“Atravessando os portões de Auschwitz” – Visita ao Memorial do Holocausto de São Paulo

ATRAVESSANDO OS PORTÕES

A entrada ao “Memorial do Holocausto” em São Paulo é feita de maneira simbólica. Para poder ingressar, o visitante deverá atravessar os portões do campo de Auschwitz. De forma súbita ele avistará o letreiro “Arbeit Macht Frei” (O trabalho liberta), e ali mesmo registrará sua primeira sensação de aflição e agonia.

Afinal…, onde estamos entrando? Para os nazistas era fácil convencer os prisioneiros a realizar trabalhos para o futuro da Alemanha; já para os prisioneiros era um alerta, lembrando-os que trabalhariam até a exaustão e que jamais voltariam com vida deste lúgubre lugar. A ideia de utilizá-la nos campos é atribuída ao SS Theodor Eicke, comandante do campo de Dachau e um dos chefes da organização da rede de campos nazistas. Certa vez, o pensador Prof. Yeshayahu Leibowitz, filosofando sobre a frágil condição humana dentro deste campo de morte, afirmou: “Auschwitz era outro planeta”.

A expressão da placa foi extraída do romance do filólogo alemão Lorenz Diefenbach, “Arbeit macht frei: Erzählung von Lorenz Diefenbach” (1873), no qual apostadores e fraudadores encontram o caminho da virtude por meio do trabalho. A expressão foi adotada em 1928 pela República do Weimar como slogan que exaltava os efeitos de seu programa de obras públicas destinadas a acabar com o desemprego. O uso da frase continuou quando os nazistas chegam ao poder, em 30 de janeiro de 1933. Assim, as palavras da placa, feitas por prisioneiros com habilidades em metalurgia, tornaram-se um símbolo dos esforços nazistas para enganar suas vítimas, dando-lhes uma falsa sensação de segurança antes de assassiná-los. A placa com a frase “Arbeit macht frei” simboliza, para a maioria, o cinismo sem limites da Alemanha nazista.

Duas curiosidades a serem lembradas: o B invertido e o roubo da placa metálica.

a) Fabricada em julho de 1940 por um prisioneiro polonês, o ferreiro Jan Liwacz, a placa “Arbeit macht frei” de Auschwitz é toda feita de aço, mede cinco metros e possui uma particularidade: a letra B da palavra “Arbeit” aparece invertida. Segundo interpretação dos sobreviventes, “o B invertido simbolizava insubmissão e a resistência à opressão nazista”. Mas, este código jamais foi decifrado por aqueles que estavam do lado de fora e tinham contatos com o campo. Quando o exército soviético libertou Auschwitz, em 27/01/1945, a inscrição foi desmontada para ser levada ao leste de trem. No entanto, Eugeniusz Nosal, prisioneiro polonês recém-libertado, subornou um guarda soviético com uma garrafa de vodca para recuperá-la. Escondida durante dois anos na prefeitura de Oswiecim (nome polonês de Auschwitz), a inscrição voltou a seu lugar original em 1947, quando o campo virou museu e memorial.

b) A placa metálica na entrada de Auschwitz foi furtada em dezembro de 2009. A polícia polonesa examinou as imagens das câmeras de vigilância, e desta forma conseguiu identificar os ladrões. Foi instalada uma réplica sobre o portão, enquanto a placa original passou a ser exibida no museu de Auschwitz. O porta-voz de Yad Vashem, em Jerusalém, afirmou que “não se trata apenas de um furto, mas a profanação de um lugar onde pessoas foram assassinadas, portanto é realmente um ato lamentável”.

REFLETINDO: É ISTO UM HOMEM?

O prisioneiro do campo de concentração ou extermínio representava a matéria prima de uma verdadeira “indústria da morte” criada pela Alemanha. Dele tudo era aproveitado: seus bens materiais, seus cabelos, ossos, gordura e até sua pele. O livro Se questo è un uomo? (É isto um Homem?) conta o percurso do judeu italiano Primo Levi, que é deportado a Auschwitz. Tudo lhe é retirado, tornando-se mais um anônimo prisioneiro do campo, colocando-se em dúvida a própria noção de identidade.

Já em Auschwitz-Birkenau, Levi vive uma existência repleta de problemas: a dor excruciante da fome, da sede e do árduo trabalho no “Lager”, que o leva ao esgotamento total da força e vontade humanas. Apesar da rotina difícil de ultrapassar, Levi aprende que a sobrevivência – pela astúcia e organização – é possível, mesmo que privados de qualquer direito moral.

Através de uma descrição objetiva do dia-a-dia de um prisioneiro, Primo Levi enaltece a força humana e a capacidade de resistência acima de qualquer dor física ou moral, mesmo quando a própria dignidade é posta em causa.

A questão não é registrar o que foi feito com este prisioneiro judeu. A questão é perguntar-se quem foi esse judeu 10 a 12 dez anos antes de ser enviado ao campo. Naturalmente, poderia ter sido um professor da Universidade de Berlim, um advogado de Munique, um médico de Kassel, um comerciante em Leipzig ou um aluno de “ieshiva” (academia rabínica) em Lublin, na Polônia conquistada. Estes profissionais judeus tinham suas famílias, eram pessoas com uma determinada rotina de trabalho, com sonhos e projetos individuais e coletivos. Casados ou solteiros, ricos ou pobres, muitos deviam ser bons filhos e ótimos pais ou mães de família. Mas, lamentavelmente, Hitler e o Terceiro Reich conseguiram ceifar seus sonhos e estragar seus planos futuros, tudo em prol de uma falsa ideologia racial, preconceituosa e intolerante; sustentada numa superioridade carente de toda lógica e raciocínio.

Hoje não temos motivos para reclamar de absolutamente nada. Trecho citado inúmeras vezes, escutemos novamente o conselho dado por Primo Levi a seus leitores:

Vocês que vivem seguros em suas cálidas casas,

vocês que, voltando à noite, encontram comida quente e rostos amigos,

pensem bem se isto é um homem que trabalha no meio do barro,

que não conhece paz, que luta por um pedaço de pão,

que morre por um sim ou por um não.

Pensem bem se isto é uma mulher, sem cabelos e sem nome,

sem mais força para lembrar, vazios os olhos, frio o ventre,

como um sapo no inverno. Pensem que isto aconteceu:

eu lhes mando estas palavras.                                                                                        

Gravem-nas em seus corações, estando em casa, andando na rua,

ao deitar, ao levantar; repitam-nas a seus filhos.

Ou, senão, desmorone-se a sua casa, a doença os torne inválidos,

os seus filhos virem o rosto para não vê-Ios.

 

ESTAÇÃO 1: VÁRIOS GENOCÍDIOS, APENAS UM HOLOCAUSTO

Esta primeira estação nos permite refletir com maior profundidade os termos “Genocídio” e “Holocausto”. O termo “genocídio” não existia antes de 1944; foi criado por Raphael Lemkin (1900-1959) como um conceito específico para designar aqueles crimes que visavam eliminar a existência física de grupos nacionais, étnicos, raciais, e/ou religiosos. Lemkin definiu genocídio como “um plano com ações coordenadas de vários tipos que objetiva à destruição dos alicerces fundamentais da vida de grupos nacionais com o objetivo de aniquilá-los”.

No decorrer da história, tivemos vários tipos de genocídios:

O “Genocídio Armênio” ocorrido durante a 1ª Guerra (1914-1918), também conhecido como o “Grande Crime” foi o extermínio total pelo governo turco-otomano de seus súditos armênios, um grupo minoritário dentro de sua pátria histórica, situada no território da atual República da Turquia. O número de pessoas mortas é estimado entre 1 milhão e 1,5 milhão. Em 24/04/1915 teriam dado início os massacres, quando as autoridades otomanas caçaram, prenderam e executaram cerca de 250 intelectuais e líderes comunitários armênios em Constantinopla.

O genocídio dos armênios foi realizado em duas fases: a matança da população masculina sã (recrutada para trabalhos forçados), seguida pela deportação de mulheres, crianças, idosos e enfermos em “marchas da morte” que levavam ao deserto sírio. Impulsionada por escoltas militares, os deportados foram privados de água e comida, além de serem submetidos a roubos, torturas, estupros e massacres periódicos.

Importante dizer que o conceito de “genocídio armênio” é contestado por autores da segunda metade do século 20, pois o Império otomano nunca teve uma concepção étnica ou colonial de Estado antes do genocídio, diferente do colonialismo europeu. Hoje, a Turquia, herdeira do Império Otomano, nega o termo “genocídio” como uma definição exata para os assassinatos em massa de armênios.

A Ex-República Federativa Socialista da Iugoslávia (1963-1992), hoje transformada em seis repúblicas, Bosnia-Herzegovina, Croácia, Eslovênia, Macedônia, Montenegro e Sérvia; (além das províncias autônomas de Kosovo e Voivodina), também teve seus genocídios. Estas repúblicas se juntam para constituir um único país sob a direção de Josip Broz Tito, um líder carismático que manteve unidas as repúblicas por três décadas.

O marechal Tito focou seu discurso na “convivência étnica” como forma de promover uma unidade e criar uma identidade iugoslava. A demora da Rússia em enviar orientações políticas para estruturar dita identidade, fez com que Tito se afastasse definitivamente da URSS. Assim, o rompimento de Tito com Stalin, permitiu ao primeiro outorgar liberdades jamais vistas no bloco comunista.

A Rússia aceitou a diversidade, sempre que não prejudicasse o poder comunista. Porém, depois da morte de Tito em 1980, e com a queda brusca do bloco comunista nos anos 90; os movimentos nacionalistas e separatistas provocaram o desmembramento e desintegração da Iugoslávia.

Começaram assim rivalidades e desconfianças políticas entre etnias, surgindo um nacionalismo com sentimentos separatistas que foram complicando a em cada uma das seis repúblicas.  Esta situação agravou-se ainda mais por conta do desempenho econômico deficitário do país; marcado por hiperinflação, dívidas externas, desemprego e queda considerável no nível de vida da população. A princípio dos anos 90 cada república buscava sua própria independência, desatando-se uma violenta “guerra fraticida” entre os diferentes grupos étnicos.

Em Darfur, na região oeste do Sudão, centenas de milhares de darfurianos fugiram das tropas militares de seu país (ou das milícias Janjaweed) atravessando a fronteira com o Chade. Outros dois milhões foram deslocados dentro da área de Darfur propriamente dita, e uns 400.000 morreram devido à violência e às péssimas condições de vida impostas aos grupos alvo do ódio da elite do país.

Assim, é frequente afirmar que GENOCÍDIOS foram vários, mas HOLOCAUSTO somente um. Qual o motivo desta diferenciação entre os genocídios e o Holocausto do povo judeu?

Gostaria de apontar pelo menos três motivos importantes:

  1. A Shoá perpetrada pela Alemanha nazista foi concebida através de um crescimento gradativo e sistemático das técnicas da morte, portanto acharemos uma cronologia interna do Holocausto que aponta para uma sofisticação nas formas de matar.
  2. Em segundo lugar, é fundamental lembrar que os alemães assassinaram em 12 anos (1933-1945) o maior contingente civil, 6.000.000 de judeus.
  3. E, finalmente, – diferente dos outros genocídios – a forma escolhida pelos alemães e seus colaboradores para matar, estava precedida pela rápida DESCARACTERIZAÇÃO e DESHUMANIZAÇÃO DOS PRISIONEIROS, tema que explicaremos adiante.

ESTAÇÃO 2: PROPAGANDA NAZISTA

Na Alemanha a propaganda foi definitivamente a “alma do negócio”. Todas as estratégias de propaganda latentes no “Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães” estavam presentes desde 1933. Em seis anos, a partir da chegada de Hitler ao poder até 1939, data da invasão da Polônia (início da 2ª Guerra), o uso da propaganda ficou cada vez mais sofisticado, atingindo parcelas cada vez maiores da população. Uma verdadeira lavagem cerebral foi realizada nos mais diversos níveis da sociedade germânica. Adultos e jovens eram instigados a obedecer às diretrizes do partido vencedor. Facilmente, o Führer se aproveitou da fragilidade cognitiva da juventude.

Com o passar do tempo, o Estado nacional-socialista vai-se configurando, cada vez mais, como estado autoritário, no qual a função da propaganda será essencial para sua manutenção no poder. Os nazistas centralizam todos os meios de comunicação e os colocam a seu serviço, estabelecendo, assim, um rígido controle e uma forte censura sobre os conteúdos a serem transmitidos. Neste contexto, comunistas e judeus são os maiores e mais temidos inimigos do Estado alemão. Hitler manifestou isto com total clareza na sua obra “Mein Kampf”.

A ideologia nazista aparece sustentada em fontes que remetem a um passado distante, como é o caso da suástica. O regime nazista é um regime milenar, baseado numa filosofia ocultista e esotérica, toda ela elaborada por premissas míticas. Nela, as forças do bem lutam contra as forças do mal. A propaganda do Terceiro Reich unirá mito e propaganda política. O Terceiro Reich incluirá combinará as antigas mitologias germânicas com reflexões do herói carismático, e discutindo a necessidade permanente de uma violência redentora. Por outra parte, a simbologia nazista apelou de forma agressiva a um imaginário nascido do romantismo de Goethe, Nietzsche e Wagner. Ela revitalizou a ideia dos tempos antigos e sagrados, recriou o volkgeist (espírito do povo germânico) e reinventou o mito da superioridade ariana.

As manifestações públicas realizadas em cidades como Berlim, e os efusivos discursos de Hitler aparecem investidos numa simbologia criada para impressionar as massas, destinada a colocar uma espécie de liturgia mística em toda e qualquer propaganda política. A extraordinária capacidade de oratória de Adolf Hitler, com essa parafernália mítica que o acompanhava em seus discursos cirúrgicos; gerou no público que o escutava, um estado de êxtase jamais visto anteriormente.

O Ministério mais importante durante o Nazismo, àquele ao qual se direcionam mais recursos, será o Ministério da Propaganda; brilhantemente dirigido pelo temível Joseph Goebbels. A partir desse ministério, Goebbels desenvolverá um verdadeiro culto ao Führer. A propaganda fará com que os delirantes objetivos de uma elite se convertam em objetivos compartilhados por toda uma nação, a mais respeitada da Europa.

Mas, como tudo foi possível? Como explicar que uma sociedade extremamente culta, que nos legou grandes filósofos, pensadores e escritores como Goethe, os irmãos Schlegel, Nietzsche e Schopenhauer, aceitou com tanta facilidade a mensagem dogmática de Hitler?

Nos inflamados discursos de Adolf Hitler não era importante o conteúdo, geralmente banal e reiterativo. Relevante era sua elaborada encenação diante das multidões, sedentas por um discurso otimista e promissor. Mesmo não sendo um orador espontâneo, sua retórica e seu mis-en-scène diante dos holofotes eram perfeitos. Suas palavras impecáveis vinham atreladas a slogans antissemitas tais como o popular “Die Juden sind unser üngluk” (os judeus são nosso infortúnio). Ademais, uma euforia ímpar era transmitida com uma exagerada gesticulação. A construção da propaganda nazista não foi obra de um extraterrestre. Foi obra de um líder que contou com a ajuda de colaboradores. Todos possuem uma parcela de culpa na situação de destruição em que foi deixada a Europa em 1945.

É difícil compreender como o esclarecido povo alemão aceitava um discurso intolerante; vindo de um líder que sequer era alemã, e, pior ainda, seus rasgos físicos o colocam na contramão do protótipo físico ariano desejado?

ESTAÇÃO 3: “BOICOTE” AOS JUDEUS

O “Memorial do Holocausto” não podia deixar de relembrar dois acontecimentos antissemitas significativos, organizados pelo Terceiro Reich durante o período de boicote, entre 1933 e 1939: a perversa “Queima pública de livros” e a fatídica “Kristallnacht”. Um dos maiores crimes que se pode cometer contra a cultura de um país ou de um povo é destruir sua memória, seus registros, sua história, suas ideias. Queimar livros como forma de  eliminar inimigos políticos ou etnias minoritárias é um ato tão bárbaro e cruel, que deveria ser condenado e combatido por toda a humanidade.

Na noite de 10 de maio de 1933, estudantes e membros do partido nazista incineraram 20 mil livros. O ato, intitulado “Ação contra o espírito não alemão”, foi transmitido ao vivo pelo rádio e filmado para depois ser exibido nos cinemas do país. Pouco tempo depois, outro aluno leu uma lista para que aqueles nomes ficassem gravados na mente dos espectadores. Entre os autores alvos da fúria intolerante: Sigmund Freud, os irmãos Thomas e Heinrich Mann, Albert Einstein, Karl Kraus, Ernst Bloch, Franz Kafka, Robert Musil, Rosa Luxemburgo, Karl Marx, Emil Ludwig, Bertolt Brecht, Arnold Zweig, Baruch Spinoza, Erich Maria Remarque, Erwin Piscator, Walter Benjamin, Stefan Zweig, Arthur Schnitzler, Marcel Proust, Romain Rolland, Emile Zola, Máximo Gorki, H. G. Wells e Ernest Hemingway.

A opinião pública e a intelectualidade alemã ofereceram pouca resistência à queima. Editoras e distribuidoras reagiram com oportunismo, enquanto a burguesia tomou distância, passando a responsabilidade aos universitários. Outros países acompanharam essa destruição de forma distanciada, chegando a minimizar a queima fruto do “fanatismo estudantil”.

Na verdade, a queima de livros havia sido organizada pela estrutura estatal nazista, pelo “Comitê Geral dos Estudantes” e pela “União Estudantil Nacional-Socialista”. Ela contou com a presença de reitores, professores universitários e líderes estudantis, além da cúpula de Hitler. O evento ocorreu simultaneamente em 34 cidades alemãs. O psicanalista judeu austríaco Sigmund Freud (1856-1939), quando tomou conhecimento de que seus livros estavam sendo queimados, ironizou: “Que progresso! Na Idade Média teriam me queimado. Hoje só queimam meus livros”.

A “Kristallnacht” ou Noite dos Cristais foi um pogrom contra os judeus da Alemanha nazista; acontecido na noite de 9-10 de Novembro de 1938. Foi perpetrada pelas forças paramilitares das SA e por civis alemães, e as autoridades olharam para o acontecimento sem intervir. O nome Kristallnacht deve-se aos milhões de pedaços de vidro partidos que encheram as ruas depois das janelas das lojas, edifícios e sinagogas judaicas terem sido quebradas.

As estimativas sobre o número de vítimas causadas pela violência indicam 91 judeus mortos, porém recentemente as análises referem-se a um número mais elevado. Quando se inclui as mortes posteriores, (devido a maus-tratos, judeus detidos, e suicídios), o número de mortos ascende a centenas. Além das vitimas mortais, 30.000 judeus foram detidos e enviados para campos de concentração.

As casas dos cidadãos judeus, hospitais e escolas foram pilhados e deitados abaixo pelos atacantes com marretas. Mais de mil sinagogas foram incendiadas (95 só em Viena) e 7.500 negócios foram destruídos ou danificados. Nenhum acontecimento na história dos judeus alemães entre 1933 e 1945 foi tão difundido como a fatídica “Kristallnacht”.

O pretexto para os violentos ataques foi o assassinato do diplomata alemão Ernest Von Rath pelo estudante Herschel Grynszpan, um judeu polonês nascido na Alemanha que estudava em Paris. À “Kristallnacht” seguiram-se perseguições económicas e políticas aos judeus, vistas pelos historiadores como uma intensificação da política antissemita da Alemanha nazista, disparadora do Holocausto.

Em uma reunião de altos funcionários nazistas, convocada pelo marechal Hermann Göring, foi decidido multar os judeus alemães com uma “indenização” no valor de um bilhão de marcos; para cobrir os danos causados durante o pogrom perpetrado contra eles. Era a famosa “Multa de Göring”. Nas semanas seguintes ao acontecimento, os judeus estavam privados dos meios de subsistência e de seus direitos legais. Eles foram relegados ao nível de párias sociais.

ESTAÇÃO 4: O GUETO

Quando o governo alemão instalou-se na Polônia, em outubro de 1939, uma de suas primeiras providências foi transferir e aprisionar a população judaica no exíguo espaço do bairro judeu, os 400 mil judeus de Varsóvia. Um bairro que em condições normais tinha a capacidade de abrigar apenas 60 mil pessoas. Um muro alto era rapidamente levantado para isolar por completo o bairro, convertendo-se em um “gueto” no sentido mais exato e nefasto da palavra.

Aos judeus de Varsóvia presos no gueto se somaram rapidamente 100 mil outros, evacuados de povoados vizinhos. Toda essa população confinada vivia em condições sub-humanas. Em cada cômodo disponível viviam em média 13 pessoas, enquanto grande parte da população sequer tinha um abrigo. Era frequente o confisco de pertences dos judeus, negando-lhes o acesso às necessidades básicas da vida cotidiana. Como a política oficial nazista no gueto era deixar os judeus morrerem de fome (inanição), comida e medicamentos eram totalmente limitados e racionados pelos alemães. Eles determinavam o que entrava nestas áreas superpovoadas de judeus.

Embora a vida dos judeus estivesse implacavelmente sob o controle das autoridades alemãs, eles faziam o possível para manter mínimas condições de sobrevivência. Empregavam métodos legais e ilegais para fazer frente às severas condições impostas nos guetos. Com parcos recursos monetários, os “Judenrat” (conselhos judaicos nomeados pelos nazistas), providenciavam moradia, creches, alimentação, assistência social, educação e outros serviços comunitários.

Muitos judeus confinados nos guetos deram-se conta que os nazistas lhes armaram uma cilada. Os insalubres guetos eram concebidos pelos alemães como locais de concentração temporária, submetidos a uma estrita vigilância, onde a mão de obra judaica seria explorada. Eles perceberam que esta seria a dura realidade até que uma nova etapa nazista se iniciasse, conduzindo-os à deportação aos campos.

A resistência judaica no gueto de Varsóvia começou a se formar no início de 1940, mas apenas em 02/12/1942 foi organizado um grupo de combatentes jovens, reunindo todas as tendências políticas possíveis. No dia 09/01/1943, Heinrich Himmler, chefe supremo da Gestapo, chegou de surpresa a Varsóvia, indo até o gueto. Lá ordenou destruí-lo e exterminar todos os seus habitantes. Assim, no dia 18/01/1943, batalhões da SS marcharam rumo ao gueto, mas, pela primeira vez, os alemães foram recebidos com granadas e tiros de metralhadoras. Depois de sofrerem muitas baixas, as tropas da SS foram obrigadas a se retirar.

Os líderes do levante, encabeçados pelo jovem Mordechai Anielewicz, fizeram um apelo ao mundo exterior. Palavras repletas de emoção foram transmitidas por uma rádio clandestina: “Declaramos guerra à Alemanha, a declaração de guerra mais desesperada que já foi feita. Organizamos a defesa do gueto, não para que o gueto possa defender-se, mas para que o mundo veja a nossa luta desesperada como uma advertência e uma crítica”.

Depois de uma trégua de três meses, na Páscoa Judaica (19/04/1943), as forças alemãs e colaboracionistas poloneses, ucranianos e lituanos cercaram o gueto. Por duas vezes os atacantes foram rechaçados, com inesperada força, pelas armas dos defensores do gueto. Após sofrer perdas consideráveis, os alemães acabam fugindo de forma desorganizada.

Diante de tamanha resistência, o comandante alemão Jürgen Stroop recebeu ordem pessoal de Hitler de usar todos os meios para destruir o gueto: artilharia, blindados, lança-chamas, gás asfixiante. Era uma luta corpo a corpo nas ruas, nas casas, sala por sala, sobre os telhados, nos porões, e até nos esgotos. Assim, no ataque final, a aviação alemã teve que intervir para poder acabar com os últimos focos de resistência. Desta forma, foi liquidado o gueto de Varsóvia.

ESTAÇÃO 5: O CONFISCO DAS ARTES

São poucos os memoriais do Holocausto no mundo que lembram o confisco de obras de arte das mãos dos judeus. Nosso “Memorial” destaca este importante tema. Ao abandonarem suas casas rumo ao “gueto”, os judeus deixavam para trás bens e objetos de valor tais como joias, louças, quadros e artefatos de decoração. Estes objetos dos lares, principalmente telas de artistas consagrados como Marc Chagall, Gustav Klimt ou Pablo Picasso, foram alvo de confisco e roubo. Oficiais e comandantes, principalmente aqueles que faziam parte da cúpula nazista, como Hermann Göring; solicitavam a seus soldados separar para ele obras de arte. Göring era grande entendido e apreciador de obras, que costumava pegar para si mesmo obras valiosas.

Quadros de artistas famosos como o “Retrato de Adèle Bloch Bauer I”, conhecido também como “A Dama Dourada” de Gustav Klimt, foi confiscado durante a 2ª Guerra.  E quem era “A Dama Dourada”? Adele Bloch-Bauer, amiga de Klimt, era uma mulher da aristocracia vienense e foi “musa inspiradora” do pintor. Ele acabou seu retrato em 1907, sendo executado em óleo e ouro sobre tela, com uma ornamentação elaborada e complexa. A obra foi encomendada em por seu marido Ferdinand Bauer, um judeu que fizera fortuna com a indústria açucareira.

Adele indicou, em seu testamento, que os quadros de Klimt deveriam ser doados à “Galerie Belvedere”, propriedade do Estado austríaco. Em 1925 Adele faleceu e quando os nazistas ocuparam a Áustria, o seu viúvo exiliou-se na Suíça. Suas propriedades foram confiscadas, incluída a coleção Klimt. No testamento de 1945, Ferdinand Bauer designou os seus sobrinhos e sobrinhas, incluindo Maria Altmann, como herdeiros do seu patrimônio. Como as pinturas propriedade da Sra. Bloch-Bauer permaneceram na Áustria, o governo inclinou-se pelo testamento de Adèle. Depois de uma batalha legal nos EUA e na Áustria, Maria Altmann foi declarada proprietária legal desta e de outras quatro pinturas de Klimt.

A tela “A Dama Dourada” foi vendida em 2006 a Ronald Lauder, proprietário da Neue Galerie em Nova Iorque, por 135 milhões de dólares, tendo sido, na época, a segunda pintura mais cara do mundo. A obra encontra-se em exibição permanente na dita galeria, desde julho de 2006. Esta pintura passou a ser uma peça central da coleção de Lauder na sua Neue Galerie de Nova Iorque, que por anos tentou recuperar a arte que tinha sido propriedade da comunidade judaica, e que fora confiscada ou roubada pelo governo nazi.

ESTAÇÃO 6: “SALA DA DEPORTAÇÃO” AOS CAMPOS

A etapa do gueto foi penosa e triste. Judeus entraram rapidamente em processo de inanição, perda de peso, começando a morrer. Mas, mesmo debilitado, ninguém morre de um dia para outro. Assim, os nazistas entenderam que seria necessário entrar em uma nova fase da “Judenfrage” (questão judaica). Desta forma fretam trens deportando judeus aos campos de concentração e, posteriormente, de extermínio.

Campos de extermínio foram construídos com o objeto de assassinar industrialmente massas de seres humanos. Milhões de pessoas, maioritariamente judeus, foram deportados em trens de carga fretados das comunidades de toda a Europa para seis campos de extermínio. As deportações eram feitas, principalmente à noite, como atesta o cineasta francês Alain Resnais em seu poético documentário “Noite e Neblina”, produzido em 1956.

Os trens não apresentavam condições para o transporte de pessoas. Praticamente não havia janelas, e as poucas existentes estavam na parte superior do vagão, de acesso difícil para respirar. Necessidades eram feitas ali mesmo. O percurso demorava horas, e muitas vezes, dias inteiros. A falta total de ar levava ao óbito por asfixia. Sem água nem comida, os alemães acomodavam entre 70 e 100 pessoas por vagão.

Chegando aos campos, ainda na plataforma, acontecia a temida “selektzia”, uma seleção de prisioneiros: crianças e idosos eram separados daqueles que ainda tinham forças para realizar trabalhos forçados, principalmente homens. Sem utilidade alguma para Alemanha, crianças e idosos eram logo encaminhados para as câmaras de gás, não sem antes retirar as pertences das vítimas.

No campo de extermínio começava o processo de DESCARACTERIZAÇÃO e DESHUMANIZAÇÃO DO PRISIONEIRO. Primeiramente, era borrifado (detetizado) com produto, e imediatamente seus cabelos totalmente retirados. Em condições desumanas, homes e mulheres iam passar por este penoso processo, no qual os semblantes pareceriam iguais. Em segundo lugar, os alemães tatuavam um número no braço dos prisioneiros. Era uma forma de apagar suas identidades, pois seus nomes eram substituídos por números. Finalmente, cada prisioneiro receberia seu uniforme com o qual trabalharia. O uso obrigatório do pijama listrado, (termo emprestado para o uniforme no livro “The boy in the stryped pyjamas” de John Boyne), foi a maneira encontrada pela Alemanha nazista para “massificar” e “coisificar” pessoas. A rigor, esta política de descaracterização do prisioneiro é única e exclusiva do Holocausto.

A “Conferência de Wannsee”, realizada num subúrbio de Berlim em 20/01/1942, acelerou o ritmo das deportações, uma vez que a partir desta data seria colocada em prática a “Solução Final do Povo Judeu”. A ideia central era a eliminação total dos judeus, transportando o maior número deles até as câmaras de gás; queimando logo seus corpos nos crematórios.

ESTAÇÃO 7: SOBREVIVENDO NA BARRACA

O “Memorial do Holocausto” entende que para poder entender melhor a vida do prisioneiro, é necessário recriar uma barraca tal qual existiu nos campos de concentração ou extermínio. Para isso, estudando as fotografias da época, foi fabricado um treliche, (cama de três níveis), mostrando o lugar onde dormiam à noite os prisioneiros. Esta cama não tem colchão, apenas um pouco de palha, e obviamente não tem travesseiros, pois os prisioneiros usavam tigelas de comida viradas como apoio da cabeça. As tigelas eram tidas como utensílios de extremo valor, pois quem perdia sua tigela, obviamente não comeria.

Numa foto do campo de Buchenwald (posicionada frente à cama do prisioneiro), é possível ver o número de pessoas que dormiam por nível de cama, eram de 7 a 10 prisioneiros por andar. Nessa mesma imagem aparece o rosto de um prisioneiro ilustre, o escritor Elie Wiesel. Em 1944, com 15 anos, afastado de sua mãe e irmã, Wiesel foi deportado com seu pai para Auschwitz. Agraciado com o “Premio Nobel da Paz” em 1986, ele foi honrado pelo seu esforço em preservar a memória do Holocausto, como também pela sua incansável luta contra a intolerância e o preconceito. No livro “Noite” Wiesel descreve sua primeira noite no campo:

“Nunca me esquecerei daquela noite, a primeira noite de campo, que fez minha vida uma noite longa e sete vezes aferrolhada. Nunca me esquecerei daquela fumaça. Nunca me esquecerei dos rostos das crianças cujos corpos eu vi se transformarem em volutas sob um céu azul e mudo. Nunca me esquecerei daquelas chamas que consumiram a minha fé para sempre. Nunca me esquecerei daquele silêncio noturno que me privou por toda eternidade do desejo de viver. Nunca me esquecerei daqueles momentos que assassinaram meu Deus, minha alma e meus sonhos, que se tornaram deserto. Nunca me esquecerei daquilo, mesmo que eu seja condenado a viver tanto tempo quanto o próprio Deus. Nunca.”

Ele narra também uma conversa com seu pai:

– É pena… Pena que você não tenha ido com sua mãe… Vi muitas crianças da sua idade indo embora com a mãe…

Sua voz estava terrivelmente triste. Percebi que ele não queria ver o que fariam comigo. Não queria ver seu único filho sendo queimado.

Um suor frio cobria sua testa. Mas eu lhe disse que não acreditava que queimassem homens na nossa época, que a humanidade jamais toleraria isso…

– A humanidade? A humanidade não se interessa por nós. Hoje em dia, tudo é permitido. Tudo é possível, até mesmo os fornos crematórios… Sua voz estava estrangulada.

Sempre que questionado sobre suas impressões sobre o Holocausto, ele alerta que educar as futuras gerações é a melhor maneira de prevenir que a História de repita. Ele se dedicou a isso, palestrando e dando entrevistas sobre o tema nos EUA e ao redor do mundo.

ESTAÇÃO 9: SALA DE EXIBIÇÃO

A maioria das filmagens exibidas no “Memorial do Holocausto” foi produzida durante a 2a Guerra Mundial, na Alemanha, nos guetos, nos campos de concentração ou extermínio; todas elas foram tomadas pelas câmaras fotográficas dos nazistas. O alemão gostava de documentar absolutamente tudo. A ideia de Hitler era criar um novo museu para o povo judeu: “o povo que não existe mais”.

As imagens exibidas no “Memorial do Holocausto” trazem diversas cenas da guerra, retratam as humilhações sofridas pelos judeus na via pública, recriam as dolorosas despedidas de mães e filhos na hora da deportação como também revivem os primeiros momentos na hora da libertação dos campos pelos Aliados em 1945.

ÚLTIMA ESTAÇÃO: POR UM MUNDO MELHOR.

No final deste percurso convido todos vocês a refletir sobre o cerne da condição humana. Falando seriamente diria a vocês o seguinte: “Todos nascemos e viemos a este mundo SEM NADA e, fatalmente, num futuro, cada um de nós deixará este mundo SEM NADA… Então, o que restou? Neste meio termo de nossas vidas, restou o esforço que cada um de nós fará para sermos pessoas melhores, seres humanos mais sensíveis, mais éticos, todos procurando buscar o amor e a solidariedade…., sermos ótimos filhos e filhas, sermos também excelentes pais… pois, afinal de contas NADA MATERIAL LEVAMOS DESTE MUNDO!!

Estive na Polônia três vezes, vi os campos, pude manusear documentos e objetos da época da “Shoá”, convivo com sobreviventes, pessoas que considero “heróis” por haver juntado forças para constituir famílias e educar as novas gerações. Não sei como ainda existem pessoas que tentam diminuir o significado do Holocausto, ou pior ainda, nega-lo. É muita hipocrisia, muita desfaçatez, muita maldade!!

E já no fim desta visita guiada, com sabor amargo na boca e olhos marejados, pergunto novamente a vocês, visitantes: O que vocês vieram buscar no “Memorial do Holocausto”? Desconheço o que vocês vieram buscar, mas direi a vocês aquilo que eu vim buscar:

Eu vim redescobrir no “Memorial” uma rica herança cultural dilacerada.

Eu vim buscar aqui milhares de vozes silenciadas e resgatar a infância perdida de um milhão e meio de crianças.

Eu vim acalmar os gemidos, a dor e o sofrimento dos inocentes prisioneiros confinados nos seis campos da morte: Auschwitz-Birkenau, Treblinka, Majdanek, Belzec, Chelmno e Sobibor.

Eu vim reencontrar uma parte de minha família. Os irmãos de meu avô materno Zelik Turkenich z”l – almas inocentes e puras – brutalmente assassinadas pelos impiedosos nazistas.

E, finalmente, eu vim buscar no “Memorial” algo que, atualmente, está em falta no mundo: amor, tolerância e compreensão. São estes os caminhos que devem guiar o mundo, pois o ser humano é ainda muito pequeno. Que essa lição de vida oferecida desde agora pelo “Memorial do Holocausto” ilumine a todos os visitantes.

Hoje, com 63 anos de idade, mais de 40 dedicados à pesquisa da História Judaica; estou dando uma guinada na minha vida. Desde meu microcosmo, sei que tenho uma oportunidade ímpar de tentar mudar o mundo. Concordo com Anne Frank: “Apesar de tudo, ainda acredito na bondade humana”. Não temos escolha, hoje não existe “plano B”. Precisamos rapidamente transmitir esta ideia de Anne para às futuras gerações. Hoje mais que nunca urge aprimorar a nossa existência neste Planeta Terra.