Diabesity (Obesidade e diabetes) – Reconstruindo a medicina judaica

Nunca me interessei por medicina. Porém, há três semanas escutava uma live (transmissão ao vivo) organizada pela “Australian Friends of Rambam Hospital”, na qual o Prof. Paul Zimmet, docente emérito da Monash University de Melbourne e Diretor do “Baker IDI Heart & Diabetes Institute”, explicava o termo Diabesity, a doença nova que alia diabetes e obesidade. Segundo o renomado acadêmico a Diabetes Mellitus tipo 2 acarretará grandes transtornos à população mundial. Parafraseando o Prof. Joseph Bronstein, (bioquímico pioneiro no estudo da relação entre diabetes e obesidade); Zimmet alertava que no futuro as nações terão que destinar enormes esforços grandes quantias de dinheiro para conter esta silenciosa doença.

Fiquei impactado ao ouvir do Prof. Zimmet que o Maimônides (1138-1204), um dos primeiros epidemiologistas judeus, mencionara em seus textos médicos uma doença caracterizada pela elevação do açúcar (glicose) no sangue, algo que denominamos hiperglicemia. Fui e achei um texto do Maimônides sobre sangria e flebotomia. A sangria era um procedimento médico que estabelece a retirada de sangue do paciente como parte do tratamento. Podia ser feita de diversas formas, incluindo o corte de extremidades, o uso de sanguessugas ou a flebotomia. Sangrias eram realizadas com base em antigas teorias médicas que supunham que o sangue e outros fluídos corporais, eram vistos como algo que precisa ser conservado em equilíbrio para que o corpo se mantivesse saudável.

Na Europa, a sangria foi abandonada pela medicina moderna, exceto para doenças específicas. É possível que, sem acesso a outros tratamentos para hipertensão, sangrias tivessem por vezes algum efeito benéfico, reduzindo a pressão arterial pela redução do volume de sangue. Na maioria dos casos, a prática de sangrias terapêuticas em pacientes era prejudicial, portanto nunca recomendada por Maimônides. Para o sábio sefaradita, é preciso evitar as sangrias nos dias quentes do verão como nos dias frios do inverno. Elas podem ser feitas pouco antes dos dias de Nissan na primavera, e um pouco nos dias de Tishrei em outono.

Segundo Maimônides depois dos 50 anos de idade, uma pessoa não mais deve submeter-se a flebotomias. Ele alerta que será prejudicial extrair sangue e ingressar em banhos públicos no dia; assim como empreender uma viagem depois da extração. No dia da sangria é importante comer e beber menos que de costume; sendo preciso repousar, não realizar exercícios físicos nem passeios.

No seu texto Rambam comenta “que o diabetes aparece na fria Europa e na calorosa África”. O sábio do “Século de Ouro dos Judeus da Espanha” passou uma década em Fostat, no Egito. Na passagem pelo lugar afirmou “ter visto mais de 20 pessoas portarem esta doença”.

O primeiro a utilizar a expressão Diabesity foi o Professor Emérito Eleazar Shafrir (1924 –     ) da Universidade Hebraica de Jerusalém. Baseando-se em experiências realizadas em ratos na zona desértica do Neguev, ele concluiu que estes pequenos animais apresentam mudanças na transição da baixa para a alta energia, desenvolvendo um alto índice de alterações metabólicas. Resumindo suas hipóteses, pode-se demostrar que existe uma relação intrínseca entre diabetes e metabolic syndrom. Na palestra, Zimmet mostrou projeções mundiais para os próximos anos. Enquanto em 2017 estadísticas mundiais registravam 424.900.000 diabéticos, um prognóstico para 2045 revela que este número poderá crescer significativamente até 628.600.000 doentes.

Os primeiros estudos do Prof. Zimmet foram feitos na ilha de Naru, ao norte da Austrália. Em 1975, achou ali o maior índice de diabetes mellitus proporcional à população. Ele constatou ainda que 80% dos moradores da ilha eram obesos e 40% deles eram portadores de diabetes do tipo 2.

Porém, o mais curioso episódio de diabetes aconteceu nas Ilhas Maurício no Oceano Índico. Por 1990, quando Zimmet visitou o lugar, habitavam ali três grandes grupos étnicos: índios, chineses e crioulos. Aqui o docente achou semelhanças com um episódio ligado à população judaica que chegou ao arquipélago. O relato foi estudado por Geneviéve Pitot na obra, “The Mauritian Shekel”: The Story of Jewish Detainees in Mauritius: 1940-1945” (Rowman & Littlefield, 2000), e resumido no breve artigo: “From Palestine to jail in Mauritius: When Britain deported 1.580 Shoah Refugiees”. (https://www.timesofisrael.com/from-palestine-to-jail-in-mauritius-when-britain-deported-1580-shoah-refugees/).

Em 1940, milhares de judeus tentavam fugir da perseguição nazista na Europa. As deportações aos guetos e aos campos haviam começado. Esta é a história de um grupo de 1.580 refugiados judeus que, tendo escapar da Europa ocupada pelos nazistas, foram impedidos de entrar na Palestina em 1940 por serem considerados imigrantes ilegais. Sua deportação imediata após o desembarque na Terra de Israel foi ímpar. Impedidos de entrar na colônia britânica regida desde 1939 pelo “LIVRO BRANCO” de Ramsay Mac Donald; os judeus foram deportados para as ilhas Maurício. Detidos em uma prisão até o final da Segunda Guerra, foram privados de todos os direitos básicos, até mesmo o de manter uma vida familiar. Este episódio ilustra com clareza a falta de compreensão do “Mandato Britânico” face ao problema dos refugiados judeus naquela época. Os judeus, por sua parte, estabeleceram uma pequena comunidade e congregaram-se em torno de uma modesta sinagoga.

Prof. Paul Zimmet estudou também a diabesity nas diferentes cidades da Austrália. Lá o panorama é pouco alentador. Estudos com gráficos mostram que entre 1980 e 2000 o diabetes aumentou consideravelmente nesta ilha-continente. O diabetes aliado à obesidade passou de 2,4% em 1980 a 7,2% em 2000. Em números as cifras são expressivas: Em 2000 os diabéticos eram 1.000.000, mas neste ano 2020 já são estimados em 1.800.000. Os fatores que provocam diabesity são a depressão, as apneias do sono, doenças respiratórias e cardiovasculares, artrite óssea, câncer de cólon, intestino e próstata, anomalias hormonais dentre outros.

Como podemos observar, não faltam motivos para cuidar da nossa saúde. Afinal, trata-se de uma doença que age silenciosamente no organismo e que, agravada pela obesidade, pode nos trazer consequências indesejáveis.