Amizade em tempos de guerra: “O menino do pijama listrado”

Classificar uma obra literária como apropriada para adultos, adolescentes ou crianças parece aparentemente fácil. Certo? Errado. Tente por um momento inserir em alguma categoria destas “O Pequeno Príncipe” de Antoine de Saint Exupéry ou “A Ilha do Tesouro” de Robert Stevenson ou o “Diário de Anne Frank”? Pois é… Fica difícil, afinal estamos lembrando obras que resistem ao tempo por serem notáveis em sua linguagem acessível, porém, de alto nível literário e de conteúdo universal. Todas elas lidam com o mais profundo sentimento dos leitores, sejam eles jovens ou não.

Diversos livros foram dedicados à temática do Holocausto. Alguns foram escritos por sobreviventes, outros por descendentes daqueles que morreram nos campos de concentração, e outros fazem parte das pesquisas dos historiadores. E não são poucos também os escritores romancistas que recriaram o tema e o utilizaram em suas histórias pessoais. Misturando ficção com realidade, muitos conseguem dar uma pequena amostra do quão terrível foi o Holocausto perpetrado pelos nazistas.

O jovem escritor irlandês John Boyne é um desses autores a conseguir uma verdadeira façanha. A sua bela obra “O menino do pijama listrado”, publicada recentemente em mais de 30 países, é uma fábula que retrata a amizade em tempos de guerra e desvenda a inocência infantil diante do Nazismo.

E por que uma fábula? Por ser um trabalho de ficção com moral transparente, onde as vidas dos protagonistas, Bruno e Shmuel, mudam. Nenhum deles sabe nada sobre a “Solução Final” contra os judeus. Bruno não faz a menor ideia de que seu país (Alemanha) está em guerra com boa parte da Europa, e muito menos de que sua família está envolvida diretamente no conflito.

A trama

Bruno é um garoto ariano de nove anos de idade que mora em Berlim com seus pais e uma irmã. Um belo dia depara-se com a governanta da família fazendo suas malas. Pouco depois recebe a notícia de que em breve terá um novo lar, pois seu pai (um oficial importante) fora designado para desenvolver um trabalho em outra cidade, a mando de seu chefe: o Fúria. Uma péssima notícia para Bruno, que deverá abandonar seus amigos, escola e a casa que tanto gosta.

Ao chegar à casa nova, em Haja-Vista, os olhos de Bruno “se arregalaram, a boca fez o formato de um O, e os braços penderam estendidos ao lado do corpo novamente. Tudo nela parecia ser o oposto da casa antiga, e ele não podia acreditar que eles iriam de fato morar lá.” A casa de Berlim era espaçosa, tinha uma vizinhança movimentada e garotos com quem Bruno podia brincar. A casa nova, no entanto, ficava num lugar vazio e desolado, e não havia nenhuma outra casa à vista, o que significava que não haveria outras famílias por perto nem meninos com quem brincar.

No mesmo dia em que chega a Haja-Vista, Bruno vê pela janela do quarto centenas de pessoas vestidas com as mesmas roupas: “um conjunto de pijama cinza listrado com um boné cinza listrado na cabeça”. Ele não entende o que significa aquilo, nem sabe quem são, de onde vieram e para onde vão aquelas pessoas. Bruno e sua irmã Gretel de apenas 12 anos, tentam encontrar uma explicação, mas sequer se aproximam da verdade. Os dois não se dão bem e brigam, (quase nunca se dão bem irmãos de sexos diferentes), mas a mudança os deixa mais próximos, já que Gretel não tem com quem conversar.

Bruno considera Gretel “um caso perdido” e geralmente procura Maria, a governanta da família, com quem fala francamente sobre sua tristeza e revolta com a mudança. Seu pai, bonito em seu uniforme repleto de medalhas, é um dos homens de confiança do Fúria. Sua mãe, uma mulher meiga e submissa, parece ficar cada dia mais triste com a situação: o marido distante legitima um amante, e os dois filhos vivem sempre descontentes e solitários.

Como acontece na vida real, com o passar do tempo Bruno e sua família se adaptam à nova realidade. Não se conformam, mas se acostumam, cada um com sua própria rotina e afazeres. Certo dia, Bruno resolve caminhar, conhecer os arredores de seu novo lar. Era algo que ele gostava muito de fazer em Berlim: explorar. Assim ele descobria fatos e lugares. Nessa caminhada em Haja-Vista, Bruno percebe que uma enorme cerca separa sua casa do local para onde estavam indo e vindo pessoas de pijama listrado, e descobre também uma pessoa especial: um garoto chamado Shmuel.

Fisicamente, o garoto era menor do que Bruno e estava sentado no chão com uma expressão de desamparo. Ele vestia o mesmo pijama listrado que todas as outras pessoas daquele lado da cerca, e um boné também listrado de pano. Naturalmente, Shmuel era uma criança judia. Separados pela cerca, os dois começam uma conversa, que por sua vez dará início a uma grande amizade. A partir daquele dia, Bruno e Shmuel conversarão praticamente todos os dias. E é aí que o livro de Boyne parece se diferenciar de todas as histórias escritas sobre o Holocausto.

Os dois garotos têm a mesma idade (inclusive nasceram o mesmo dia), mas Bruno nada sabe sobre o que ocorre do outro lado da cerca. Bruno não sabe que Shmuel passa fome. Shmuel, apesar de viver lá, parece não saber de tudo, mas tem uma noção. Por não saber, e por ter uma ingenuidade que garotos de sua idade têm, Bruno pensa que o outro lado da cerca é mais alegre. Pensa que lá Shmuel brinca, se diverte e tem amigos. Shmuel, para não perder o novo amigo, que além de companhia lhe traz também, às vezes, alguma iguaria (pão, queijo e bolo), ou por realmente não saber o que de fato está acontecendo com as pessoas de pijama listrado, não faz comentários sobre o seu lado da cerca.

De tanto perguntar sobre como é a vida do lado de lá, num determinado dia, Bruno passa para o outro lado da cerca e, também vestido em um pijama listrado (providenciado por Shmuel), realiza sua maior aventura desde que chegou em Haja-Vista. O final não contarei, pois esta resenha é um convite aberto para que todo jovem e não tão jovem leia este pequeno-grande livro.

Ensinamentos

Ao escolher dois garotos de apenas nove anos de idade para protagonizar um romance sobre o Holocausto, John Boyne correu um grande risco: poderia acabar escrevendo um livro fraco sobre um tema significativo para toda a Humanidade. Mas, felizmente, isso não aconteceu.

Boyne transformou o Führer histórico em Fúria, o campo de extermínio e morte de Auschwitz em Haja-Vista e os judeus em prisioneiros de pijamas listrados, e isso deu a seu texto o tom correto de ingenuidade, não sendo de maneira alguma piegas.

Sem dúvida alguma, O menino do pijama listrado é um bom início para um leigo no assunto Holocausto, até porque o texto não menciona os terríveis campos da morte nem narra explicitamente o sofrimento dos prisioneiros.

O autor não escreve para chocar ou atormentar seus leitores. Portanto, para quem deseja ter um primeiro contato ou ler uma história que tenha o tema da “Shoá” como pano de fundo, o romance de John Boyne é leitura obrigatória.

Estamos diante de um livro cativante, apesar de triste.