Entrevista ao jornalista Salus Loch acerca dos “Protocolos dos Sábios de Sion”

1. Segundo Hannah Arendt, o poder incrível e duradouro dos “Protocolos” teria pouco a ver com a mente de seus falsários (autores), mas tudo a ver com a avidez de seus consumidores. O Sr. concorda com esse raciocínio? Por quê?

A afirmação de Hannah Arendt que você traz à tona, de que os “Protocolos dos Sábios de Sion” teriam pouco a ver com seus autores (verdadeiros falsários) e muito mais com a avidez de seus leitores é correta, e para mim tem uma sólida base de sustentação. Como você sabe, acerca da autoria dos “Protocolos” ainda paira a dúvida. Tudo indica que o texto seja de início do século 20. Ele teria sido elaborado pela polícia czarista (Okhrana), com base em um romance alemão intitulado Biarritz (1868), no qual líderes judeus -misteriosos e diabólicos- se encontram em um cemitério de Praga. Sedentos de poder, esses judeus tramam um complô contra as nações por meio da manipulação da economia buscando o domínio ideológico através da divulgação de notícias falsas. A rigor, esse complô permitiria aos judeus o domínio pleno da política, da economia e dos meios de comunicação.

Ao estudar os “Protocolos”, Hannah Arendt é ciente de que a Okhrana trabalhou para desvendar supostos abusos programados pelo sistema judaico mais poderoso da Europa. Ela sabe também que usando esta farsa é possível desacreditar por completo as forças revolucionárias hostis às políticas reacionárias e ao misticismo religioso do governo czarista.

Ao estudar filosofia nos anos 30, Arendt entendeu que não atoa os “Protocolos” se tornaram num fenômeno global em apenas duas décadas, após o surgimento da Okhrana. Para ela, a publicação do texto e sua difusão visam achar um bode expiatório em tempos de gripe espanhola (1918-1920) e no momento de maior rescaldo da Revolução Bolchevique em 1917; ambas geradoras de temores nas forças obscurantistas que ameaçavam o controle social.

Em tempos de dificuldades a procura por um bode expiatório passa a ser algo real, tangível e politicamente sustentável. Não é difícil vender uma ideia como essa, afinal, desde que o homem vive em sociedade existe a procura desenfreada atrás dos “males da sociedade”. Aqui a função do judeu, (para muitos leitores, anunciada nos anais da história), se transforma em fato verídico, gerador de turbulências sociais.

2.Em sua opinião, qual teria sido o real impacto dos Protocolos e também de “O Judeu Internacional” de Henry Ford na marcha de Hitler contra os judeus?

Os “Protocolos” são uma obra apócrifa e antissemita escrita em 1903 em russo, uma língua quase desconhecida para a maioria. Nos primeiros 20 anos o texto quase não foi divulgado. A verdadeira difusão ocorreu no momento em que o magnata americano da indústria automotiva, Henry Ford, decide traduzi-los ao inglês em 1920 sob o título “The Internacional Jew”. Desta maneira os “Protocolos” começam a viajar mundo afora, encontrando ávidos leitores na Europa, EUA e América Latina.

A “República do Weimar” vai difundir o texto em várias edições entre 1920-1933. Mas, certamente durante a ascensão do Nacional-Socialismo de Adolf Hitler este libelo ganhará maior força, uma vez que os judeus são difamados e caluniados atendendo à política do chanceler alemã que tinha como alvo favorito o “Judeu Internacional”.

O próprio Hitler não tinha certeza da autenticidade dos “Protocolos”. O Führer disse certa vez a um de seus colegas de partido que os “Protocolos” eram imensamente instrutivos em expor o que os judeus podiam chegar a realizar em termos de “intrigas políticas” e em “demonstrar sua habilidade em engano e organização”.

Lembremos que o Terceiro Reich tinha verdadeiro pavor de que os indesejáveis ideais da revolução bolchevique encontrassem terreno fértil em terras arianas. Em relação a tua pergunta, me animaria a dizer que os “Protocolos dos Sábios de Sion” ajudaram a fortalecer o antissemitismo na Alemanha, mas não constituem um tipo de literatura motivadora, única e indispensável. Circulava na Alemanha uma literatura jornalística de enorme difusão a exemplo do jornal “Der Stürmer”, que humilhava até com maior convicção os judeus alemães.

3. Qual ou quais são as melhores ferramentas para se desbaratar fake news como as dos Protocolos? Como devemos interpretar/alinhar/utilizar o conceito do paradoxo da tolerância de Karl Popper, com o ‘combate’ às fake news?

Produzir fake news é um sintoma de demonstrar fraqueza e insegurança. Trata-se de uma atividade consciente e doentia que pretende confundir ou manipular pessoas para adotarem um comportamento determinado. Em certa forma, os “Protocolos dos Sábios de Sion” representaram as fake news daquela época.

O filósofo austro-britânico Karl Popper é considerado um dos maiores pensadores da ciência do século 20. Popper é ainda conhecido por sua rejeição das visões indutivistas clássicas sobre o método científico em favor do falsificacionismo. Segundo ele, uma teoria nas ciências empíricas nunca pode ser provada, mas pode ser falsificada. Isto significa que pode (talvez deve) ser examinada por experimentos decisivos. Popper também é conhecido por sua oposição à explicação justificacionista do conhecimento, a qual ele substituiu pelo racionalismo crítico. Trata-se, pois, da primeira filosofia não justificativa da crítica na história da filosofia.

No que tange a seu discurso político, Popper é conhecido pela defesa da democracia liberal e dos princípios da crítica social que ele chegou a acreditar tornar possível uma florescente sociedade aberta. Sua filosofia política abraça ideias de praticamente todas as ideologias políticas democráticas e tenta reconciliá-las, a saber: o socialismo, a social democracia, o liberalismo clássico e o conservadorismo.

Acredito ser impossível combater as fake news, uma vez que elas não são mero fruto da imaginação, mas atendem a um objetivo comum e, geralmente, predeterminado. É correto afirmar que nenhuma falsificação nos anais da história moderna se provou mais durável que os “Protocolos dos Sábios de Sion”

4. A pandemia de coronavírus, além de ceifar vidas, colocando de joelhos sistemas sanitários e economias, também tem sido terreno fértil para novas teorias da conspiração que apontam seus dedos a judeus e chineses, especialmente. Onde isso pode parar? E quais os riscos – considerando, ainda, movimentos neonazistas e supremacistas, espalhados dos EUA ao Brasil?

Os judeus foram tomados inúmeras vezes como “bodes expiatórios”, principalmente em épocas nas quais doenças e distúrbios políticos não era novidade. Durante a “Peste Negra” (1348) – a maior pandemia medieval- os judeus foram cruelmente assassinados após serem acusados de envenenar os poços de água e disseminar pragas.

Há um século a crise na saúde pública gerada pela gripe espanhola, provavelmente importava menos do que a tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, que, se não fosse controlada, poderia subjugar a ordem política que a 1ª Grande Guerra havia desestabilizado. O fato de alguns membros dos Duma e dos líderes da odisseia russa serem judeus de nascimento (Lev Davidovich Bronstein ou Trotsky, Rosa Luxemburgo) parecia reforçar as previsões dos “Protocolos”.

O último dos Romanov, o czar Nicolau II, era conhecido por ter lido os “Protocolos” antes de ser executado pelos bolcheviques em 1918. No ano seguinte, Adolf Hitler fez seu primeiro discurso gravado no qual descreveu uma “conspiração internacional de judeus”, todos empenhados em enfraquecer e envenenar a raça ariana e extinguir a cultura alemã.

Como expliquei anteriormente, nos EUA, a farsa dos “Protocolos” foi amplamente divulgada pelo empresário Henry Ford. Em 1920, este industrial havia “americanizado” o documento intitulado “O Judeu Internacional: o principal problema do mundo”. Foi publicado como trechos em seu jornal, o “Dearborn Independent”, por 91 semanas consecutivas. O texto ganhou traduções para 16 idiomas.

Embora a liderança comunal judaica montasse um processo que forçou o magnata do setor automobilístico a emitir uma retratação em 1927, o ódio por trás do texto dos “Protocolos” continuou a se infiltrar nos meios de comunicação da época. Na década de 1930, o “padre da rádio” Charles E. Coughlin; publicou um trecho dos “Protocolos” em seu jornal “Social Justice”. Mas o padre Coughlin estava receoso de endossar sua exatidão e apenas declarou que poderia ser do interesse de seus leitores.

Atualmente, é preciso perguntar-se por qual motivo os “Protocolos”, um documento comprovadamente falso, continua a ter impacto. Talvez a explicação mais simples seja a irracionalidade humana, que nem a educação nem o iluminismo jamais conseguiram derrotar.

A facilidade em acreditar na fantasia de um domínio ilícito e fraudulento dos judeus na economia internacional e na mídia de massa também valida a visão do historiador Richard Hofstadter. Ele traçou no extremismo político de direita e de esquerda uma tendência apocalíptica e uma crença em um confronto iminente entre o “bem” e o “mal” absoluto. Hofstadter entende que teorias das conspirações “pontuam os anais do passado”. Mas, especialmente para a sociedade americana que anseia a segurança de um modo de vida estabelecido, a paranoia política é tentadora, como a crença de que “a própria história é uma conspiração”, na qual forças invisíveis são os obscuros mecanismos motrizes do ser humano destino.

Da mesma forma que o antissemitismo sobreviveu por dois milênios, nenhuma forma de preconceito encontrou um lugar mais vívido na imaginação. E o fato de que nenhuma conspiração judaica internacional jamais foi localizada nunca esgotou o poder dos “Protocolos” de acessar as correntes subterrâneas de demonização.

O que sustenta a influência dos “Protocolos” entre excêntricos e extremistas não é a linguagem do texto em si (poucos deles provavelmente leram completamente em suas várias versões), mas o que essa falsificação pretende sublinhar, que é a influência surpreendentemente astuta dos judeus na história moderna. Os “Protocolos”, portanto, não têm importância em si; eles são espúrios. Mas eles conferem precisão aos medos apocalípticos, que não poderiam sobreviver sem algum ingrediente de plausibilidade por mais absurdo que seja.

A família Rothschild foi fundamental para o surgimento do capitalismo financeiro na Europa do século 19. Esta empresa familiar judaica (com sedes na Alemanha, França, Áustria, Itália e Inglaterra); deu crédito à acusação de “cosmopolitismo” durante uma era de forte nacionalismo. As oscilações de expansão e queda da economia geraram não apenas miséria, mas também queixas contra os financistas que pareciam se beneficiar com tais incertezas.

Nos dias atuais, George Soros, 90 anos, judeu húngaro estadunidense, educado na Grã-Bretanha, tornou-se uma figura odiada pela extrema direita. Entre os investidores mais astutos do mundo, gastou bilhões promovendo causas progressistas. Soros encarna hoje o que Ford denominou no passado de “o judeu internacional”.

O veneno contra outras minorias que não a judaica não vingou nem resultou em nenhum equivalente aos “Protocolos”. A “judeufobia” (ódio ao judeu) produziu uma documentação enganosa que o preconceito contra nenhuma outra minoria jamais suscitou.