Água do Jordão nos batizados dos filhos de D. Pedro II

No decorrer do século 19 os filhos da nobreza imperial brasileira chegavam e partiam.  Não foi diferente com os filhos de D. Pedro II e a Imperatriz Teresa Cristina. Aconteceu com o primeiro rebento, segurado pelos braços do pai orgulhoso, quem exclamou em 23 de fevereiro de 1845 “ter nascido um príncipe de Deus”. A criança recebeu o nome de Afonso Pedro. Não teve como único nome Pedro, afirmam biógrafos, pois se temia a tradição da “Casa de Bragança” segundo os quais primogênitos morriam ainda pequenos.

A criança foi conduzida até a pia batismal com fervor e devoção, pois desta forma afastava-se qualquer dúvida que pairasse sobre a sucessão do Imperador. D. Pedro II deixava de ser o “órfão da nação”, como era conhecido, para ser o chefe da casa brasileira, sadia e fecunda.

Depois do nascimento do primeiro, multiplicavam-se os filhos. Nas diversas cartas guardadas no Museu Imperial abundam os termos “estimo que tenhas passado bem, assim como nosso Afonsinho”. Lemos também “nosso pequeno Afonsinho está bem alegre e não me canso de beijá-lo por ti”. Numa terceira aparece “rogo-te que me escrevas frequentemente”. E ele, o monarca do Brasil responde: “um abraço do teu esquecido Pedro”.

Passou-se pouco mais de um ano do nascimento do Príncipe Afonso Pedro. Em 29 de julho de 1846 nascia a Princesa Isabel, cujo nome honrava sua avó materna e duas rainhas santas, a da Hungria, sua patrona, e a de Portugal. Teve seu batizado com água originária do rio Jordão, na Terra Santa.

No documento “Dois ofícios do Hospício da Terra Santa sobre baptizados dos príncipes com água do Rio Jordão. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1847. 13 de setembro de 1848. Original, manuscrito de 3 folhas. Seção Obras Raras BNRJ, 1-35, 10, 21”; arquivado na BNRJ (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro), encontramos uma carta assinada pelo Padre Fr. Leonardo da Encarnação Santa Anna e pelo Sr. Antônio Alves da Costa Pinto, na qual Sua Majestade [Pedro II] é informado da existência de água do rio Jordão para o batizado da Princesa Isabel, recém nascida. Diz o referido documento:

“Ilmo. [Ilustríssimo] e Exmo. [Excelentíssimo] Senhor.

Participamos a V. [Vossa] Exa. [Excelência] que tendo nós dado as necessárias providências, afim de que houvesse no Hospício da Terra Santa desta Corte, ágoa do Rio Jordão, que deve servir nos Baptizados dos Sereníssimos Príncipes, como he de antigo costume; temos a satisfação de comunicar a V. Exa.

Que com effeito existe a disposição de S.M. I [Sua Majestade Imperial] a que for necessária para o futuro Baptizado de Sua Alteza a Serenissima Princeza recém nascida.

Deos guarde a V. Exa. Hospício da Terra Santa na Corte do Rio de Janeiro, em 18 de agosto de 1847.

Ilmo e Exmo. Senhor Conselheiro, Ministro e Secretario dos Negócios do Império.

Fr. Leonardo da Encarnação Sta. Anna.

Antônio Alves da Costa Pinto”.

A data 11 de junho de 1847 representou o fim dos dias felizes para a família imperial. Morreu o príncipe D. Afonso Pedro de convulsões. Um mês depois, em 13 de julho de 1847 nascia a Princesa Leopoldina, nome da primeira Imperatriz.

Em breve espaço de tempo chegaria o filho homem desejado: D. Pedro Afonso veio ao mundo em 19 de julho de 1848. Mas, de repente, como num passe de mágica, a maldição da Casa de Bragança assolou a Casa Imperial. Em 9 de janeiro de 1850, D. Pedro Afonso, ainda na flor da idade, “terminou sua preciosa existência na Imperial fazenda de Santa Cruz”.

No mesmo documento acima citado “Dois ofícios do Hospício da Terra Santa sobre baptizados dos príncipes com água do Rio Jordão…” fomos informados acerca da chegada de água do Rio Jordão para o batizado do Príncipe D. Pedro Afonso. Reza o documento:

“Ilmo. e Exmo. Senhor,

P.A em 14 de setembro de 1848.

Participo a V. Exa. [Vossa Excelência] que se acha no Hospício da Terra Santa desta Corte, ágoa do Rio Jordão que deve servir no Baptizado de Sua Alteza o Sereníssimo Príncipe Imperial como he de antigo costume, e afim tenho a satisfação de comunicar a V. Exa., que em efeito existe a disposição de S.M.I, a que for necessária para o futuro Baptizado.

Deos guarde a V. Exa. Hospício da Terra Santa na Corte do Rio de Janeiro, em 13 de septembro de 1848. I

llmo. e Exmo. Senhor Conselheiro, Ministro do Império.

Fr. Leonardo da Encarnação Santa Anna”.

A morte do último futuro herdeiro foi considerada pela imprensa brasileira da época como “uma calamidade!”. O povo apinhado nas ruas viu em silêncio passar o pequeno caixão. O Imperador se voltou para as duas filhas, Isabel e Leopoldina. Era um pai devotadíssimo. Fazia leituras para as meninas, dava-lhes lições de matemática e latim, explicava-lhes física. Escolhia praticamente a dedo os professores de inglês, alemão, mineralogia, geologia e história.

Sofrimento e tristeza marcaram a mãe e rainha Tereza Cristina. O luto era sinal de derrota e a Imperatriz não procriaria mais. Experimentou uma dor sombria e silenciosa. Estes sentimentos caracterizaram o casal dia a dia. Ela permaneceu corajosamente no círculo dos seus deveres, na esperança que este procedimento lhe restituísse seu “querido Pedro”. Porém, isto não aconteceu. Concentrou-se, então, nas filhas. Participava com elas dos ritos da Semana Santa. Iam juntas ver as máscaras no Carnaval.

Já há alguns anos, a família imperial e os diplomatas estrangeiros se habituaram a subir a serra no verão para fugir do calor e das febres que assolavam o Rio de Janeiro. Segundo biógrafos, em Petrópolis, o imperador parecia um cidadão comum. Vestido de casaca preta, chapéu alto, insígnia do Tosão de Ouro na lapela, passeava pela pequena cidade, colhia flores no jardim e ia à exposição no Palácio de Cristal. Apreciava tomar duchas, moda que se instalava na capital. Registrava num “Diário” suas atividades: acordar as seis; estudar grego ou hebraico até sete; passear até oito; de novo, grego ou hebraico até às dez. Almoço. Do meio dia as quatro, estudos ou exame de negócios; jantar ás quatro, passeio até cinco e meia, escrita do diário das nove às onze quando ia dormir.

Raramente o casal oferecia recepções ou bailes e tampouco, os frequentava. O imperador não dançava e optou por um excesso de informalidade. Gustave Aimard (1818-1883), romancista francês conta na obra “Mon Dernier Voyage, Le Brésil Nouveau” (1886) que certo dia, estando de passagem no Rio de Janeiro em 1879 entrou pelo palácio sem que ninguém o incomodasse. Logo ele perguntou por D. Pedro. “Em frente, na segunda porta à esquerda”, respondeu um camarista.

Nos primeiros sábados de cada mês, o imperador do Brasil recebia o corpo diplomático. Nos sábados seguintes, havia audiência pública de cinco às sete horas da tarde. Qualquer um podia entrar, até “o mais humilde negro em chinelos ou pés descalços”, contou um visitante. Outro ainda se recordava que certa feita, uma senhora negra deixou cair papéis ao chão. D. Pedro abaixou-se para pegá-los. Em geral, ele anotava as queixas da população e as repassava aos ministros.

O palácio de São Cristóvão era “mobiliado pobremente e malconservado”, segundo vários observadores. Tal despojamento era mal visto pelos estrangeiros, mesmo pelos republicanos, que passavam pelo Brasil. Sem o prestígio das cerimônias e das práticas usadas nas diferentes Cortes europeias, a brasileira parecia “um galinheiro”, segundo testemunho do jurista e diplomata Vicente Quesada (1812-1877), um chileno de presencia frequente no Rio de Janeiro.

Em 7 de setembro de 1872, o império comemorou o cinquentenário de sua Independência com festas nas províncias. Durante quase duas décadas, D. Pedro II esteve à frente de um país sem grandes tribulações. Quatro anos antes do jubileu, porém, a paz política tinha começado a se despedir do Imperador. A demissão de um gabinete liberal e a nomeação do Duque de Caxias, um ferrenho conservador para o comando do exército brasileiro na “Guerra do Paraguai”, deu início a uma sucessão de acontecimentos que só cessaria com sua destituição em 1889.

Afetado pelo diabetes e a insuficiência cardíaca, o imperador D. Pedro II alheava-se do mundo.  A volta dos liberais, em 1878, não acalmou a nação. Como registra o historiador Capistrano de Abreu (1853-1927), “a questão religiosa, as mortes sucessivas de Caxias, Osório, Rio Branco, Nabuco, Alencar e Zacarias, o clamor abolicionista e a fermentação republicana partiram o edifício imperial de alto a baixo. Só o imperador não dava por isso, embebido em seus estudos de sânscrito, árabe, persa, hebraico e tupi”.

Era sem dúvida alguma o fim de uma época.

Bibliografia

Aimard, Gustave, Mon Dernier Voyage: Le Brésil Nouveau, Paris 1886. Também em edição crítica: Gustave Aimard, Mon dernier voyage, Le Brésil Nouveau. Édition critique présentée, établie et annotée par Régis Tettamanzi, Arras, Artois Presse Université, 2020.

“Dois ofícios do Hospício da Terra Santa sobre baptizados dos príncipes com água do Rio Jordão. Rio de Janeiro, 18 de agosto de 1847. 13 de setembro de 1848”. Original, manuscrito de 3 folhas. Seção de Obras Raras BNRJ, 1-35, 10, 21.

Faingold, Reuven, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876. Editora e Livraria Sêfer. 1ª edição. São Paulo 1999. 2ª edição ampliada 2021.

Marin, Richard, Gustave Aimard, Le Brésil Nouveau. Mon Dernier Voyage, L’Ordinaire des Amériques, Comptes rendus, Online since 10 February 2021, connection on 18th June 2022. URL: http://journals.openedition.org/orda/5763

Mary del Priore, Histórias da Gente Brasileira: Império. vol. 2, Editora LeYa, 2016.

Reis, J. C. Capistrano de Abreu, O surgimento de um povo novo: o povo brasileiro. Revista de História, No. 138 (1998), págs. 63-82.