O atentado a D. Pedro II em 1889

Na noite da quinta-feira 1º de setembro de 2022, a vice-presidente em exercício da Argentina Cristina Fernandes de Kirchner sofreu uma tentativa de assassinato. Na saída de sua residência no aristocrático bairro da Recoleta, ela cumprimentava apoiadores quando um homem de nacionalidade brasileira, identificado por Fernando André Sabag Montiel, tentou atirar contra seu rosto. Carregada com cinco balas, a arma não disparou e o acusado foi imediatamente preso no local.

Manifestantes da oposição ao Kirchnerismo têm protestado contra a vice-presidente desde que o promotor Diego Luciani pediu uma pena de prisão contra ela de 12 anos por conta de uma acusação de fraude e corrupção quando foi presidente nas gestões presidenciais de 2007 a 2015.

Assim, poucas horas depois da tentativa de atentado, surgiram unanimemente nos diferentes meios de comunicação, vozes de solidariedade e de repúdio a este tipo de violência.

O atentado ao Imperador

O Brasil durante o regime imperial, no final do século 19, teve um episódio semelhante contra o chefe do Estado, Sua Majestade D. Pedro II. Isso aconteceu na noite de 15 de julho de 1889. Na porta do Teatro Sant’Anna (hoje Teatro Carlos Gomes), saindo o imperador do concerto da virtuosa violinista italiana Giulietta Dionesi de apenas 11 anos, a carruagem do monarca foi atingida. Estavam ali presentes D. Pedro II (1825 – 1891), a imperatriz D. Teresa Cristina (1822 – 1889), sua filha, a princesa Isabel (1846 – 1921), o príncipe Pedro Augusto (1866 – 1934) e seu neto mais velho.

O disparo foi efetuado por Adriano Francisco Augusto do Valle, um caixeiro desempregado de 20 anos, nascido em Coimbra, portanto de nacionalidade portuguesa. Ao parecer Adriano não mantinha qualquer ligação com o movimento republicano.

Durante o momento de sua prisão, o jovem se encontrava embriagado em um bar, onde diante de outros fregueses, vangloriava-se de ter atirado contra o imperador. Ele também afirmava que o faria de novo, por ter errado o disparo.

A repercussão na mídia

Os jornais da época relatam que, pouco tempo antes do atentado, já embriagado, Adriano teria afirmado ter coragem de dar “Vivas a República” diante do próprio imperador. No “Hotel Provenceaux”, ele pediu que o caixeiro Antônio Gonçalves guardasse os dois revólveres que possuía. Durante o decorrer do interrogatório, confessou seu crime e declarou: “Se houvesse atirado contra qualquer pessoa, teria desonrado a minha família, mas como foi sobre o Imperador, considero-me honrado”.

O atentado aconteceu exatamente na frente do restaurante “Maison Moderne”, localizado na Praça da Constituição (atual Praça Tiradentes), entre a Rua Espírito Santo (atual Rua Pedro I) e a Travessa da Barreira (atual Rua Silva Jardim) no Rio de Janeiro. Segundo notícias publicadas nos jornais, o tiro não causou estragos e o atentado não teve um viés político. “Não podemos atribuir senão à inconsciência de quem o praticou: ou loucura ou embriagues, pois por honra do partido republicano, não acreditamos que tal ato dele partisse”, diz o jornal “Gazeta da Tarde”.

No mesmo sentido tratou a “Gazeta de Notícias”: “O que se passou na madrugada de ontem não tem, a nosso ver, nenhuma significação política”.

Por sua parte o “Jornal do Commercio” afirmou que “o tiro disparado sobre o carro foi um ato de insânia e criminoso, mas cuja responsabilidade não pode caber a um partido político”. Este último periódico, no entanto, chama a atenção para o clima político no país:

“Esta exaltação, quase delírio, que nos causa apreensão, vai se manifestando em várias classes da nossa sociedade com assustadora frequência e crescente intensidade. Já há algum tempo aludimos a este violento sopro de revolta que abala o país e vai do seio da família até a praça pública.”

Já o jornal “Cidade do Rio” de 16 de julho de 1889 registrou: “Causou a mais viva impressão a notícia da deplorável ocorrência de ontem à noite, às portas do teatro Sant’Anna e suas circunvizinhanças. Um grupo, quando o Imperador saía do teatro em companhia de sua augusta família, levantou vivas à república; o que produziu a maior confusão no povo, que em desafronta de Sua Majestade levantou vivas ao imperador. Sua Majestade embarcou em seguida no seu coche, que partiu a trote largo, e afirmam várias pessoas que, no momento de passar aquele por defronte da Maison Moderne, ou Stat-Coblentz, ouviu-se a detonação de um tiro”.

O diplomata brasileiro Rui Barbosa (1849-1923) se manifestou sobre o ocorrido. O intelectual e conselheiro relatou que foi uma surpresa e que, para acreditar que se tratou de um atentado político, seria preciso “não conhecer o sentimento nacional em relação à pessoa de Sua Majestade”. E Rui Barbosa continua: “Não há partidos, nem grupos, nem indivíduos, que pudessem, sequer, conceber, quanto mais levar a efeito, neste país, maldade semelhante contra o chefe do Estado, a quem a sua posição, a benevolência de seu Ânimo e a sua idade asseguram, de toda parte, reverência profunda e universal”.

Segundo Barbosa, não se poderia explicar “essa perversidade covarde e estúpida, senão por anomalia mental, que cumpre à ciência estudar e julgar”.

O julgamento

Pelo que sabemos o imperador, apesar do ocorrido, decidiu não levar o processo adiante, pois o objetivo dele era impedir uma repercussão negativa pelo ocorrido e com isto, o movimento republicano ganhar mais moral e destaque, além, de impedir futuros atentados.

Mas a tentativa do monarca de ocultar o atentado não vingou. Em 15 de novembro de 1889, foi proclamada a República. Uma semana depois, no dia 23, ocorreu o julgamento de Adriano do Valle. A defesa alegou que Adriano não havia atirado contra a carruagem imperial, já que nem os cocheiros nem os membros do piquete haviam ouvido disparos, e que não havia marca de tiros na carruagem.

A defesa alegou ainda que Adriano ingeriu absinto, que possui alta graduação alcoólica, e que seria esse um dos motivos de ter tomado uma atitude irracional. O resultado do julgamento todos vocês poderão imaginar: Adriano do Valle foi absolvido e colocado em liberdade. Ele não era mais português nem republicano.

Adriano do Valle faleceu em 30 de Março de 1903, com 36 anos de idade, viúvo, residindo no município de Miracema, (noroeste do Estado do Rio de Janeiro), de tuberculose pulmonar, sendo sepultado no cemitério deste município.

Sem nenhuma pretensão de comparar os dois atentados, pois afinal trata-se de contextos e de circunstancias completamente diferentes; o Brasil Imperial também teve seu Fernando Sabag Montiel.

 

Bibliografia

Após encantar-se com Molière e Giulietta Dionesi, o Imperador Pedro II sofre um atentado. Ver: Brasiliana Fotográfica: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=19845

Atentado de julho 1889.  Ver: https://pt.wikipedia.org/wiki/Atentado_de_julho_de_1889

Pedro II sofreu atentado às vésperas da Proclamação da República. Em: Migalhas quentes. https://www.migalhas.com.br/quentes/372851/d-pedro-ii-sofreu-atentado-as-vesperas-da-proclamacao-da-republica.

Nota histórica – Julho de 1889 – atentado contra D. Pedro II. Tribunal da Relação de Ouro Preto e seu apoio ao Imperador. https://bd.tjmg.jus.br/jspui/bitstream/tjmg/558/1/NHv1832007.pdf

Vidipó, George, Um processo criminal nos jornais do século XIX: O atentado contra Dom Pedro II. Anais do Encontro Internacional e XVIII Encontro de História da ANPUH – Rio. HISTÓRIA E PARCERIAS. https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1528452552_ARQUIVO_AtentadocontraDPedroII-GeorgeVidipo-Anpuh2018II.pdf