Estabilidade e crise: na história judaica: uma reflexão em torno da teoria de B. Z. Dinur

Este artigo busca dar uma ideia panorâmica de “Israel Ba-Golá”, do historiador polonês Ben Zion Dinur, a partir dos diferentes períodos da História Judaica. Para Dinur, idealizador do Museu do Holocausto, Yad Vashem, em Jerusalém, os diferentes tempos dessa História devem ser analisados por meio de dois grandes blocos ou categorias: épocas de estabilidade, criatividade e desenvolvimento social-cultural e econômico e épocas de crise, repressão e diminuição do processo criativo do povo judeu.

Palavras-chave: História Judaica. Crise. Criatividade.

Este artículo pretende ofrecer una idea panorámica de la obra “Israel Ba-Golá” del historiador Ben Zion Dinur, a partir de los diferentes períodos existentes en la historia judía. Para Dinur, el grande idealizador del Museu del Holocausto Yad Vashem, em Jerusalém; los diversos tiempos de la historia judía precisan ser analizados por intermedio de dos grandes grupos o categorías: épocas de estabilidade, creatividad y desarrollo socio-cultural y económico; y épocas de disminución del proceso creativo del Pueblo Judío.

Palabras claves: Historia judía. Crises. Creatividad.

Na extensa introdução da monumental obra Israel Ba-Golá, Israel na Diáspora, o renomado historiador judeu polonês Ben Zion Dinur (1884-1973), baseando-se nas idéias dos historiadores modernos, faz uma divisão entre os diferentes períodos da História Judaica. Para Dinur, idealizador do Museu do Holocausto, Yad Vashem, em Jerusalém, os diferentes tempos da nossa História devem ser analisados por meio de dois grandes blocos ou categorias: épocas de estabilidade, criatividade e desenvolvimento social-cultural e econômico e épocas de crise, repressão e diminuição do processo criativo do povo judeu.

Para realizar tamanha tarefa, apenas comparável com a polêmica tese da ascensão e queda das civilizações do historiador britânico Arnold Toynbee (1852-1883), Dinur definiu as principais características de cada categoria, determinando a existência de oito períodos históricos, quatro de estabilidade e quatro de crise; criando-se, assim, uma espécie de gráfico de contrastes, com fluxos e refluxos, alternando-se assim tempos de altos e baixos no decorrer da História Judaica.

Segundo Dinur, estes oito blocos cronológicos compõem a História do Povo Judeu durante sua longa permanência na Diáspora, ou seja, após a trágica destruição do Segundo Templo de Jerusalém: O primeiro período de estabilidade, de 636-1096; o período de crise, de 1096-1215; o segundo período de estabilidade, de 1215-1348; o segundo período de crise, de 1348-1496; o terceiro período de estabilidade, de 1496-1648; o terceiro período de crise, de 1648-1789; o quarto período de estabilidade, de 1789-1881; e o quarto período de crise, de 1881-1948.

O primeiro período de estabilidade, de 636 a 1096, inicia-se com o surgimento do Islamismo e a liderança de Maomé e vai até a saída da Primeira Cruzada rumo a Jerusalém. Nessa época, existiam duas grandes forças emergentes que disputam à hegemonia mundial: o Islã e seus califados instalados na Síria e no Egito, a partir de 711 também na Espanha; e o Cristianismo do Sacro Império Romano Germânico de Carlo Magno. Os judeus participaram desse momento de várias formas, dentro das forças emergentes na Europa. Para Dinur, eles atuaram na maioria das vezes como: agentes colonizadores e construtores urbanos; comerciantes, intermediários e negociadores com outros povos; administradores e funcionários de califas e réis; cientistas, tradutores e mestres em várias áreas de pesquisa científica; difusores dos estudos talmúdicos. São lideranças presentes nas comunidades: Rosh Há-Golá, Nessyim, Gueonim e Rashei Ieshivot. Exemplo: Rabi Guershom Meor Há-Golá e suas “Taqanot”, Regras, para os judeus da Europa central e R. Saadia Gaon nas comunidades de Oriente.

O primeiro período de crise, que ocorre de 1096 a 1215, inicia-se nos massacres dos cruzados em Jerusalém, e encerra-se com a publicação da legislação antijudaica do Papa Inocêncio III no Quarto Concílio Laterano. O período se caracteriza por manter um conflito permanente entre o Ocidente, Cristianismo, e o Oriente, Islã. As Cruzadas juntamente com a Reconquista dos territórios da Espanha, são acontecimentos centrais nessa luta pela hegemonia da Europa e do mundo. Há, também, uma forte tensão interna dentro do próprio mundo cristão, travando-se as famosas Guerras das Investiduras entre os Reis e o Papado.

Para Dinur, o status dos judeus ficou marcado essencialmente pelo choque cultural no encontro dos judeus com culturas que não os aceitam como tais; pela falta de segurança pessoal e consequentemente perca do patrimônio material do elemento judaico; pela opressão religiosa com fortes restrições e proibições definidas na legislação local, sejam nos fueros espanhóis ou no corpus jurídico de cada nação européia; pelo libelo de sangue que já aparecera na época helenística, alcançará sua forma máxima e mais destrutiva nas falsas acusações de roubos e profanações de hóstias para rituais mágicos, como nos distúrbios
organizados pela irada população cristã. A primeira acusação de derramamento de sangue cristã foi feita contra os judeus de Norwich na Inglaterra em 1144, ocorrendo casos famosos em Gloucester, 1168, em Blois na França, 1171, em Viena, 1181, e em Zaragoza, 1182.

Nas zonas rurais procura-se, constantemente, um bode expiatório pelos males que prejudicam a sociedade, como ser: secas, epidemias, pestes, fome. O elemento judaico será o bode expiatório, ao qual irão direcionadas a maioria das acusações. Testemunha-se um enfraquecimento das lideranças comunitárias judaicas tanto em Ocidente como no Oriente, e uma considerável diminuição dos contatos entre as diversas comunidades. Diante do perigo das conversões forçadas, aumenta proporcionalmente o clima de efervescência messiânica, uma forte vontade da vinda de um redentor, da estirpe do rei Davi, que resgate a todos os judeus de uma realidade adversa e opressora. A palavra de ordem na época é Kidush Hashem, ou seja, “Santificar-se em Nome de Deus”. O maior exemplo é o movimento místico-asceta dos “Chassidei Ashkenaz” durante as Cruzadas.

Esse movimento se difundiu rapidamente pelas comunidades da França e Alemanha; ganhando fortes traços do pensamento martiriológico judaico. Nessa época, a pergunta diária do judeu era: vale mais ganhar o mundo terreno ou obter o mundo vindouro? O principal personagem e líder do mundo judaico na Europa será R. Moshé ben Maimón, Maimônides ou Rambam, 1138-1204, um sábio construtor de respostas para todos os interrogantes da época. Maimônides era um especialista em Halachá, leis religiosas, completamente emaranhado na vida intelectual contemporânea de então, cujos escritos envolviam tanto as tradições como as ciências judaicas. Sua reputação e autoridade se encontram sustentadas em dois trabalhos: seu código de compilação da lei judaica ou Mishné Torá, e seu tratado “Guia para os Perplexos” ou Moré Nebochim, um escrito destinado a comprovar que toda a tradição judaica é filosoficamente defensável.

O segundo período de estabilidade, de 1215 a 1348, inicia-se com a legislação antijudaica de Inocêncio III e encerra-se com as trágicas consequências da Peste Negra de 1348. Dentre os acontecimentos mais significativos, ressaltem-se uma busca pela hegemonia da Igreja Católica na Europa e um aumento do fanatismo no mundo islâmico.

Em relação ao status dos judeus o período se caracteriza pela sua caracterização como “servi camerae”, servos da corte, ou seja, pertencem ao governante de turno e devem obedecer cegamente as leis do país. Os judeus adotam o conceito hebraico de “Dina de-Malchutá Dina”, As Leis do Reino são as leis que prevalecem. Também pela exigência de uma tributação alta e, assim sendo, os impostos permitirão a sobrevivência da comunidade. A coleta de impostos é comunitária e cabe a cada judeu cumprir com esta obrigação para garantir a existência comunitária. Em outras palavras, um judeu é responsável pelo outro; havendo um destino, desígnio, coletivo. O comportamento judaico deve, ainda, atender à legislação da Igreja e do Papado que, por sua vez, encaminham suas vontades religiosas aos governantes de turno.

Os Papas do período usavam concílios da Igreja para decretar leis que afetavam os judeus. Os judeus foram proibidos de ter empregados cristãos, de negociar com cristãos, de habitar na vizinhança cristã e inclusive o testemunho de um cristão prevaleceria ao de um judeu. O passo mais decisivo neste sentido foi dado pelo Quarto Concílio Latrão (1215) que criou a
odiada insígnia judaica (estrela amarela) que rotulava cada judeu como um proscrito vergonhoso. Ele também decretou a separação por bairros entre judeus e cristãos como também a proibição aos judeus de ocupar cargos públicos. A queda de Acre pelos cruzados em 1291 e a conquista do Oriente pelos mongóis contribuíram para que o judeu se torne parte inseparável do mundo islâmico.

Mesmo limitado pela legislação cristã ou pelas leis dos Dhimi, súditos protegidos, os judeus continuam a participar de forma ativa da vida social e econômica da Europa. Durante domínio do Islã, especificamente, judeus vivem sob o status de Dhimi e sua situação social é definida por um conjunto de regras conhecidas como o Pacto de Omar. Sob essas leis, as vidas e as propriedades ficavam garantidas e a prática de sua religião tolerada em troca do pagamento de impostos especiais. Judeus não poderiam construir novas sinagogas ou consertar as velhas, carregar armas ou andar a cavalo, além disso, deviam ainda usar roupas que os distinguisse dos muçulmanos.

Para Dinur, entre 1215 e 1348, é possível falar em termos de “estabilidade servil” ou “estabilidade de subjugação”. O judaísmo criaria, assim, uma espécie de espiritualismo a partir do sufismo, uma filosofia árabe de caráter racionalista. Desenvolve também uma mística e um pensamento esotérico baseado nas ideias da Cabalá, difundidas na região da Catalunha, no leste da Espanha e no sul da França.

O segundo período de crise, que ocorre de 1348 a 1496, inicia-se com os trágicos desdobramentos da Peste Negra na Europa, em 1348, e encerra-se com as expulsões dos judeus da Espanha, em 1492, e o batismo forçado imposto por Manuel I de Portugal em 1496. A Peste Negra aterrorizou a Europa dizimando 1/3 de sua população, sem discriminar judeus e cristãos. A multidão em pânico expressava e procurava minorar seu medo pelo fervor religioso extremado. Num clima de total histeria, circulou o rumor de que os judeus haviam causado a peste, envenenando poços de água potável. Centenas de comunidades
foram destruídas em violentos distúrbios. Os judeus, aos poucos, voltaram, mas suas vidas tornaram-se restritas, miseráveis e instáveis. No curso do século 15, foram expulsos dos Estados alemães, da Europa central e da Espanha.

É esse, também, um período de violentas conversões forçadas, shemadot, em hebraico, e massacres originários pelas Inquisições hispana e lusitana. Os fatos de maior repercussão foram, na opinião de Dinur, os massacres das comunidades de Castela em 1391, Guezerot Kana, e a política antijudaica estabelecida pelo rei D. João II de Portugal. O conflito entre Ocidente e Oriente fica acentuado, pois turcos lutam contra cristãos em Constantinopla em 1453, enquanto a Espanha trava uma luta de unificação contra o Islã em Granada, 1492, o último reduto árabe no Ocidente.

Os judeus estão cercados por duas forças: o Cristianismo, que converte, expulsa e reprime os judeus, confiscando seus bens; abrindo-se assim o tempo da Inquisição, e, além disso, após a “Disputa de Tortosa”, 1412-1414, o Judaísmo sefaradita perde sábios para o Cristianismo, enquanto outros abandonam definitivamente a Espanha; o Islamismo, que, por sua parte, tolera os judeus como súditos protegidos por ter livros sagrados, porém, os humilha de diferentes formas, basicamente exigindo às comunidades do Egito, Síria e Iêmen o pagamento de uma pesada carga tributária.

Há uma queda quantitativa e qualitativa de sábios e as comunidades ficam sem líderes, totalmente desamparadas, sem rumo e mergulhadas em profundas crises. A pergunta do judeu é: de que maneira deve o individuo de fé mosaica receber a sentença de conversão, Guezar Ha-Shemad? O Rambam já falecido nesses tempos é frequentemente lembrado no seu Iggeret Teiman, Epístola dos Judeus do Iêmen, em que aborda o tema da conversão a outra religião, concluindo que todo judeu que se afastou do rebanho, por pressões ou não, continua sendo parte do Povo de Israel.

Surgem, nessa época, ideias e tendências fortemente escatológicas e messiânicas para implorar a redenção final, a Gueulá do povo judeu. Um exemplo de sábio sefaradita que abordará em seus textos a “Profecia do fim dos tempos” será o rabino Isaac Abravanel, autor de uma trilogia sobre o Messias.

O terceiro período de estabilidade, que vai de 1496 a 1648, inicia-se nas expulsões dos judeus de Espanha e Portugal ocorridas de 1492 a 1496, e encerra-se nos terríveis massacres ocasionados em 1648 pelos cruéis cossacos de Bogdan Chemelnitzki. Os acontecimentos dessa época testemunham, também, a queda das comunidades judaicas na Ucrânia, e o inicio do desmembramento da Polônia e da Turquia. Devemos mencionar também as guerras de religião na Europa, a Reforma e Contra Reforma, além da rápida expansão da Espanha, de Portugal e da Holanda como potências marítimas na era do Mercantilismo.

O status dos judeus ficou determinado primeiramente pela outorga de privilégios e proteção a judeus por parte dos governantes, os Réis da Polônia e os Sultões da Turquia, havendo uma aceitação em lugares religiosamente mais tolerantes como na Holanda protestante, Amsterdã, em países e regiões que oferecem melhores possibilidades de crescimento econômico, sul da França, Países Baixos, Hamburgo; pela expansão de comunidades como resultado da dispersão hispano-portuguesa que levou inúmeros judeus exilados à Europa e ao Novo Mundo, a América Espanhola e a América Portuguesa; pelo surgimento das
comunidades judaicas em várias regiões da Polônia, cada uma com suas respectivas instituições comunitárias, cujo Judaísmo polonês, que chegou a ter mais de três milhões adeptos, foi destruído por Adolf Hitler no Holocausto, 1939-1945, durante a Segunda Guerra Mundial; pelo florescimento do centro espiritual de Safed na Terra de Israel sob domínio turco-otomano, 1517-1917, o maior centro do misticismo judaico, Cabala, desenvolvido principalmente pelo rabino Isaac Luria, Ari Hakadosh, no século 16; pelo crescimento da efervescência messiânica como resposta à dor e ao sofrimento do povo judeu durante o
período inquisitorial, assim, na Espanha e em Portugal surgem dois falsos messias: David Reuveni e seu discípulo Salomão Molcho à procura da redenção, mas ambos são desmascarados e tidos como verdadeiros impostores; pela aparição de judeus na corte da Itália, mecenas de inventores e artistas famosos fez parte do Renascimento. Na Itália funcionava o principio de privilégio chamado de condotta, ou seja, onde havia necessidade de capital para investimento, comunidades de judeus recebiam a condotta para disponibilizarem o capital para empreendimentos maiores. Essa delicada situação social é o cenário da peça O Mercador de Veneza, de Shakespeare.

O terceiro período de crise, de 1648 a 1789, inicia-se com os massacres dos cossacos nas comunidades da Polônia e encerra-se com a outorga de igualdade de direitos aos judeus durante a Revolução Francesa em 1789. O fato que marca esse período é a queda de todas as estruturas feudais que ainda prevaleciam na Polônia e na Turquia, e o surgimento de estruturas burocráticas amparadas em elementos da burguesia.

Em relação aos judeus assistimos a uma diminuição na segurança e no status socioeconômico das várias comunidades polonesas e turco-otomanas; ao aumento da segurança e da inserção socioeconômica em países que estimulam um progresso social como França e Alemanha; à crise e à dispersão de centros urbanos nos quais se concentra um número elevado de comunidades como resultado da crise ocasionada pelo falso messias de Esmirna, Shabatai Tzevi; ao aumento da pobreza em comunidades da Polônia, 1700, como consequência do surgimento do Chassidismo de R. Israel Eliezer Baal Shem Tov; e ao
surgimento de disputas internas nas comunidades judaicas da Europa central, principalmente na Alemanha, sobre a real função a ser preenchida pelo Iluminismo judaico.

O quarto período de estabilidade, de 1789 a 1881, inicia-se na igualdade de direitos reivindicada pelos judeus, durante a Revolução Francesa, Napoleão Bonaparte e o Sinédrio, e encerra-se com os massacres promovidos contra judeus pelo regime czarista entre 1881 e 1882. Há um estímulo de governos para iniciativas privadas e atividades econômicas, existindo um crescimento cultural na população. Na Europa, nota-se, também, uma união entre os povos, sempre sob o olhar de regimes social-democratas, exceto na Rússia.

Para Dinur, nesse período, o status dos judeus sofre modificações notórias como a permissão de uma igualdade do elemento israelita perante a lei, possibilitando-se a abertura de um despertar econômico parcial, controlado pelos regimes mais democráticos; na Rússia, estão presentes os fortes contrastes dentro das próprias comunidades judaicas, existindo algumas
divergências religiosas e culturais com os não-judeus; a maioria do judaísmo asquenazita vive no schtetel, vilarejo judaico, lugar densamente povoado que leva a uma situação de pobreza e inclusive miséria, retratado na arte de forma magnífica pelo pintor Marc Chagall, e na literatura pelo escritor Isaac Baschevis Singer.

A opção secular leva a um aumento das atividades sionistas. Surgem assim os jovens “Amantes de Sion”, Chovevei Tzion, e a idéia de retorno à pátria milenar. O sonho sionista recebe um forte apoio da filantropia judaica por meio de indivíduos, Sir Moses Montefiore e Edmond de Rotschild, ou por intermédio de instituições filantrópicas como a Aliança Israelita Universal, Kol Israel Chaverim, fundada em Paris, em 1860, com filiais nas diversas comunidades da Diáspora.

Acentua-se cada vez mais a diferença entre os judeus que moram no Ocidente daqueles que habitam no Oriente. Os primeiros, europeus, conseguem criar uma cultura para levar as comunidades a um renascer nacional, o Movimento da Haskalá, enquanto os últimos não produzem nenhum movimento cultural.

O quarto período de crise, de 1881 a 1948, inicia-se nos pogroms da Rússia czarista, com as Leis de Maio de 1882, e encerra-se na criação do Estado de Israel reconhecida pela ONU em 14 de maio de 1948, após 30 anos, 1917-1947, de Mandato Britânico na Palestina. O período se caracteriza por uma enorme vontade em afastar por todos os meios o judeu da sociedade.
Essa realidade acarretou o aumento do antissemitismo na Europa. O fortalecimento dos nacionalismos levou a lutas entre povos e nações pela fixação de fronteiras definitivas, gerando confrontos como a Primeira e a Segunda Guerra Mundial.

Segundo B.Z. Dinur, os judeus entendem que são tidas como pessoas pouco gratas nas sociedades, devido ao forte ódio e à declaração de guerra total contra o Judaísmo, atingindo o auge desse sentimento no extermínio de seis milhões de judeus pela Alemanha nazista entre 1933 e 1945.

O Holocausto levou os judeus a se unirem em torno de um único ideal: a obtenção de um Estado nacional próprio, livre e soberano. A luta por um lar foi travada pelo ishuv (comunidade de judeus na Palestina) e, paralelamente, por uma campanha massiva de judeus norte-americanos.

Seria, assim, necessário, recriar valores nacionais revitalizados anteriormente, dentre eles garantir a língua hebraica como idioma oficial do Estado de Israel; aumentar o movimento migratório judaico (1881-1920) rumo à Palestina e aos Estados Unidos de América; estabelecer instituições judaicas que pudessem apoiar e concretizar as ideias do novo Estado nacional dos judeus.

O clima de renascimento nacional poderia ser sintetizado, assim, nas palavras do poeta Naftali H. Imber, na letra do Hatikva, o hino do Estado de Israel: “Ser um povo livre em nossa terra, a terra de Sion, Jerusalém”. Em pouco tempo, o Estado de Israel completará seu 62º aniversário. A diáspora, por sua vez, continuará com sua própria contagem. Caberia indagar, seguindo a teoria de Dinur, em qual época vivemos atualmente? Um período de estabilidade e criatividade ou um período de crise, produto do recrudescimento do antissemitismo no mundo?

Há aqueles que pensam na primeira opção. O Judaísmo, para eles, vive uma era de ampla estabilidade e criatividade, pois afinal, o lar nacional já deixou de ser um sonho, convertendo-se numa realidade indiscutível. O jovem Estado de Israel foi reconhecido pela família das nações, superou suas dificuldades, consolidou uma sociedade pluralista e democrática; atingindo um crescimento cultural e tecnológico digno de uma potência de primeiro mundo. é difícil pensar na possibilidade que o Estado judeu alguma vez deixe de existir. No entanto, é o sionismo cultural ou espiritual de Achad Haam e Simon Dubnov aquele que prevaleceu, pois, segundo eles, sempre haverá dois centros judaicos, um na Diáspora e outro em Israel.

Por outro lado, há aqueles que, mesmo cientes que a criação do Estado de Israel pode ser considerada uma vitória; ainda pensam que hoje estamos atravessando por um complicado período de crises e pressões externas. Para estes, a fundação do Estado judaico aliviou a situação, mas ainda não deixou os judeus tranquilos. Problemas de convivência com os vizinhos árabes, principalmente com os palestinos, não foram totalmente resolvidos. Isso demonstra que não há nenhuma garantia de estabilidade e sossego. Para os defensores dessa ideia, devemos lembrar a escalada antissemita e anti-israelense de uma Comunidade Europeia judeofóbica e pró-árabe.

O problema do exílio ou da denominada diáspora forçada, que definiu a História Judaica e determinou o caráter do Judaísmo durante séculos, foi resolvido. Agora já existe um Estado judeu. Novamente o judeu pode redefinir sua identidade judaica em termos de cidadania. Como qualquer israelense, um judeu da Diáspora pode falar a língua nacional, celebrar as festividades e viver em meio aos restos físicos de um passado remoto judaico, entre cidadãos de antecedentes históricos similares. Esse judeu não precisa se agarrar a qualquer conjunto de crenças ou comportamentos tradicionais para ser considerado um israelense.
Para esses judeus da Diáspora, a religião toma seu lugar entre os muitos aspectos da cultura nacional. No entanto, esse judeu que habita fora de Israel pode observar práticas religiosas judaicas, se assim escolher, ou pode abandoná-las, como a maioria dos israelenses fez, sem chegar a comprometer sua identidade judaica.

Para os judeus da Diáspora, hoje é mais fácil e mais aceitável ser um cidadão judeu em um país não judeu do que jamais o foi no curso inteiro da História Judaica. As democracias ocidentais garantem direitos civis a todos os cidadãos, seja lá qual for sua religião. O antissemitismo, que permeia a teoria de Dinur, pode não ter sido eliminado nos âmbitos mais altos e mais baixos da sociedade, mas na maioria dos regimes políticos os judeus são plenos cidadãos com todos seus direitos civis e religiosos.

O maior problema pelo qual atravessam os judeus na Diáspora, hoje, não foi lembrado na teoria de Dinur. Trata-se da facilidade com que judeus abandonam a comunidade, agora que têm liberdade para isso. De um modo geral, o Judaísmo sempre mostrou uma tendência de se definir mais como uma religião do que como uma identidade nacional.

Cabe, pois, a cada judeu comprometido com o futuro da sua própria comunidade, debater nas instituições essa importante questão. A resposta não é nada fácil, mas formular a pergunta já é uma forma de acreditar que estamos cientes da importância do tema. Israel e a Diáspora enfrentam na atualidade novos desafios, mas nunca houve uma época melhor para fazer parte da História Judaica.

Referências

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