Ulrich Schnaft nasceu em Königsburg, Alemanha, em 1923. Órfão de pais foi adotado por uma família germânica. Na adolescência estudou em escola técnica, especializando-se em conserto de máquinas. Encerrados seus estudos secundários em 1941, no auge da 2ª Guerra Mundial, Ulrich foi imediatamente alistado às Waffen SS (Schutzstaffel), tropas de proteção do partido nazista. Hitler exigia que suas tropas de elite fossem compostas por cidadãos de comprovada origem germânica, uma condição física e mental excepcional e observância à risca das orientações da ideologia nazista.
Em junho de 1941, iniciada a Operação Barbarrossa, o jovem Ulrich Schnaft é enviado ao front russo, foi ferido levemente e enviado a um hospital na Alemanha. Recuperado dos ferimentos, volta ao Wehrmacht, desta vez contra Iugoslávia. Por final de 1944 Schnaft é feito refém pelos americanos na Itália. Recluso em uma prisão é libertado três anos depois. Não foi julgado por nenhuma corte, constatando-se estar isento de participar em crimes de guerra.
IMIGRANTE ILEGAL
Depois de libertado, Ulrich Schnaft retornou à Alemanha dividindo um quarto em Munique com um judeu. Das conversas com este judeu cujo nome é desconhecido, Ulrich tomou ciência da existência de instituições de benemerência judaicas que ajudam financeiramente àqueles sobreviventes do Holocausto.
Ainda sob o efeito da miséria econômica e a desordem que reinavam numa Europa destruída e reconquistada pelos Aliados, Schnaft decidiu camuflar-se de judeu para poder ser sustentado por uma dessas instituições de beneficência. Para isto, declarou-se “filho de mãe alemã e pai judeu”. Seu pai era Julius Zis. Considerado judeu, Schnaft partiu com um grupo de imigrantes ilegais (maapilim) rumo ao porto de Marselha. Até seu próprio nome ele trocou, adotando o nome de Gabriel Zisman. Em dezembro de 1947, este grupo de jovens sionistas zarpou no navio “Haganá” rumo à Palestina Britânica.
A política de “Livros Brancos” prevalecia naqueles tempos difíceis e o navio foi interceptado pelas forças britânicas. Perplexos, Ulrich Schnaft (Gabriel Zisman) e seus amigos foram levados até um acampamento de prisioneiros instalado em Chipre. Lá se alistou à “Haganá”, grupo de autodefesa judaica que combatia os ingleses.
Desmontado o acampamento de Chipre, Ulrich volta ao porto de Haifa. Desta vez entra no território e se estabelece no kibutz Kiryat Anavim, granja coletiva agrícola fundada em 1920. Lá trabalha e estuda hebraico. Em agosto de 1949 é alistado ao Tzahal, o Exército de Defesa de Israel.
Já nas fileiras do Tzahal, Schaft completou um curso de oficiais, e, paralelamente foi trabalhar em um moshav (aldeia agrícola semicoletiva) perto de Ashkelon. Durante sua vida civil nunca se desligou totalmente da vida militar. Procurado pelo exército, volta à base militar ampliando seus conhecimentos em outro curso de oficiais. Terminado o curso será anexado a uma divisão de artilharia.
Em 1952 Schnaft fez um pedido para ser efetivado no serviço permanente do Tzahal. Para isto, foi submetido a detalhado interrogatório de segurança que detectou dúvidas em relação à sua identidade. Seus colegas de curso alertaram à cúpula do exército israelense que, certa vez, estando embriagado, Gabriel Zisman mostrou uma foto dele vestindo uniforme das Waffen SS. Schnaft foi rejeitado do cargo solicitado, além de ser libertado imediatamente do Tzahal.
ESPIONAGEM PRÓ ÁRABE
Após ser libertado, Ulrich Schnaft passou a morar com um casal de alemães em Ashkelon. O marido era uma pessoa idosa e sua mulher bastante mais jovem. Atrativo, Gabriel Zisman “conquistou” esta moça, mudando-se ambos para Haifa. Dois anos depois, em 1954, começou o denominado “milagre econômico alemão”. Sem pensar muito, Schnaft solicitou ao cônsul da Alemanha ocidental um visto para ingressar ao país, mas lhe foi negado. Durante a conversa, o cônsul teria descoberto que Zisman era Schnaft. Naqueles primeiros anos, Israel proibia a seus cidadãos de ingressar no país que perpetrou o Holocausto. Não demorou muito e a jovem mulher, com passaporte alemão, partiu rumo à Alemanha.
Com visto rejeitado, pouco dinheiro no bolso e impossibilitado de adentrar na sua terra natal, Schnaft decide arriscar novamente sua sorte, desta vez no consulado egípcio em Gênova; oferecendo seus conhecimentos militares em troca de dinheiro e um visto definitivo para entrar na Alemanha ocidental. Este cônsul o encaminhou até o adido militar egípcio em Roma, quem ficou impressionado com sua história de vida. Assim, Ulrich Schnaft viajou a Cairo para ser interrogado pelo alto-comando egípcio. A proposta árabe foi a seguinte: Voltar a Israel, tentar reintegrar-se ao Tzahal para depois espionar a favor do Egito.
Ulrich solicitou tempo para pensar a proposta. Em fevereiro de 1954, com apenas 20 dólares no bolso, viajou a Alemanha. Em Berlim reencontrou sua mulher israelense a quem revelou sua verdadeira identidade e a proposta de espionar a favor dos egípcios. A mulher de Schnaft (que mantinha correspondência com seu antigo marido), contou a ele a história completa acerca da dupla identidade de Ulrich Schnaft. Em 1955, desde Ashkelon, o ex-marido logo encaminhou uma carta ao alto-comando de inteligência do exército de Israel, entregando Gabriel Zisman ou Ulrich Schnaft.
Imediatamente, treinados agentes do Mossad foram atrás de Gabriel Zisman ou Ulrich Schnaft e o encontraram em Frankfurt. Vivia oculto, em estado de extrema pobreza. Um dos agentes foi conversar com Schnaft dentro de um clube noturno. Apresentou-se como cidadão europeu e o convidou a almoçar no outro dia. Schnaft aceitou e para este almoço dois agentes foram ao encontro de Ulrich. Um deles era Shmuel Moriah, um judeu do Iraque que nos anos 40 havia sido responsável pela imigração ilegal de membros do movimento sionista iraquiano. Moriah era um homem do “Serviço de Inteligência de Israel”, emprestado ao Mossad. Já em Frankfurt, Moriah se apresentou como oficial iraquiano de nome Adnan-Ibn-Adnan.
Durante o almoço Shmuel Moriah se apresentou diante de Schnaft como cidadão iraquiano. Encerrado o almoço, justamente na hora de pagar a conta, Moriah deixou cair sua carteira com um documento (feito nos laboratórios do Mossad) que o credenciava como oficial do exército iraquiano. Ao levantar a carteira do chão, Schnaft acreditou estar diante de Adnan-Ibn-Adnan, um militar de alta patente do Iraque.
ADNAN-IBN-ADNAN
Schnaft, convencido de que seu novo amigo era iraquiano, lhe perguntou em tom afável: Como vai comandante? Saiba que eu, Gabriel Zisman, sou oficial do Exército de Defesa de Israel. Demostrando desinteresse, Moriah foi levado por Schnaft até sua casa e lá mostrou numerosas fotografias dele com uniforme do Tzahal. Agora sim, Shmuel Moriah e sua eficiente equipe tinham total certeza que Gabriel Zisman era Ulrich Schnaft, um Waffen SS que entrou a servir no Tzahal.
Enquanto observavam fotos, Moriah lhe sugeriu a Zisman que voltasse a Israel para retomar o exército e agir como espião a favor do “Serviço de Inteligência” iraquiano. Ao ver que Schnaft rejeitaria a proposta, Moriah lhe ofereceu a Zisman receber uma nova identidade com direito a cirurgia plástica que mudasse inclusive seus rasgos físicos. Logo Ulrich Scnaft se tranquilizou e acreditou que esta poderia ser uma ótima oportunidade de refazer sua vida.
Shmuel Moriah e Ulrich Schnaft viajaram juntos de Frankfurt a Paris. Moriah, que já conhecia perfeitamente Paris, levou Schnaft a um tour pelos charmosos restaurantes e cafés da cidade das luzes. No Réveillon de 1955 ambos estiveram divertindo-se na famosa boate “Lido”. Em 01/01/1956 Gabriel Zisman ou Ulrich Schnaft pegou um avião rumo a Israel com passaporte e nome falso. Agora se chamava David Waissberg. Por precaução, durante a viagem, carregava uma caneta que lançava um gás mortal, caso fosse descoberto.
CAPTURA E PRISÃO
Ao chegar ao aeroporto de Israel, Schnaft passou pela revista alfandegária e foi rapidamente pegar um taxi em direção a Tel Aviv. Estava sentado no banco traseiro do taxi, quando dois agentes do “Serviço de Inteligência de Israel” pularam dentro do taxi acomodando-se um de cada lado. Imediatamente, um lhe perguntou: Como prefere ser chamado, Gabriel Zisman ou Ulrich Schnaft?
O nazista foi levado imediatamente ao quartel de interrogatórios do “Serviço de Inteligência” localizado em Yaffo. Ele confessou ter participado das Waffen SS, e relatou pormenores de sua atribulada dupla identidade: sua participação nos grupos de elite nazistas, sua viagem a Israel fantasiado de judeu, o serviço militar, os encontros com oficiais egípcios e seus contatos com Adnan-Ibn-Adnan, homem do serviço militar iraquiano.
Os interrogadores do Serviço de Inteligência hesitaram se denunciavam ou não Ulrich Schnaft por haver revelado secretos do Tzahal ao exército egípcio ou por ter vindo até Israel para espionar a favor da inteligência iraquiano. Finalmente, o então Diretor do Mossad, Isser Harel (1912-2003), decidiu processá-lo por ter passado secretos aos egípcios.
O nazista Urlich Schnaft foi processado no Tribunal Distrital de Tel Aviv por revelar secretos ao inimigo egípcio, recebendo uma sentença final de sete anos de prisão. O SS cumpriu sua pena num cárcere de segurança máxima de Ramle. Após cinco anos foi libertado, voltou a Frankfurt, e desde então, perderam-se seus rastos. Há uma hipótese remota que Gabriel Zisman aliás Ulrich Schnaft se converteu em pastor luterano e apoia o Estado de Israel. Difícil saber se ele ainda continua vivo.