D. Pedro II em Jerusalém – 1876

Para o Imperador D. Pedro II visitar a Terra Santa era visitar Jerusalém. Em 26 de novembro de 1876, uma comitiva brasileira, constituída por 200 pessoas, fazia sua entrada triunfal na cidade do rei Davi e repetiria esta cena mais duas vezes, simbolizando a força e a devoção à Santa Trindade.

A primeira entrada aconteceu pelo lado norte da cidade, avistando as muralhas desde o Monte das Oliveiras. D. Pedro II dirigiu-se rapidamente ao Santo Sepulcro onde rezou por sua filha a Princesa Isabel, por netos, irmãos e pelas pessoas que estimava. Ali emitiu sua primeira opinião sobre o mais importante santuário da Cristandade, anotando no “Diário de Viagem”: “A Igreja tem externa e internamente um aspecto venerado”.

Após deixar o Santo Sepulcro, a comitiva percorreu monumentos de três vilas: Bethel, Beeroth (El-Bireh), e El-Gib (Gabaon). Em Bethel, o monarca relembrou episódios bíblicos como a briga do Patriarca Abraão e seu sobrinho Lot e o surgimento da tribo de Benjamin entre outros. Antes de começar a chover, examinou uma igrejinha da época das Cruzadas. Foi em Beeroth onde Maria e José, os pais do menino Jesus, sentiram falta do filho. No mesmo lugar visitou ainda uma igreja bizantina.

El-Gib, a pátria do rei Saul, ganha uma referência especial no “Diário”, pois foi ali onde Josué mandou o sol parar. Segundo o texto: “Josué falou ao Senhor no dia em que ele entregou os amorreus nas mãos dos filhos de Israel, e disse em presença dos israelitas: Sol, – detém-te sobre Gibeão -, e tu, ó Lua, sobre o vale de Ayalon”. E o Sol se deteve e a Lua parou, até que o povo de Israel vingou seus inimigos. Este é, portanto, o primeiro eclipse registrado no texto sagrado.

A segunda entrada em Jerusalém aconteceu pelo Monte Scopus, lugar em que está localizada atualmente a Universidade Hebraica. Impossível descer as ladeiras até o Vale de Josafá e não fazer uma visita ao Santo Sepulcro. A caravana acampou perto do “Estabelecimento Russo”, uma edificação ao lado da porta de Jaffa. Saudoso da família, o monarca recebeu longas cartas da Mana Januária e da amiga íntima Luísa Margarida de Barros Portugal, a Condessa de Barral.

Do cume de uma montanha, D. Pedro II avista “Ramathaim Sophim”, terra do profeta Samuel, continuando sua viagem pela planície de Jericó, em direção ao Mar Morto. A beleza da planície de Jericó e das estepes de Moab não resiste à pena do Imperador poeta: “Antes de tudo preciso exprimir a beleza da planície de Jericó ao pôr do sol, que dardeja e faz ressaltar as ondulações das faldas das montanhas de Moab, que parecem os relevos de ouro de um finíssimo lavor de ourivesaria. As águas do Mar Morto, que descubro à direita, e o campo verdejante dos espinheiros chamados dôm, com um céu marchetado de nuvens dos mais variados matizes de azul, completam o quadro. Por detrás de minha tenda, levantam-se as montanhas áridas, mas verdadeiramente pitorescas, por cujos desfiladeiros cheguei até aqui”.     

Após Ramathaim Sophim a caravana imperial se aproxima ao famoso “Monte da Quarentena”, lugar onde Cristo teria sido tentado pelo demônio. Quando o monarca esteve lá, o local estava reduzido às ruínas de capelas habitadas por frades gregos.

Entrando pela “Porta de Damasco”, o Imperador contornou as muralhas da cidade velha de Jerusalém. É hora de examinar a “Torre de Godofredo de Bouillon”, o primeiro governador de Jerusalém e defensor do Santo Sepulcro, desde a conquista da Cidade Santa pelos cruzados. Os brasileiros observam ainda o Túmulo de Absalão e passeiam por fora das muralhas.

O próximo lugar escolhido será Betânia, uma vila ligada à vida de Cristo, onde foram visitados dois lugares: o “Túmulo de Lázaro” e a “Casa de Marta e Maria”, duas amigas de Jesus. De Betânia seguiram até a “Fonte dos Apóstolos”, a única fonte de água no caminho  de Jerusalém a Jericó.

Seguidamente, os membros da comitiva brasileira visitaram as ruinas da fortaleza “Khan El-Ahmar”, que significa “Hospedaria Vermelha”. De lá, os peregrinos retornaram a Jerusalém. A 28 de novembro de 1876 inicia-se a sonhada visita a Jericó, uma das cidades mais antigas do mundo. Cercado de beduínos, D. Pedro II tem diante de si os restos das muralhas da cidade e a suposta casa de Rahab, a mulher que abrigou os espiões de Josué, e cuja casa estava preservada. O “Diário” cita outros quatro locais: a “Fonte de Eliseu”, “Sodoma”, “Gomorra” e “Adomah”.

Na “Fonte de Eliseu” (Äin Es-Sultan), a água brota de uma parede, como um reservatório que abastece toda a região. Sodoma e Gomorra são as cidades do pecado na Bíblia. Sodoma era o sítio em que Lot se estabeleceu com toda sua família. Gomorra poderia ser reconhecida como “Redjom-Luth”, o lugar onde a mulher de Lot (o sobrinho de Abraão) transformou-se numa estátua de sal. Por sua parte, Adomah é bastante difícil de identificar. É provável que Adumim ou “Maaleh Adumim” sejam as atuais colinas vermelhas, cor característica desta linda região montanhosa.

Encerrado o passeio por Jericó e arredores, a caravana passou pelo Monte Nevó, onde Moisés morreria sem poder entrar na Terra Prometida, a caminho do Mar Morto, a maior depressão do mundo, de uma beleza única, mesmo não possuindo áreas verdes. Ali, onde Josué passou com a Arca, D. Pedro II aproveitou o tempo livre e desenhou três croquis.

A comitiva brasileira já estava cansada, mas o Imperador, não. A rota a Saint Sabbas era um desafio para qualquer expedição de peregrinos. Mas, a comitiva brasileira não descansa sequer um minuto e aceita esta nova aventura.

O “Monastério de Saint Sabbas” é um lugar recôndito, escondido nas montanhas de Moab. A delegação de D. Pedro II divide-se temporariamente, pois o caminho até Saint Sabbas é difícil, as gargantas não permitem uma viagem com liteiras, e o regimento do monastério proíbe terminantemente a entrada de mulheres no convento.

Para chegar ao convento caminha-se ao longo do rio Cedron, cujas ribanceiras contorcidas têm dezenas de metros de altura. Nessa época do ano (novembro), o leito do rio está seco. O convento é imponente, formado de edifícios que parecem agarrados como trepadeiras à ribanceira direita do Cedrón, quase desembocando no Mar Morto. A entrada do Imperador no recinto foi solene, recebido com repiques e duas tochas acesas.

O encontro de D. Pedro II com os moradores do convento foi calmo e tranquilo. O forte cheiro de incenso impregnava seus corredores, e os 60 frades gregos esperavam-no. O soberano surpreendeu-se com vários bandos de melros, cujos ninhos ocupavam os buracos da ribanceira oposta, comendo na mão dos frades.

O monastério foi edificado em homenagem ao eremita grego Saint Sabbas (439–532), e sua capela foi minuciosamente examinada. O exterior do convento é um montículo de pedras (meschakid) de edifícios, aproveitando as grutas do rochedo. Os frades usaram os pequenos ressaltos do rochedo para fazer minúsculas casas de madeira, e plantar flores e arbustos.

Num canto do convento ergue-se um dos símbolos do monastério: a palmeira de Saint Sabbas, que segundo Sua Majestade D. Pedro II “é uma (palmeira) bastante alta, que se curva para trás como que precisando do encosto da parede”.

Dentro do convento, D. Pedro pediu para conhecer a biblioteca. Sob um silêncio constrangedor (porque os monges não explicavam nada), folheou manuscritos dos Evangelhos, Sermões e outros textos sagrados guardados numa pequena sala. O monarca queria mais informações sobre aqueles documentos manuscritos. Depois de muita insistência, um dos frades que falava francês, permitiu que Karl Henning examinasse outra coleção de livros, garimpando alguns manuscritos, que o frade garantia só existir impressos. Para o monarca, “tal repugnância poder-se-á explicar pela vergonha que eles tenham de não haverem aproveitado, por ignorância, as riquezas literárias que possuam”.          

As palavras do Imperador Pedro II ecoavam com muita força e indignação. Embora o Levante fosse francófono, apenas um dos 60 monges falava fluentemente francês, serviu de intérprete e se convenceu que ele (como os demais moradores do mosteiro), desconheciam suas próprias coleções de manuscritos, passando momentos de vergonha e constrangimento intelectual. Como então estudavam, se ignoravam os textos sagrados de seu próprio acervo?

Através de um depoimento de Samuel Manning, religioso que visitou os frades gregos de Saint Sabbas em 1873, sabemos que “estes frades são muito sagrados para ser hospitaleiros”. E Manning ainda acrescentou na sua obra “The Holy Fields: Palestine” sobre a biblioteca do Monastério: “Apesar de existir uma valiosa biblioteca, ela me parece completamente inútil, pois a maioria dos ascetas são incapazes de ler, e o seu único passatempo consiste em beber raki e alimentar pássaros e chacais, que são muito numerosos”.

Como podemos notar, a opinião de D. Pedro II e do clérigo inglês Samuel Manning; convergem. Evidentemente, a ignorância e falta de preparo dos monges de Saint Sabbas era gritante.

O retorno a Jerusalém foi lento. Devia-se realizar pelo Vale de Siloeh e através dos campos de Haceldama. Esta seria a terceira e última entrada da comitiva imperial à cidade celeste, capital administrativa do rei David.

A delegação entrou novamente pela “Porta de Damasco” e hospedou-se na “Casa Austríaca”, hospedaria sob responsabilidade de religiosos da Áustria, acostumados a receber visitantes ilustres. Era um lugar confortável, se comparado com o “British Hotel”. Mesmo assim, da rua até o quarto, Pedro II subiu 82 degraus! Na hospedaria esperavam-no cartas de amigos do Rio de Janeiro. Seu amigo José Siqueira, infelizmente, falecera e em sua homenagem, prometeu rezar no Santo Sepulcro.

A “Porta Áurea” é belíssima com sua característica arquitetura herodiana, formada por dois arcos fechados. Cruzando-a, o peregrino alcançava a Mesquita de Omar, conhecida também como o “Domo da Rocha”. O califa Abd-El Malik a ergueu-a em 691, e dali Maomé realizou sua viagem noturna. D. Pedro II conhecia as tradições islâmicas e a importância desta mesquita, que concorria diretamente com Meca e Medina.

A viagem prossegue. Era o momento de visitar o Monte Moriá. A literatura sobre a Terra Santa identificou este lugar com a Mesquita de Omar. Segundo a Bíblia seria o lugar onde o Patriarca Abraão teria oferecido em sacrifício seu filho Isaac a Deus. Outra versão diz que foi o primeiro lugar em que Adão pisou depois de ser expulso do Paraíso.

O Cenáculo ficava a poucos passos do Monte Moriá e a caravana tomou sua direção. É um lugar de agudas controvérsias: para os fiéis cristãos, lá Jesus instituiu a Eucaristia e reuniu os Apóstolos no dia do Pentecostes; para os muçulmanos é identificado com a Mesquita Nabi Daud (Profeta Davi), e os judeus acreditam que ali seria o local do “Túmulo do rei Davi”.

Pedro II visitou duas vezes a Igreja do Santo Sepulcro: na primeira, na Capela do Calvário, rezou em memória do amigo José Siqueira, o funcionário do Ministério de Relações Exteriores do Império; já na segunda, comemorou com uma missa o 51o aniversário do seu nascimento.

O séquito percorreu os passos da Via Dolorosa, as “Quatorze Estações da Cruz”: o Pretório, o Arco Ecce Homo, os lugares das quedas de Jesus, a Capela do Calvário onde Cristo foi despido, pregado e descido da cruz. O Imperador não elenca as capelas em torno do Santo Sepulcro. Apenas a do Calvário despertou a atenção do monarca e se impressiona com duas belas obras de arte: uma “Deposição da Cruz” do pintor Cornélio Huymans (1648-1727), de Antuérpia, e uma tela de Ary Scheffer (1795-1858) com as cabeças da Virgem e de Cristo em seus braços.

O tempo é curto, o passeio não pode parar. É hora de conhecer a casa do sogro de Caifás, o Sumo Sacerdote, para onde Cristo foi levado depois de ser preso, e o túmulo de José de Arimathea, quem abaixou o corpo de Jesus da cruz. Segundo os Evangelhos, Arimathea e Nicodemos enterraram Jesus no sepulcro da família de José.

Uma próxima parada será a Igreja da Flagelação, construída sobre restos de uma igreja bizantina. Era ali a “Escola Franciscana de Estudos Bíblicos”. A caravana afastou-se da Cidade Velha em direção ao Monte das Oliveiras.

Muitos são os recintos a serem ainda examinados pela comitiva. No pensamento de D. Pedro II surgem lembranças da visita ao Monte das Oliveiras feita pela Imperatriz Helena, a mãe do Imperador Constantino I. Naquela ocasião, visitou o “Túmulo de Santa Ana” (mãe da Virgem Maria), o “Túmulo de São Joaquim” (pai da Virgem), a “Gruta da Agonia” no belo Jardim de Getsemani, as oito oliveiras e as pedras onde dormiam os Apóstolos. O soberano visita o lugar onde Cristo subira aos Céus, e que virara uma pequena mesquita. Há neste recinto marcas das pegadas de Cristo, e os muçulmanos também veneram este lugar.

O passeio por Jerusalém prossegue a tempo de conhecer o “Pater da Princesa de Latour d‘Auvergne”, um claustro em cujas paredes lê-se o “Pater Noster” [Pai Nosso] em 32 línguas. Nele está o Túmulo da Princesa todo em mármore, com a estátua dela, deitada, mãos cruzadas sobre o peito, meias sem sapatos e coroa aos pés. Qual a relação entre os Apóstolos e a Princesa? Pois bem, foi no Monte das Oliveiras, precisamente neste túmulo, que Cristo ensinou o “Pai Nosso” aos Apóstolos.

Do Monte das Oliveiras, D. Pedro II continuou para a “Casa do Arquimandrita” (sacerdote celibatário), lugar onde morou a senhora Solkoff, de Moscou. Na sala há um belo mosaico representando distintos tipos de animais, com uma inscrição em armênio. Poucos peregrinos conhecem este lugar.

Da “Casa do Arquimandrita”, a delegação chegou ao “Túmulo de Santa Pelágia”, um recinto repleto de inscrições com palavras hebraicas. De lá, a comitiva avançou até o “Túmulo dos Profetas”, onde os ilustres visitantes entraram agachados, quase deitados, e de costas.

Em 2 de dezembro de 1876 encerrou-se a visita a Jerusalém e a delegação brasileira viajou a Belém.

Bibliografia

Faingold, Reuven, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876. Editora e Livraria Sêfer. São Paulo 1999. New edition, São Paulo 2022

Faingold, Reuven, D. Pedro II: Fascínio pelo Judaísmo. KOL NEWS No. 28, dezembro 1999, págs. 49-56.

Manning, Samuel, Those Holy Fields: Palestine. Illustred by pen and pencil, 1st edition London 1874. Reprinted with an introduction by Zeev Vilnay. Jerusalem 1976, págs. 54-55.

Martineau, Harriet, Eastern Life. London 1848.

Revista Veja. O rei mochilero. Edição 1.589, ano 32, No. 11 (17 de março de 1999), págs. 90-91 (Resenha do jornalista Fernando Luna acerca do livro de Reuven Faingold, D. Pedro II na Terra Santa: Diário de Viagem – 1876).

Wilson, Ch., Picturesque Palestine. Paris 1880.