A “Guerra do Paraguai”, os Rotschilds e Francisco Leão Cohn: 1865-1870.

O Imperador D. Pedro II (1825-1891), admirador incondicional da cultura judaica, participou de forma ativa do conflito político militar com o Paraguai, e assumiu uma centralidade jamais obtida nos campos social e cultural. No entanto, para os historiadores, se esta guerra representa o apogeu do Segundo Império, ao mesmo tempo significa o início de sua abrupta queda.
A imagem de rei guerreiro, tão distante de seu perfil humanista, começou a ganhar enorme popularidade por volta de 1860; época em que Pedro II começou a estudar com afinco a língua hebraica. Mas, segundo o historiador Oliveira Lima “o imperador estava muito longe de ser um chefe marcial e não se interessava por assuntos bélicos. D. Pedro II exagerava inclusive em seu paisanismo”.
A “Guerra do Paraguai” não foi tão curta como todos imaginavam, ela demorou cinco anos (1865-1870) e neste período de tempo o governo brasileiro dedicou-se tanto a ela, que ficou quase sem tempo para executar reformas internas. O conflito acarretou enormes gastos e desencadeou um déficit orçamentário ainda existente por 1889, últimos anos do Império.
Apesar da indiscutível vitória militar brasileira, a “Guerra do Paraguai” deixou um saldo calamitoso, pois em combates, epidemias e fome morreram mais de um milhão de seres humanos entre civis e militares. O Brasil Império pagou caro pela vitória, e a perda da guerra significou para os paraguaios não só a queda definitiva do presidente Solano Lopes, como também a destruição do Estado nacional moderno.
No fim da guerra contra o Paraguai, (financiada pelos bancos “Baring Brothers” e “Rotschild & Sons”), as despesas do Império brasileiro atingiram o dobro de suas receitas. Em compensação o exército, ainda em formação, consolidava-se como uma força nova e expressiva na vida nacional. Desenhava-se no cenário político, o inevitável futuro, que desembocaria na abolição da escravatura e na proclamação da República.
Os Rotschilds não só financiaram o fim dos conflitos com o Paraguai. Apesar de não residirem no Brasil, alguns membros da família judaica tiveram ligação direta com a história econômica e financeira do país. Não é secreto que o banco “Rotschild & Sons”, espalhado pelos quatro cantos da Europa (Suíça, França, Áustria e Inglaterra); operava desde Londres e financiava o nascente Império aqui nos trópicos.
Os três acionistas britânicos do banco eram: o Barão Lionel Nathan Rotschild (líder do braço inglês), sir Anthony Rotschild e Meyer Karl Rotschild. No lucrativo portfólio dos Rotschilds londrinos estava o financiamento da “Campanha de Wellington”, da “Guerra da Criméia”, e o controle do recentemente inaugurado Canal de Suez. Dentre os investimentos mais relevantes destacamos a construção de ferrovias na França e na Áustria, financiamento de contas dos governos de Nápoles, Reino das Duas Sicilias (1816-1861) e do Brasil. A ligação com o maior país dos trópicos surgiu através da dinastia da Sicília, uma vez que a Imperatriz Tereza Cristina, esposa de D. Pedro II era princesa das Duas Sicilias.
O historiador Jorge Caldeira, autor de uma das mais completas biografias do Barão de Mauá, comenta que num mundo difícil para os negócios, o caso do cliente brasileiro era relativamente simples, pois o governo nunca discordava de seu banqueiro; até porque o Barão Lionel Nathan Rotschild encarregava-se, ele mesmo, de aplicar o dinheiro pessoal do embaixador Carvalho Moreira. Esperto e ágil para os negócios, o embaixador brasileiro desejava ser o agente brasileiro dos Rotschilds. Acertou com o Barão Lionel, tornou-se obediente, e logo depois comprou uma casa em Londres onde oferecia festas. As sólidas relações entre Lionel Rotschild e Carvalho Moreira ajudavam a aumentar os ganhos da Coroa com operações especulativas paralelas, sempre muito seguras.
Os empréstimos para a construção da Estrada de Ferro D. Pedro II, solicitada pelo Barão de Mauá, foram realizados pelos Rotschilds. Na longa lista de acionistas da “São Paulo Railway” em 22/12/1859, apareciam outros judeus londrinos, dentre eles: Isaac Goldsmid com 100 ações, Ansel Mayer (primo dos irmãos Rotschild) com 348 ações, Henri Louis Bischoffshein com 200 ações e Benjamin Cohen com 1.000 ações.
José Buschenthal foi outro financista judeu. Efetuou transações com o Tesouro Nacional obtendo do Império o monopólio da venda de sal, que lhe rendeu imensos proventos. Em 1830, Buschenthal começou a interessar-se seriamente pelo Brasil. Casou-se com D. Maria Benedita de Castro Pereira, uma das filhas da Baronesa de Sorocaba, negociou empréstimos e outras tantas operações financeiras, participando também no fornecimento de armas e uniformes para o exército brasileiro, prestes a lutar na “Guerra do Paraguai”.
Além de obter honrarias como banqueiro e diplomata, José Buschenthal foi diligente casamenteiro que negociou matrimônios imperiais da época. O famoso Patriarca da Independência José Bonifácio não gostava de Buschenthal e costumava dizer a seu secretário particular: “não vai entregar nas mãos de um traste os meus interesses pecuniários”.
A partida de Pedro II para o campo de batalha na fronteira sul, vestindo seu “poncho” à moda gaúcha, foi uma atitude inesperada que despertou certa perplexidade entre os brasileiros mais intelectualizados. Segundo Joaquim Nabuco, a reação não combinava com o homem estudioso e insaciável das ciências “para quem o militar era se não uma inutilidade, uma necessidade que ele quisera utilizar melhor; em vez de um militar, um matemático, um astrônomo, um engenheiro”.
Outro fato marcante acontecido durante a “Guerra do Paraguai” foi a atuação de um destacado soldado judeu na batalha. O judeu Leão Cohn, natural da região de Alsácia, é tido como o primeiro israelita a entrar no Brasil, em 1808, após abertura dos portos pelas autoridades. Seu filho mais velho Francisco Leão Cohn, seguiu a carreira militar e, em 5 de dezembro de 1842, (por ocasião do aniversário do Imperador D. Pedro II), foi condecorado com a medalha “Cavaleiro da Ordem de Cristo”, uma distinção reservada apenas a militares de fé católica. Em 1849, Francisco se tornaria “Cavalheiro da Ordem da Rosa”, distinção ainda mais elevada.
Durante a “Guerra do Paraguai”, a Guarda Nacional foi solicitada. Em 26 de fevereiro de 1865, o primeiro contingente de soldados saiu do porto de Rio de Janeiro sob o comando de Francisco Leão Cohn. Cabe lembrar que foi o próprio Imperador Pedro II quem entregou a bandeira nacional a este judeu no momento do embarque das tropas. Na cerimônia registrou o monarca: “Confiando-lhe este penhor, espero que conserveis e o defendais como bom brasileiro”. Encerrada a guerra, Francisco Leão Cohn obteve o tão procurado título de coronel da Guarda Nacional.
Encerraremos este artigo com duas frases acerca da repercussão produzida pela “Guerra do Paraguai”: a primeira de um europeu e a segunda de um brasileiro. O aventureiro sir Richard Burton (1821-1890), tido como o primeiro ocidental a visitar a cidade de Meca durante uma peregrinação (hadj), prestando serviços diplomáticos à Grã Bretanha em Santos durante a “Guerra do Paraguai”; afirmou o seguinte acerca do teatro de operações: “Trata-se de um embate entre uma humanidade paleolítica que luta com fuzis antigos e canoas rústicas (Brasil) contra três nações muito poderosas (Paraguai, Argentina e Uruguai) que dispunham dos armamentos e das belonaves mais modernos”.
Passados 24 anos do fim da “Guerra do Paraguai”, em crônica escrita em 1894 pelo escritor Machado de Assis; encontramos a seguinte frase: “Não há dúvida de que os relógios, após a morte de Solano Lopez, andam muito mais depressa”.
Como sabemos, a esta altura dos acontecimentos, a República já tinha vida própria e o Império que governou o país por décadas, estava praticamente sepultado.
BIBLIOGRAFIA
Caldeira, Jorge, Mauá: Empresário do Império. Companhia das Letras. São Paulo 1995.
Faingold, Reuven, Luzes do Império: D. Pedro II e o mundo judaico. Catálogo da exposição realizada pela Casa de Cultura de Israel e o SESC São Paulo, 12 de agosto até 07 de setembro 1999. Exposição iconográfica com 105 reproduções de originais. SESC Vila Mariana em São Paulo.
LIMA, Manuel de Oliveira. O Império brasileiro. São Paulo: USP, 1989.
RICE, E., Sir Richard Francis Burton: A Biography. Cambridge 2001.
WOLFF, Egon e Frieda, D. Pedro II e os Judeus. Editora B’nai Brith S/C, 1983, págs. 18-10 e 54-55 (Apêndice).
WOLFF, Egon e Frieda, Dicionário Biográfico, II – Judeus no Brasil – século XIX, Rio de Janeiro 1987, pág. 101.