Lendas e mitos judaicos d’além-mar

As lendas de além mar desvendam a presença de judeus lusitanos nos trópicos e de judeus brasileiros no continente europeu e africano. Por intermédio de lendas judaicas testemunhamos um fato indiscutível: para judeus e cristãos-novos ibéricos, as águas do Atlântico deixaram de ser um obstáculo intransponível, convertendo-se num lugar de reencontro com a tão amada liberdade. No mar, o judeu recuperou sua identidade, respondendo com convicção a dúvidas e incertezas. Este artigo analisa algumas lendas e mitos judaicos d’além mar no contexto da cultura luso-brasileira.

Palavras-chave: Mitos. Lendas. Judeus.

Las leyendas de ultramar revelan la presencia de judíos lusos en los trópicos y judíos brasileños en los dos continentes: Europa y África. Es justamente por intermedio de estas leyendas que podemos testimoniar un hecho indiscutible: para los judíos y cristianos nuevos ibéricos, las águas del Atlántico dejaron de ser un obstáculo intransponible, para convertirse en un lugar de reencuentro con la tan amada libertad. En el mar, el judío recuperó su propia identidad, respondiendo con convicción a sus dudas e incertidumbres. Este artículo estudia las diferentes leyendas y mitos judíos de ultramar en el contexto de la cultura luso-brasileña.

Palabras claves: Mitos. Leyendas. Judíos.

No universo de mitos e lendas do Atlântico, constituído pelas diferentes diásporas, há inúmeras histórias que fazem referência aos judeus e ao Judaísmo. Até hoje foram divulgadas poucas lendas hebraicas, uma pequena parte conhecidas, outras especulativas e extravagantes. A maioria delas relacionadas com a presença judaica ou cristã-nova na epopEia d’além-mar.

O total desconhecimento e a falta de divulgação dessas narrativas têm seus motivos justificados, principalmente devido ao fato da historiografia judaica ter sempre um caráter europocentrista, ou seja, nunca adjudicou importância aos acontecimentos que ocorriam deste lado do Atlântico.

Dentre as mais curiosas lendas, destacaremos:
1. As dez tribos perdidas em Eldad El-Dani;
2. Preste João e sua cruzada a Jerusalém em 1165;
3. Os judeus d´além do Sambation;
4. Um náufrago português reencontra duas tribos perdidas;
5. O mouro da Rua Nova de Lisboa: 1497-1506;
6. Os índios do Brasil segundo Montaigne: 1580;
7. Judeus pigmeus em Guershom Halevi Jüdels: 1630-1631;
8. Os judeus do Relatório Montezinos: 1640-1642.

1. As dez tribos perdidas

O destino das dez tribos perdidas durante o cativeiro assírio gerou inúmeras teorias, todas elas polêmicas e especulativas. A fértil imaginação romântica foi estimulada por narrativas pouco prováveis que, testadas por métodos científicos, permitiram reconstruir fatos mais ou menos documentados sobre a existência e o destino dessas dez tribos de Israel.

O relato dessa lenda começa depois que judeus do Reino de Israel (exceto as tribos de Benjamin e Judá) foram levadas em cativeiro pelo rei Salmaneser no século 8 a.C. O texto do Livro II dos Reis 18:11 relata que “o rei da Assíria levou Israel para Assíria e os colocou em Chalah e Chabor, as margens do rio Gozan, e nas cidades medas”.

Durante toda a Idade Média e início dos tempos modernos, a descoberta das dez tribos perdidas era permanentemente anunciada por viajantes e cronistas judeus. Provas de sua existência foram registradas, mencionando-se judeus em lugares recônditos como China, Japão, Sudão, Azerbaijão, Abissínia, Daguestão, Índia e nas regiões do Novo Mundo. Judeus espalhados pelas comunidades de Kaifeng, khaibar, Cochim, Ormuz, Criméia, Sahara, Bombaim e Iêmen, seriam também uma parte inseparável do povo de Israel misteriosamente oculto no tempo e no espaço.

No primeiro livro das Antiguidades de Israel, Flavio Josefo afirma que essas dez tribos tenham habitado às margens do rio Eufrates. Esse argumento do mais antigo historiador judeu foi mantido como verdadeiro até o século 9. Porém, tudo mudou com a aparição de Eldad El-Dani, um judeu que visitou comunidades na Babilônia, ao norte da África e na Espanha.

El-Dani afirmava ser descendente de uma comunidade situada ao leste da África, um lugar no qual moravam algumas das dez tribos: Asher, Gad, Naftali e Dan. Suas palavras despertaram o interesse dos israelitas nas várias comunidades; semeando fortes esperanças messiânicas; pois, segundo a tradição judaica, as profecias não se realizarão enquanto não se concretize a congregação dos remanescentes de Israel, e dessa forma, possa ser presenciada a sonhada Redenção.

A maioria dos rabinos, sedentos dessa redenção, acreditou piamente nas afirmações de El-Dani e suas revelações encontraram boa repercussão fora do mundo judaico. Judaísmo e Cristianismo ficaram intrigados. Com raízes no ocidente, essas religiões precisavam saciar uma forte efervescência messiânica acumulada através dos tempos. A cristandade ficou maravilhada com a lenda das chamadas “Dez Tribos Perdidas” e se envolveu por completo nessa fascinante aventura a procura da Salvação. O Judaísmo, também, acompanhou de perto essa constante busca de seus remanescentes.

2. Preste João e sua cruzada a Jerusalém em 1165

No século 12 circulou na Europa uma epístola que mencionava uma lenda sobre a possível existência de um reino cristão na Índia. Esse lugar era governado por um rei sacerdote chamado Preste João. Certa carta de sua autoria descreve uma terra repleta de pedras preciosas e animais exóticos, um país sem criminalidade nem violência, sem mentiras nem trapaças, sem arrogância nem falsidade. Desde sua terra natal, Preste João saiu com seu exército para libertar o Santo Sepulcro em Jerusalém dos infiéis muçulmanos. A veracidade do relato trouxe controvérsias históricas, mas a credibilidade entre o público era indiscutível.

A relação de Portugal com a lenda de Preste João teve início por volta de 1415 durante a conquista de Ceuta. A expansão ultramarina e a conquista das praças muçulmanas representam um motivo suficiente para que monarcas lusitanos se aliassem a Preste João na luta contra os infiéis. O objetivo comum era distanciar os turcos e árabes da Europa católica. O desejo dos reis era unir-se a Preste João na Etiópia, para assim ampliar seus domínios geográficos, e consagrar-se fieis defensores do
Cristianismo. A propaganda na Europa era intensa e os portugueses, saudosos da Terra Santa, peregrinavam à Jerusalém. As expedições marítimas constituíam verdadeiras cruzadas.

Expedicionários renomados como Bartolomeu Dias, Pedro de Covilhã e Afonso Paiva foram solicitados de passar à terra do Preste João, via Jerusalém ou Cairo, no entanto “nunca algum deles retornou”. Nessas viagens rumo ao distante reino de Preste João, brilhou a presença judaica. Há uma referência ao doutor Mestre Moisés (judeu convertido de Lisboa em 1497), que teria preparado mapas utilizados por Pedro de Covilhã nas expedições. Outros judeus célebres que colaboraram nas descobertas em
áreas de cartografia e náutica foram Dom Iehudá ben Abraham Cresques, Jose Vizinho e Abraham Zacuto. Ao lado desses pioneiros da arte de navegar, os cronistas mencionam informantes, colaboradores e andarilhos judeus menos conhecidos, porém tão importantes como os primeiros.

Sem dúvida, a imprensa foi a grande responsável pela difusão do misterioso reino de Preste João na África. Os incunábulos (primeiros livros impressos em tipografias) são prova suficiente da repercussão que essa lenda teve entre os leitores da época. A partir de 1470, se imprimem em Portugal uma quantidade de cartas com relatos fantásticos do rei etíope, bem como narrativas das aventuras de Marco Polo e Ludolpho de Suchen.

Em “Verdadeyra informação das ierras do Preste João das Índias”, 1540, confirma-se a participação decisiva dos judeus na viagem de Afonso de Paiva e Pedro Covilhã. Já em Lendas da Índia, do cronista Gaspar Correia, registra-se outra versão daquela transcrita na Verdadeyra informação. Para Correia, os dois portugueses se separaram em Meca: Pedro de Covilhã se dirigiu via Egito em busca das terras de Preste João enquanto Afonso de Paiva teria viajado até a Índia em companhia de um mercador judeu com quem fez amizade contando-lhe todo seu trabalho. Na companhia do judeu, Paiva teria retornado de Ormuz, lugar em que veio falecer. O judeu ficou triste e lhe prometeu que iria a Portugal “a dar conta a El-Rei das cousas que aconteceu na viagem”.

Na crônica de João de Barros, há uma versão diferente sobre as viagens de Paiva e Covilhã. Lá, aparece certo Josef, sapateiro de Lamego, que teria retornado a Portugal de Bagdá. Para Barros, ambos os viajantes teriam chegado via Alexandria e Cairo até Adem. Nesse local, se separaram partindo Paiva para Etiópia em busca do reino de Preste João e Covilhã, rumo à Índia em busca de especiarias.

Pero de Covilhã, retornando da Índia, soube que Afonso de Paiva havia falecido. Pedro de Paiva teria enviado um relatório ao rei de Portugal sobre os tesouros da Índia, para, logo depois, continuar até Ormuz. Ali colheu novas informações para o monarca por intermédio do rabino Abraham de Beja, judeu lisboeta que também procurava o reino de Preste João. Desaparecidos os dois viajantes portugueses, restaram apenas informações fornecidas pelo sapateiro Josef de Lamego e pelo rabino Abraham de Beja. O caminho à Índia seria uma etapa preparatória para a grande expedição de Vasco da Gama.

3. Os judeus d’além do Sambation

Curiosas e fascinantes lendas acerca das águas do rio Sambation foram compiladas tanto no Midrash como no Targum. No texto do Targum Pseudo-Jonathan afirma-se: “Eu os tirarei dali e os colocarei do outro lado do rio Sambation”. Já a tradição talmúdica representada pelo Talmude de Jerusalém, fala de três exílios sofridos pelas dez tribos perdidas: o primeiro caminho ao rio Sambation, o segundo rumo a um lugar desconhecido de nome Dafne, e o terceiro seria em direção à Antióquia.

Vários milagres atribuídos às águas do Sambation são mencionados no Talmude. Existe um diálogo entre Tineius Rufus e o rabino Akiva que exemplifica essa questão. O primeiro pergunta ao sábio judeu como pode ter certeza que o Shabat é realmente o dia sagrado dos judeus. O rabino Akiva responde: “Deixe o rio Sambation prová-lo”. Ignoramos o motivo pelo qual Akiva teria respondido dessa forma. Mas, o Talmude e o historiador Plínio “o Velho” explicam: “O rio Sambation atira pedras todos os dias do ano, porém ele descansa no Shabat; ou melhor, [já] na sexta-feira depois do meio-dia fica calmo como prova de que realmente chegou o Shabat”.

Outras fontes judaicas revelam os poderes sobrenaturais do Sambation. O Ramban (Nachmânides) identifica o Sambation com o rio Gozan, aceitando que o nome possa derivar da frase Shabat-ha-iom, que em hebraico significa “hoje é Sábado”. No itinerário Massaot Rabi Petachia (Viagens do Rabino Petachia de Regensburg), escrito no século 12, há uma referência explícita ao efeito Sambation. Afirma o sábio que no centro talmúdico de Iavne existia uma cachoeira cujas águas jorravam durante seis dias por semana, mas aos sábados elas paravam de fluir.

Não faltam fontes cabalísticas que mencionem a história do Sambation. Em 1260 o rabino Abraham Abulafia viaja à Terra de Israel e começa a procurar o rio, tentando localizar as dez tribos perdidas. A relação entre o Sambation e as tribos de Israel foi associada frequentemente à figura controversa do falso messias Shabatai Tzevi.

Conta um relato que o próprio profeta Natan de Gaza, o anunciador da redenção shabataísta, divulgou uma lenda na qual o messias de Esmirna, depois de morto, teria ido ao encontro das dez tribos perdidas do outro lado do Sambation. Ali, numa vila próxima ao rio, teria casado novamente com a filha de Moisés. Se os discípulos do sábio Natan fossem merecedores da divina Redenção, Shabatai os aguardaria após sete dias do casamento; no entanto, se os seguidores não fossem dignos da Salvação, Shabatai permaneceria indefinidamente além do Sambation, sofrendo pelos pecados de Israel.

4. Um náufrago português reencontra duas “Tribos Perdidas”

Um sábio judeu ligado às descobertas ultramarinas partiu de Portugal rumo às Índias quando subitamente, em alto-mar, foi tomado por uma forte tempestade. A embarcação afundou morrendo todos seus tripulantes, exceto o judeu. Durante três dias e três noites ficou o judeu nas águas segurando um pedaço de madeira da nave e, no quarto dia, as ondas o aproximaram à praia. Deitado na areia, já sem forças, faminto e sedento, foi rodeado por homens de pele escura despidos de suas roupas. Todos seguravam arcos e flechas.

O judeu, com medo de que esses homens fossem canibais à procura de seu jantar, começou a gritar: “Shema Israel” (Ouve Israel) enquanto os índios completavam a frase dizendo “Adonai Elohenu Adonai Echad” (O Senhor é nosso D’ us, O Senhor é Um). Pasmo, sem acreditar o que estava acontecendo com ele, o judeu foi alimentado e vestido pelos nativos. Após sete dias de viagem, foi levado diante do rei. Durante a viagem, informaram ao judeu que no império habitam duas tribos israelitas: Simeão e Issachar.

Os membros da tribo de Simeão eram valentes guerreiros que cuidam das fronteiras desde altas torres; os de Issachar se dedicavam ao estudo da Torá e rezavam com muita devoção nas suas sinagogas. O líder dessa tribo era um rei. No momento de penúria e sofrimento, se envolvia em seu talit (xale judaico) e uma coluna de fogo descia do céu sobre sua cabeça. Esse rei dos judeus de Issachar ficou contente com a visita do viajante de Portugal. Todos os componentes de sua tribo se reuniram na sinagoga para recebê-lo. Estes filhos de Issachar queriam ter notícias sobre Jerusalém e o Templo. Na hora que o judeu lusitano contou sobre a destruição do Templo, a conquista e queima de Jerusalém, os ouvintes ficaram atônitos e perplexos. Todos começaram a entoar com devoção ‘Lamentações’ (kinot), rasgando suas roupas e chorando amargamente a perda do santuário e da cidade santa. Os homens de Issachar caiam em prantos, enquanto os fortes guerreiros de Simeão prometiam reconquistar Jerusalém pela espada.

O rei de Issachar pediu para os judeus de ambas as tribos que acalmassem os ânimos. Ele tornou a envolver-se com seu talit até ficar totalmente coberto por uma nuvem de fogo. Depois de ficar por alguns minutos dentro do fogo, saiu triste, proclamando com voz forte diante dos seus correligionários: “Aguardem, aguardem mais um pouco a Redenção, que ninguém saia de seu lugar para que todos nós possamos obter a Salvação!”. Ao ouvir essas palavras proferidas pelo rei de Issachar, os judeus das duas tribos caíram em prantos. Entre os chorosos israelitas encontrava-se o rei e o anônimo viajante português.

5. O mouro da Rua Nova de Lisboa

Até 1497, durante o tempo em que o Judaísmo ainda era permitido em Portugal, a Rua Nova era a artéria principal e centro comercial de Lisboa. A cidade era o lugar onde viviam judeus influentes com suas sinagogas. Depois da conversão promovida pelo rei D. Manuel I, a Rua Nova continuou sendo uma zona habitada por cristãos novos, tornando-se o lugar preferido da plebe lusitana para organizar tumultos e atormentar a vida dos israelitas. Dessa forma, entre 1504-1506, foram ameaçados e
agredidos os conversos lisboetas. Isso acontecia nos dias em que se realizava um Auto de Fé na cidade. A população exaltada corria pela Rua Nova e insultava os moradores de fé mosaica, apedrejando suas casas.

A Rua Nova era um lugar procurado por aventureiros interessados em provocar os cristãos-novos ali estabelecidos. Entre os judeus reinava um clima de temor diante das constantes atribulações. Certa vez, circulou a noticia a respeito de um homem negro que, em tom provocativo, anunciava aos moradores da Rua Nova a chegada do Shabat, ostentando uma campânula com areia, supostamente originária do rio Sambation.

O sábio rabino Menasseh ben Israel escreveu em The Hope of Israel, A Esperança de Israel, sobre este exótico personagem dizendo:

[…] un moro tenía una redoma desta arena y que para infamar los cristianos
nuevos de judíos, solía pasearse al viernes, entrante el Sábado, por la calle
llamada Rua Nova, donde tienen sus tiendas, y enseñándoles la redoma,
decía cerrad las tiendas judíos, que ya es llegado el Sábado.

As fortes perseguições da Inquisição contra os cristãos-novos os forçaram a fugir de Portugal com seus bens. Levavam na bagagem tristes lembranças da rua principal de Lisboa. Na documentação portuguesa, lemos que “era uma pena ver a Rua Nova desolada”, pois com a desaparição dos cristãos novos “desaparecia a animação daquele ponto de convergência do comercio exterior aonde em outros tempos concorriam [com] as riquezas do Oriente e das Américas”.

6. Os índios do Brasil segundo Montaigne

Estudar história é, muitas vezes, conhecer frases marcantes. Uma delas proclama o seguinte ensinamento: “Qualquer que seja a cor de sua religião, todos os homens são merecedores de respeito”. Quem afirmava isto numa época de intolerância, em que muitos consideravam que os índios não tinham alma e que os hereges mereciam arder na fogueira, foi o escritor Michel de Montaigne (1533-1592), um dos humanistas do Renascimento. Suas máximas ainda parecem atuais. Em “Ensaios” (1580),
pouco lido e bastante citado, constitui uma das mais autênticas obras do espírito humano.

Em 1560 a França é governada pelo rei Carlos IX. Michel Montaigne visita Paris e acompanha a corte até Ruão, para onde serão levados alguns índios recolhidos na Guanabara (Rio de Janeiro) pelos calvinistas franceses ali desembarcados. É surpreendente a variedade de temas que aborda Montaigne nos seus Ensaios: as tristezas do homem, a alma, as paixões, intenções, as ações, ociosidade, mentiras, gostos, opiniões, punições, covardia, astúcia, medo, filosofia, força da imaginação, proveito, prejuízo, conselhos, pedantismo, educação das crianças, moderação, as leis divinas, amizade, fortuna, os defeitos da política, desigualdade, costumes, as sutilezas, preces, idades.

Montaigne amava a verdade e se propunha a defendê-la até a fogueira, convindo não esquecer a quanto ele se arriscava, mais ainda sendo descendente de pais judeus. O Brasil está presente em algumas passagens da obra de Montaigne, de quem Machado de Assis foi leitor devoto, a ponto de citá-lo inúmeras vezes em suas crônicas e contos.

No capítulo “Dos canibais”, o humanista francês comenta a inútil tentativa de Nicolau Durand de Villegaignon de estabelecer na Guanabara a sua França Antártica:
“Tive longo tempo comigo um homem que passava dez ou doze anos nesse outro mundo que foi descoberto em nosso século, no lugar onde Villegaignon tomou a terra que denominou França Antártica. Essa descoberta de um país infinito parece digna de consideração. Não saberei dizer, se no futuro, não virá a ser descoberto outro ainda maior, uma vez que tantos homens, bem mais doutos que nós, se enganaram a este respeito. Mas tenho medo de que os nossos olhos sejam maiores do que nosso ventre e que tenhamos mais curiosidade do que capacidade”.

Falava Montaigne de um Novo Mundo descoberto, e de índios brasileiros levados para a França. Ele transcreve, nesse capítulo, duas canções, uma guerreira e outra amorosa, ambas recolhidas desses índios, achando na última delas uma trama anacreôntica.

Nos “Ensaios” comenta Montaigne que “o rei falou com eles [os índios] por longo tempo; foram-lhes mostradas as nossas maneiras [ocidentais], a nossa pompa, a forma de uma bela cidade. Depois disso, alguém lhes pediu suas opiniões, querendo saber o que haviam achado de mais admirável”. Os índios responderam que foram atraídos por três coisas, das quais Montaigne esqueceu a terceira delas: em primeiro lugar acharam muito estranho que homens grandalhões, com barbas, fortes, e bem armados, se submetessem a um menino (rei); em lugar de escolherem eles mesmos um rei adulto para comanda-los; e segundo disseram que tinham visto homens de posses, abastados, mendigando às suas portas, descarnados de fome e de pobreza. Isto lhes pareceu uma tremenda injustiça.

Montaigne comenta que o rei chegou a falar com os índios, mas o intérprete dele era tão ruim que não conseguia tirar proveito do encontro. Esse contato dos índios guanabara com o pequeno rei da França de fato aconteceu em 1562. Nos “Ensaios”, Montaigne volta a falar do Brasil por meio de elementos recolhidos na História de Portugal de Goulard. Lá fala, também, de outras tribos das Américas e afirma que os aborígines nos trópicos eram tão saudáveis que não morriam a não ser de velhice, o que atribuía à serenidade e à calma de seu modo de vida. Para Montaigne, esse fato acontece por tratar-se de pessoas com almas serenas, descarregadas de paixões e pensamentos negativos, como também por serem pessoas que vivem uma vida de admirável simplicidade, sem letras, sem lei e sem religião alguma.

Nos “Ensaios”, Michel de Montaigne também critica a desonestidade e crueldade dos procedimentos de D. João II para com os judeus espanhóis, isto antes de ser introduzida a Inquisição em Portugal.

7. Judeus pigmeus em Guershom Halevi Jüdels: 1630-1631

Essa antiga lenda foi contada pelo judeu de Praga Guershom ben Eliezer Halevi Jüdels, e registrada no seu livro Guelilot Eretz Israel publicado em Lublin em 1634. O texto, que mistura fatos, fábulas e fantasias, relata as viagens de peregrinação do autor por terras de Salônica, Abissínia, Terra Santa e Arábia. Numa delas, Guershom se deparou com judeus pequenos de pele vermelha. O viajante perguntou a eles de que lugar eram originários, estes responderam que habitavam a terra de Chabash,
na Abissínia. Haviam chegado para comprar ferro e transportá-lo para as margens do rio Sambation. Muito curioso, o judeu de Praga indagou a que distância fica e quanto tempo demoraria uma eventual viagem ao Sambation. Os pigmeus israelitas responderam que uma viagem para lá levaria de oito a doze meses. Guershom Jüdels entendia a língua dos mercadores judeus. Solicitou autorização a eles e se juntou à caravana. O chefe dos judeus, que gostou muito do Guershom, garantiu que o percurso até o Sambation seria seguro e que em breve retornaria.

Todos os pormenores da viagem, os países visitados, mares e desertos alcançados por Guershom Jüdels demandariam mil folhas de papel. Ele mesmo nos conta, resumidamente, que chegou até o túmulo de Maomé, em Meca, onde moravam judeus. A pouca distância da cidade santa do Islã havia montanhas e lá também viviam grupos de israelitas. Trabalhavam no comércio de especiarias, ouro e prata; abstinham-se de carne e somente comiam frutas, manteiga, leite e açúcar. Suas casas careciam
de telhado e todos usavam roupas de seda e pérolas.

Para chegar ao Sambation era necessário atravessar o deserto. Guershom tomou a rota do mar, bem mais curta e segura. Na região havia ferro. Em certas partes do mar podiam identificar-se colunas de fogo e fumaça. Em volta as ilhas havia enxofre e águas sulfurosas. O viajante foi entendendo que ali era o guehena ou inferno.

Ao chegar à cidade mais próxima do Sambation ouviu-se um rugido que vinha do rio. Quando Jüdels decidiu aproximar-se da margem do rio foi aconselhado que não o fizesse. Os habitantes da cidade comentavam que o rei Pristian havia colocado guardas na praia para evitar ataques dos pequenos judeus vermelhos. No entanto, quem eram os judeus vermelhos?

Guershom passou três semanas nessa cidade vizinha do Sambation. Queria saber da boca dos guardas o motivo pelo qual não poderia atravessá-lo. Eles lhe responderam que o rio Sambation atira pedras diariamente e, por isso, fica quase impossível cruzá-lo. Sendo tão complicado realizar o percurso, porque o rei havia decidido colocar soldados para defender suas margens? A resposta veio dos próprios guardas. Eles vigiavam a praia apenas durante duas horas, apenas as sextas-feiras à tarde, antes do sábado, quando as águas acalmavam.

No sábado, os guardas ficavam afastados. Eles sabem que os pequenos judeus vermelhos são homens extremamente piedosos que não perturbariam a paz do dia mais sagrado da semana atravessando o Sambation. Na prece do anoitecer (maariv) eles retornavam a seus postos, enquanto o rio começava a se agitar, a ferver e a atirar enormes pedras.

Guershom derrama lágrimas de alegria ao escutar esta estória. Ele não revelou a ninguém que era judeu, pois os habitantes da cidade temiam os judeus vermelhos. O viajante queria vender alguns quilos de ferro que havia obtido nessa viagem. Foi informado que por 50 kg de ferro os judeus dariam 50 kg de ouro. O comentário geral era que os judeus possuíam montanhas de ouro, árvores frutíferas, gado, aves, peixes e especiarias. Estes vestem roupas com bordados de ouro e prata, mas nunca vestem o preto, pois eles gostam de cores alegres.

Os habitantes dessa cidade próxima ao Sambation comentam que se um homem mata um animal, de imediato é condenado à morte. O Sambation é um rio que muda a largura durante seu curso. O povo que mora nas suas margens não bebe as águas do rio por tê-las como sagradas e terapêuticas. Elas curam qualquer tipo de doenças.

Do outro lado do Sambation vivem apenas hebreus que são governados por 24 reis, todos judeus. Cada monarca domina um reino distinto com cidades fortificadas. Porém, há um rei que sobressai dos outros. Este é um bravo guerreiro que cavalga um leopardo e, na sua retaguarda, o seguem 1.500 homens munidos de armaduras e lanças. Eles montam cavalos fortes e bem treinados para morder e dar coices a todos os estranhos que deles se aproximam. Esses animais são ferozes e muito difíceis de
montar.

Quando o rei-mor chamado Eliezer resolve montar seu leopardo, os seus súditos lhe trazem uma escada de ouro para que possa subir e desta forma montar a fera. De imediato, seus guerreiros montam seus cavalos, e quando o Sambation se acalma, uma parte atravessa o rio e guarda o sábado no território inimigo; enquanto a outra lhes dá cobertura e proteção. Os guerreiros judeus utilizam armaduras e arcos de ouro. Suas flechas estão embebidas num veneno mortal.

Os pequenos judeus vermelhos possuem outro guerreiro famoso entre aqueles 24 reis. Ele se chama Daniel e é considerado um tzadik, um homem justo e misericordioso. Vive num palácio construído de pedras preciosas e diamantes. Ele, Daniel, se dirige à sinagoga cercado da Rainha, seus quatro filhos e suas duas filhas. Eles são rapazes fortes, e elas, moças lindas e piedosas. Todos os judeus vermelhos ganham a vida com facilidade. Nada falta em seu reino, exceto ferro. Daniel tem uma gema entre seus tesouros. A jóia é sempre exibida aos sábados no palácio real. Ela brilha dia e noite como um sol e costuma ser a “Luz do Shabat”.

Quando Guershom esteve visitando os judeus vermelhos, o rei da Índia mandou ao soberano Eliezer uma delegação de três nobres com uma oferenda de paz. O rei os recebeu com honrarias. O presente entregue ao governante foi um selvagem decapitado, com olhos e boca no peito, usando quarenta pérolas puras e límpidas.

Depois de visitar a fértil região do Sambation, Guershom Halevi Jüdels passou pelas montanhas de Niksor onde viviam os filhos de Jetrô. Por trás das montanhas, habitavam as quatro tribos de Dan, Naftali, Zevulum e Asher. Desde Niksor o viajante de Praga chegou a Isman onde moravam os cazares (cuzarim). Finalmente Guershom atingiu Chabash, um lugar na África. Lá descobriu os judeus negros ou etíopes.

9. O Relatório Montezinos: 1640-1642

Durante o século 17, cristãos-novos emigraram da Holanda rumo ao Novo Mundo e do Novo Mundo a Holanda. Aaron (Antônio) Levi Montezinos (1605-1650) era um desses viajantes portugueses que embarcou rumo às Índias Ocidentais, Pernambuco, até encontrar a distante província de Quito (Equador), tomando conhecimento da existência de um índio chamado Francisco.

O índio Francisco observava costumes diferentes do resto das tribos. Ele tinha por hábito denominar D’us de Adonai e reconhecia Abraham, Isaac e Jacó como seus legítimos ancestrais. Sua forte curiosidade o levou a penetrar no sertão brasileiro até atingir as ribeiras de um rio. Lá Montezinos conversou com Francisco e com outras gentes estranhas que diariamente recitavam as sagradas palavras “Shemah Israel, Adonai Eloheinu, Adonai Echad” (Ouve Israel), a verdadeira essência do
Judaísmo. Estes aborígines, não só que se consideravam parte do rebanho de Jacó, mas afirmavam descender das tribos de Reuven e Levi. Baseando-se nesses depoimentos de Francisco, Aaron Levi Montezinos entendeu que estes nativos poderiam constituir-se em vestígios vivos das Dez Tribos Perdidas, assentadas em regiões intransponíveis das Américas, principalmente nas terras vizinhas à cordilheira dos Andes. De imediato, este ilustre judeu holandês redigiu um “Relatório” que foi entregue ao rabino Menasseh ben Israel (1604-1657), maior autoridade rabínica da Europa naquele tempo.

Rabi Menasseh não se conformou apenas em tomar conhecimento dessa fascinante história acerca das raízes judaicas dos índios americanos, mas decidiu também transcrever o “Relatório Montezinos” no prefácio de The Hope of Israel (A Esperança de Israel) publicada em Amsterdã em 1659. O texto do rabino está integramente dedicado ao Parlamento britânico por ter autorizado o retorno dos judeus à Inglaterra depois de 300 anos.

A tese sustentada pelo rabino holandês Menasseh ben Israel era que o “Relatório Montezinos” constituía uma prova contundente da presença da Profecia de Israel, na qual as dez tribos perdidas seriam reunidas na milenar Terra de Israel.

Naturalmente, o exótico relato de Aaron Montezinos também despertou curiosidade em círculos não judaicos. Em 1650, Sir Thomas Thorowgood (1595-1669) escreveu “Jews in América or Probabilities that the Americans are of that Race”. Em 1652, apareceu em Londres uma replica à obra anteriormente mencionada, de Sir Hamon L´Estrange (1583-1654) intitulada: “Americans no Jewes or Improbbilities that the Americans are of that race”. A tréplica não demorou e, por volta de 1660, vêm a luz a resposta definitiva de Sir Thorowgood sob o título “Jews in América or Probabilities that those Indians are Judaical, made more probable by some additionals to the former conjectures”.

O “Relatório Montezinos” foi pouco estudado. Ele é fonte essencial para entender as ramificações judaicas da população indígena do Novo Mundo e da consolidação da autóctone brasileira nos trópicos.

Palavras finais

As lendas de além mar são um manancial de informação acerca da presença de judeus lusitanos nos trópicos e judeus brasileiros nos continentes: Europa e África. É por meio das lendas cristãs e judaicas d’além mar que conseguimos testemunhar que, para muitos homens, o mar deixou de ser um obstáculo intransponível cercado de privações. Atravessar o mar infinito foi, para muitos, reencontrar sua tão amada liberdade, recuperar a esquecida identidade, responder com convicção às dúvidas e
incertezas. Para os aventureiros que naquelas épocas saíram à procura de novos horizontes: além mar foi missão e paixão; riqueza e religião; retrato de um mundo em transição; submissão e intolerância; água e fogo, ódio e preconceito; busca incansável de novos horizontes; gesta de homens cruéis e intolerantes; punição de inocentes e gratificação de perversos; castigo de uma minoria e recompensa de uma maioria; Atlântico, com seus segredos e mitos; possibilidade de novas descobertas; simbolizou a gestação, consolidação e difusão de mitos e lendas.

O mar, imensidade a céu aberto, tão longe e tão perto, foi cúmplice de nossa pesquisa. Aquele mar salgado e amado de Luiz Vaz de Camões e Fernando Pessoa reforça mais uma vez a repetitiva afirmação que ecoa desde suas profundidades: Navegar é preciso.

Referências

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