumas das atividades da JOF (Jesse Owens Foundation).
Cap. IV: A eficiência da propaganda nazista durante o Terceiro Reich e a atuação do Ministro da Propaganda Joseph Goebbels. Instrução de trabalho: Escreva um discurso para uma aula inaugural do curso de História com o tema: “A eficiência da propaganda nazista durante o Terceiro Reich”.
No Colégio Iavne a programação do “Sêfer Gadol” foi direcionada através de “folhas de planejamento” (Dapei tichnun) com suas colunas específicas. As folhas mencionadas permitirão a preparação de um roteiro de trabalho sério e satisfatório.
- Como apresentar e avaliar o “Sêfer Gadol”
A professora Yaffa Nachmani nos apresentou um leque de possibilidades para poder apresentar ao público o “Sêfer Gadol”. Ele poderá ser apresentado por turmas em um dia especial marcado na agenda escolar com a devida antecedência, ele poderá ser parte da apresentação pedagógica de uma RPM (Reunião de Pais e Mestres), ela poderá fazer parte de uma mostra cultural anual (caracterizando um amplo projeto de toda a escola), ele poderá também fazer parte de uma comemoração de festividade judaica.
O ‘Sêfer Gadol” representa um valioso instrumento de avaliação. As possibilidades de avaliar através do livro da classe são incontáveis. Ele permite uma auto-avaliação dos alunos em sala de aula na presença do professor como também uma avaliação entre colegas da turma, avaliando um aluno o desempenho do outro.
Por outra parte, as atividades do “Sêfer Gadol” possibilitam uma avaliação do trabalho do professor na classe e permitem o envolvimento de coordenação pedagógica e da própria direção da escola. Resumindo, há uma avaliação constante que inclui todas as instâncias e níveis da instituição.
Na hora de refletir a avaliação, uma pergunta se impõe: Qual seria a avaliação ideal para o “Sêfer”? Naturalmente, é fundamental avaliar todas as etapas do processo. Não há dúvida que o professor tem “seu olhar” sobre o histórico da elaboração do livro da classe. Porém, estamos cientes que uma avaliação de excelência será aquela em que possam participar aquelas instâncias já mencionadas: aluno, professor, coordenações pedagógicas e educacionais, e naturalmente a direção da escola.
O projeto “Sêfer Gadol” é de fácil implementação. Basta apenas cuidar dos detalhes para levar esta proposta inovadora ao aprimoramento e a perfeição. Ele deve ser um momento mágico no processo ensino-aprendizagem, na relação diária entre aluno e professor.