Este texto foi publicado na revista MORASHÁ 61, ano XV, julho 2008, págs. 53-58. Ele também foi reimpresso na REVISTA SHALOM No. 524, vol. IX, 15 de junho 2008, págs. 14-19.
Em 15 de maio de 2008, seis décadas depois que David Ben-Gurion declarou a independência do estado judeu, meu voo Lufthansa retornava a São Paulo. Eu acabava de participar da marcha da vida e das comemorações do 60º aniversário do estado de Israel.
Ainda anestesiado pelo forte impacto da minha segunda viagem à Polônia, tento refrescar lembranças para registrar os momentos vividos dias atrás, momentos que certamente servirão para extrair lições do passado e olhar com determinação e coragem para o futuro. Acompanhando jovens judeus na Marcha da Vida, não tive suficiente tempo para escrever um diário de viagem. Portanto, o que comentarei é espontâneo, provém de recordações recentes e idéias extraídas do fundo da alma. Não vivo de saudosismo e acredito no presente. Vejo estas reflexões, pois, como uma tentativa de reviver as emoções dos participantes.
Neste ano de 2008 a delegação brasileira foi a segunda em tamanho, perdendo apenas para a dos Estados Unidos, os idealizadores da “March of Living” há pouco mais de 20 anos. A comunidade judaica brasileira, através de suas instituições (Fundo Comunitário, B’nai Brith, Wizo e Escolas), levou 400 pessoas à Marcha. Para os participantes foi um acontecimento único, para ser contado a filhos, netos e bisnetos.
Minhas impressões sobre a Polônia estão sendo processadas. Emergem dos arquivos da memória e, portanto, é preciso registrá-las por escrito, pois a memória é traiçoeira e, consequentemente, tende ao esquecimento.
Polônia, cemitério do Povo Judeu
Durante a viagem, comentei com alguns alunos que havia comprado, em Jerusalém, um CD do compositor Yehuda Poliker intitulado Éfer Ve-Avak (“Cinzas e pó”). Foi lançado em 1988 e inclui a música do mesmo nome, cuja letra foi composta pela filha da sobrevivente Halina Birenbaum, prisioneira do campo de Auschwitz-Birkenau. O refrão dessa música diz:
“Veím at nossaat, lean at nossaat, ha-netzach hu rak éfer vê-avak, Veím at nossaat, lean at nossaat, shanim vê-klum od lo nimchak”.
“E se você viaja, para onde você viaja, A eternidade é apenas cinzas e pó… E se você viaja, para onde você viaja, os anos hão passado e nada foi apagado”.
Esta estrofe motivou inúmeras reflexões durante toda a minha viagem. Musicada por Poliker quando Halina Birenbaum decidiu visitar a Polônia pela primeira vez, após ter fugido da Europa, tenho certeza que este refrão deixou profundas marcas em cada um dos participantes da Marcha.
Aparentemente, a pergunta que pairava no ar era simples: Qual o sentido de realizar uma viagem até a Polônia? Para onde você viaja? E, se você viaja, saiba que as lembranças não passam de cinzas e pó. Acredito que cada participante da Marcha percebeu que a Polônia é o grande cemitério do Povo Judeu.
Segundo o rabino Israel Meir Lau, ex-rabino chefe ashquenazita de Israel e sobrevivente do Holocausto, “um lugar maldito na face da terra”. Nele foi destruída por completo a vida comunitária de nosso povo, uma vida construída com muito amor e dedicação através das gerações. Utilizando trabalho escravo, lá foram edificados campos de extermínio como Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Majdanek, Belzec, Sobibor e Chelmno; todos destinados a apagar qualquer vestígio de vida para render culto à morte.
O judaísmo jamais concordou com qualquer filosofia de vida que pregasse a destruição do outro. Na viagem aprendemos, também, como engrandecer os ensinamentos do Rabi Itzchak Nissenbaum, que foi assassinado pelos nazistas no Gueto de Varsóvia. O rabino Nissenbaum ensinava: “Viver, para um judeu, é mais que uma vontade, é um dever; viver é uma mitzvá. Quando agrediam nossa alma, subíamos alegremente às fogueiras, para a Santificação do Nome de D’us (Kidush HaShem). Agora, porém, quando são visados os nossos corpos, começa a época da Santificação da Vida – Kidush Hachaim”.
Cracóvia judaica, Cazimierz e suas sinagogas
A Marcha da Vida 2008 das escolas judaicas de São Paulo contou com aproximadamente 150 alunos, além da equipe coordenadora. Com uma formação característica dos movimentos juvenis sionistas, começava a programação. O lugar para iniciar nossa visita foi a Rua Szeroka, artéria principal do bairro judaico de Cazimierz, em Cracóvia.
Cracóvia é a mais bela das cidades da Polônia e seu centro histórico foi incluído pela Unesco, em 1978, na lista dos Patrimônios da Humanidade. A Marcha havia chegado não só para visitar sinagogas, mas, também, para reviver momentos de um judaísmo vibrante e sábio. O bairro de Cazimierz é o lugar que possui mais sinagogas por metro quadrado. Nosso programa incluía uma visita a quatro delas: a Alt Schul (Antiga Sinagoga), a Sinagoga Rema, com seu cemitério, a Sinagoga Izaaka e a Sinagoga Tempel.
Alt Schul é a sinagoga mais antiga da Polônia. Construída no século 15, funcionou como depósito de armas durante a ocupação nazista. A bimá (altar para leitura da Torá) foi totalmente reconstruída. O Aron Hacodesh (Arca Sagrada) possui murais antigos e uma cupá de tzedacá (caixa de donativos) para atender os necessitados. Atualmente, esta sinagoga possui um acervo de objetos históricos e religiosos da comunidade local e mantém uma mostra fotográfica permanente sobre a vida judaica antes do Holocausto.
A Sinagoga Rema está localizada na Rua Szeroka e está aberta em determinadas épocas do ano. Sua construção é de 1556 e foi um presente de Josef Isserles para seu filho, Rabi Moshe Isserles, o “Rema”. Foi reconstruída durante os séculos 17, 18 e 19. Restaurada em 1933, foi reaberta em 1945 e funciona até os nossos dias. A placa da fundação continua ao lado da Arca Sagrada, junto à poltrona em que o Rema costumava sentar para rezar. Ao lado dessa construção encontra-se o cemitério judaico de Cracóvia, o mais antigo da Polônia. Fundado em 1552, está interligado com a casa de orações.
A Sinagoga Izaaka foi fundada em 30 de abril de 1638 pela comunidade, a kehilá de Cazimierz, que era presidida por Ajzyk Jekeles (Izaak Jakubowicz). Restaurada entre 1994-1995, nela podemos observar murais de grande valor artístico. Na frente desta sinagoga funcionou durante anos o mercado de peixes, lotado às sextas-feiras antes do Shabat.
A Sinagoga Tempel, também conhecida como Sinagoga Postepowa, data de 1840. Fundada pela Associação Religiosa e da Civilização, dirigida de Abraham Gumplowicz, foi inaugurada em 1862. A sinagoga contava com um predicador, um guia espiritual e moral, um professor de religião além, é claro, de um rabino. O modelo progressista alemão estava presente na linha religiosa adotada pela sinagoga. O culto religioso, distante da linha tradicional, incluía um sermão semanal em alemão ou polonês. A liturgia incluía músicas e um coral. No período entre as guerras mundiais, as mulheres começaram a participar do coral. Em 1890, o prédio passou por uma última reforma. Os vitrais possuem os nomes de seus doadores.
Varsóvia, reverenciando o heroísmo
Quando os jovens da Marcha chegam a Varsóvia percebem a falta de qualquer vestígio de vida judaica. Restam apenas partes do muro do Gueto e o Umschlagplatz, lugar da deportação dos judeus rumo a Treblinka. Os monumentos da rota do heroísmo constituem um conjunto de 19 pedras de mármore preto com nomes de figuras do universo judaico na Polônia, tais como Joseph Filkenstein-Labertowski, Arié Wilner, Mordechai Anielevich, Itzhak Katzenelsohn, Emanuel Ringelblum, Abba Kovner, entre outros.
Percorrer depois a Rua Mila, eternizada por Leon Uris na sua clássica obra Mila 18, é uma experiência única. Costumo dizer aos meus alunos que a Rua Mila ainda existia, mas não o número 18. Em Varsóvia, o sítio onde se localizava o bunker de Anilevich e colegas da ZOB (Organização Judaica de Combate, criada dentro do gueto) sumiu da face da terra. Em seu lugar, um modesto monumento tenta relembrar o heroísmo dos judeus combatentes. Enquanto os alunos liam o Hino dos Partisanos, eu comento que, na minha época, estudávamos esse canto em iídiche. Eles pediram, então, que eu o entoasse neste idioma. Tive vergonha e disse que não sabia cantar. Foram persistentes e me convenceram. Aquele momento era todo especial. Achei que, mesmo desafinando, valeria a pena atender o pedido. Afinal, seria marcante nas suas recordações. Emocionado, com timidez, comecei:
“Zog nit keynmol az du geyst dem letstn veg, / himlen blayene farshteln bloye teg; kumen vet noch undzer uysgebenkte sho, / S’vet a poyk ton undzer trot – mir zaynen do”.
Na segunda vez, com a voz totalmente embargada pela emoção, os jovens já cantavam comigo. Gostaria que poloneses e alemães nos escutassem. Seria fantástico!
Auschwitz e a Marcha
Estive em Auschwitz-Birkenau em julho de 2007 com minha esposa, Anete. Ficamos um dia visitando essa indústria da morte. Estávamos revoltados com todo o acontecido diante do sofrimento dos judeus. Este ano de 2008 visitei o lugar com alunos e a emoção é totalmente diferente. Afinal, são eles os que me ouvem, o ano inteiro, falar sobre o Holocausto do Povo Judeu.
Como na noite do Seder, no exato momento do Ma Nishtaná, os jovens me perguntaram: “Por que foi diferente esta viagem da anterior?” Eu respondi: “Foi diferente pelo fato de me emocionar e, ao mesmo tempo, fazer uma leitura dos sentimentos alheios”. Vi como os jovens são sensíveis e frágeis. Vi também como captavam cada etapa da viagem com diferentes tonalidades. Choravam juntos e separados. Mesmo se ocultando atrás de óculos escuros ou se afastando do lugar das explicações para não demonstrar fraqueza, percebia-se em alguns um forte sentimento de raiva diante das atrocidades cometidas. Estavam todos inconsoláveis.
Por que o justo sofre? Não havia como explicar através do racional. Alguns se apoiavam nos ombros dos outros. Outros desviavam seus olhares das vitrines com cabelos e tranças, óculos, bolsas e malas, talitot, tefilin, sapatos, roupas de adultos e crianças, escovas de dentes e milhares de objetos pessoais confiscados dos prisioneiros judeus. Estavam inconformados.
Eu os vi lacrimejando. Choraram ao ver beliches das prisioneiras em Birkenau e crematórios em Maidanek. Estavam indignados. Foram cenas bonitas, dignas de adolescentes judeus comprometidos com sua própria identidade. Acho que as lembranças de uma viagem à Polônia ficam gravadas pelo resto da vida. Tenho dois filhos e sou um educador. Em uma era de globalização e indiferença generalizada diante da dor que aflige a humanidade, ver jovens em prantos me emociona. A Marcha da Vida 2008 nos fez caminhar de Auschwitz até Birkenau. A distância não é grande. Entrar pelo portão principal de Birkenau com sobreviventes, filhos e netos de sobreviventes, enche-nos de orgulho. Entoar o Hatikva na imensidão de Auschwitz é a maior resposta que o Povo Judeu pode dar a seu algoz nazista. Estar em Birkenau com mais de 10 mil participantes de 52 delegações judaicas é sentir na própria carne a universalidade de nosso povo. Enrolar-se na bandeira de Israel é a forma mais nobre de dar uma resposta aos carrascos de Hitler.
Já na cerimônia, mesmo com o barulho da Marcha, escutar as palavras de conforto do rabino Meir Lau e do Chefe do Estado-Maior de Tzahal (Forças de Defesa de Israel), general Gabi Esquenazi, era visualizar um círculo que se iniciava com um sobrevivente órfão (Rav Lau chegou com apenas oito anos a Israel) e se encerrava com um sabra (filho de sobreviventes), que atinge hoje o cargo mais alto nas Forças de Defesa de Israel. Birkenau representa a barbárie, a ruptura completa da dignidade humana. Birkenau está na contramão da civilização e do progresso. Por isso, talvez, o escritor Primo Levi (1919-1987), em um trecho de sua obra mais citada, É isso um Homem?, traz uma mensagem a ser gravada com letras de fogo no fundo dos corações:
“Vocês que vivem seguros,
em suas cálidas casas,
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos, pensem bem se isto é um homem, que trabalha no meio do barro, que não conhece paz, que luta por um pedaço de pão,
que morre por um sim ou um não.
Pensem bem se isto é uma mulher, sem cabelos e sem nome, sem mais força para lembrar, vazios os olhos, frio o ventre, como um sapo no inverno. Pensem que isto aconteceu:
Eu lhes mando estas palavras,
Gravem-na em seus corações,
Estando em casa, andando na rua,
Ao deitar, ao levantar,
Repitam-nas a seus filhos.
Ou, senão, desmorone-se a sua casa,
a doença os torne inválidos,
ou seus filhos virem o rosto para não vê-los”.
Os participantes da Marcha aprenderam nesta viagem que toda tentativa de encontrar uma explicação lógica e racional para o Holocausto fracassou. Jamais poderemos entender como se permitiu o extermínio sistemático de seis milhões de seres humanos. Parafraseando Elie Wiesel, tudo que temos de fazer é ler livros de história, checar os documentos, folhear as enciclopédias e prestar atenção às testemunhas. Como historiador da História Judaica, faço minhas as palavras de Wiesel: “Vocês (jovens) têm a obrigação de saber cada vez mais. Dar as costas a este triste capítulo da história significa desejar o esquecimento. Resistir a conhecer os acontecimentos é uma prova de total arrogância e indiferença”.
Lodz, gueto e deportação
A visita a Lodz era nova, tanto para mim como para os participantes da Marcha 2008. Todos sabiam que quando eclodiu a 2a guerra lá viviam 233 mil judeus (quase um terço da população total) e que lá havia um gueto muito importante. Quando os alemães desmantelaram o Conselho dos Judeus, escolheram Chaim Rumkowsky como chefe do Judenrat. Ele foi uma figura controversa e pouco querida pelos seus irmãos, judeus.
Em Lodz não havia campos de morte, mas era da Radegast (tipo de Umschlagplatz) que os nazistas deportavam sem compaixão. E, mesmo sem estar dentro do campo de concentração, o lugar permitiu que os jovens experimentassem na pele o sofrimento da deportação em vagões superlotados. Entraram em um vagão exposto e recriaram na imaginação uma superlotação de 100 pessoas espremidas em um espaço diminuto. Os alunos vivenciaram a sensação de asfixia e o desespero que tomou conta das pessoas na hora da separação dos entes queridos. Tentaram imaginar as comovedoras despedidas através de cartas e bilhetes enviados a familiares. Uma jovem adolescente me perguntou se eu gostaria de ler a carta de despedida que havia escrito como parte da tarefa solicitada. Recordo com emoção o conteúdo, aquelas tristes frases registradas pela aluna na plataforma do trem.
Lodz trouxe também à nossa lembrança a figura de Olga Benário, (a mulher do líder comunista Luiz Carlos Prestes), uma judia deportada para o campo de Ravensbrüch pelo governo Getúlio Vargas. O livro Olga, de Fernando Moraes, estava fresco na memória de todos. Passamos uma manhã inteira na cidade fazendo uma atividade original. Entramos dentro de um túnel escuro com velas na mão, para checar as listas dos judeus deportados. Cada um dos estudantes acendeu uma procurando nomes de possíveis familiares originários de Lodz. Alguns jovens acharam seus próprios sobrenomes nas listas, mas não sabiam se esse ou aquele nome fazia parte de suas genealogias. A visita a Lodz valeu pelo simples exercício de imaginação, pela familiarização com os sobrenomes ashquenazim e por tê-los aproximado à crua realidade dos tempos da guerra. São essas vivências marcantes que uma aula na escola, mesmo dispondo da mais avançada tecnologia moderna, não consegue reviver.
Lublin, ieshivá e campos de extermínio
A cidade de Lublin (com 40% da população composta por judeus) era um enigma histórico. A visita à ieshivá me tomou de surpresa. Esperava avistar um prédio antigo, caindo aos pedaços, livros de estudo e de reza dentro do recinto. Nada disto aconteceu. Lá encontrei um edifício de cor amarela, totalmente reconstruído. Os livros também desapareceram das prateleiras do seminário de estudos.
A atividade proposta pela equipe da Marcha não era nova para jovens acostumados a ver um daf yomi (estudo diário de folha talmúdica). Precisávamos reviver o clima típico da ieshivá; aquele barulho salutar gerado pelas discussões entre chavrutot (grupos de estudo). De repente, após as explicações, escutávamos as vozes subindo o tom da conversa, para depois entrecruzar-se e, finalmente, misturar-se e ecoar com força estridente na enorme sala em que nos encontrávamos.
Na visita à região de Lublin eu sabia que o pior ainda estava por vir: visitar Maidanek e Treblinka. Pelas pesquisas, sabia que são campos diferentes entre si. Enquanto Maidanek se nos apresenta tal qual funcionou (a semelhança com Auschwitz é grande), o campo de Treblinka (com uns 5 mil hectares) não passa de um campo de futebol repleto de pedras e monumentos de recordação para cada uma das comunidades para lá deportadas. Neste lugar maldito os alemães assassinaram 800 mil judeus, entre eles o Dr. Janusz Korczak e as 200 crianças do orfanato de Varsóvia.
Em Maidanek, caminhamos todos juntos. As barracas ali localizadas eram pequenos museus. Cada uma diferente da outra. Servem para lembrar a tragédia pessoal e coletiva. Os participantes visitam uma impressionante barraca repleta de sapatos de todos os tamanhos. O dia da visita esteve chuvoso e com direito a granizo. Mas logo percebi que nenhum dos jovens estava preocupado por se molhar naquela chuva torrencial. Naquela hora, as mentes deviam imaginar judeus de todas as idades, crianças e adultos, com quase nada de roupa e poucas calorias, realizando trabalhos forçados no próprio campo. A rigor, quem se importaria em se molhar ou passar frio?
Em Treblinka, a sensação era outra. Mesmo sabendo que foi um campo de extermínio construído por prisioneiros, ele está completamente tomado por monumentos de pedra. O elemento humano sumiu e fica difícil imaginar a rotina do campo. Treblinka foi o campo de morte escolhido para uma última formação da Marcha 2008. Lembro que os jovens se mostravam inquietos.
Era a despedida da Polônia. Todos estavam saturados daquele enorme cemitério chamado Polônia e queriam chegar rápido a Israel. Na ocasião, Celso Zilbovicius, um dos coordenadores da Marcha, pediu desculpas “por tê-los trazido desde tão longe a este lugar de morte”, fazendo uma clara referência à Polônia como um todo. Eu penso um pouco diferente. A visita à Polônia deve ser para todo jovem judeu uma espécie de rito de passagem, um passo obrigatório para fortalecer sua identidade e valorizar a vida. Não nos enganemos: todas as tentativas de inculcar valores judaicos nas escolas judaicas ou movimentos juvenis são extremamente válidas, mas ainda estão longe do impacto que produz uma visita grupal à Polônia.
Últimas considerações
Voltei da Marcha 2008 para continuar minha tarefa de educador. Encerro estas linhas lembrando a pergunta formulada aos jovens participantes pelo nosso guia, Daniel Segal: “O que vocês vieram buscar na Polônia?”. Ele comentou a visita da sobrevivente de Auschwitz e Maidanek, Halina Birenbaum, e citou a pergunta mais marcante da viagem, com a qual comecei este artigo: “Veím at nossaat, lean at nossaat?” (Se você viaja até a Polônia, aonde você vai?).
E já no fim desta jornada, ainda com olhos marejados, pergunto novamente a esses jovens: “O que vocês vieram buscar na Polônia?”
Desconheço o que vocês vieram buscar, mas direi a vocês o que eu vim buscar. Eu vim redescobrir na Polônia uma herança cultural judaica dilacerada. Eu vim buscar na Polônia milhares de vozes silenciadas. Eu vim resgatar a infância perdida de um milhão e meio de crianças. Eu vim acalmar os gemidos, a dor e o sofrimento dos inocentes prisioneiros confinados nos campos da morte de Auschwitz, Treblinka, Majdanek, Belzec, Chelmno e Sobibor. Eu vim reencontrar na Polônia parte de minha família materna. Os irmãos de meu zeide Zelik Turkenich z”l foram brutalmente assassinados pelos nazistas e seus comparsas.
E, finalmente, eu vim buscar na Polônia algo que, atualmente, está em falta no mundo: amor, tolerância e compreensão. São estes os caminhos que devem guiar o mundo, pois o ser humano é muito pequeno.
Que essa lição de vida oferecida pela Marcha da Vida 2008 ilumine todos os jovens participantes.