Herança nefasta – As casas de Joseph Goebbels

Joseph Goebbels (1897-1945), Ministro da Propaganda de Adolf Hitler, o homem que junto a sua esposa Magda envenenou seis filhos no Führerbunker; manteve duas luxuosas casas recebidas do Estado alemão: a primeira, localizada perto de Wandlitz, ao norte de Berlim; e uma segunda no sul do país, nas proximidades de Munique. Cada uma das residências nos remete a histórias pouco conhecidas que iremos descrever neste artigo.

A casa de Berlim

A propriedade berlinense de Joseph Goebbels está localizada à beira do lago Bogensee, (uns 40 km de Berlim), perto de Wandlitz, Estado de Brandemburgo, e possui 17 hectares; algo equivalente a 11 campos de futebol. O objetivo dessa mansão era servir de refúgio campestre do Ministro da Propaganda do Reich. Atualmente, a casa que conta até com bunker, está sendo oferecida de graça a qualquer pessoa que se comprometa a arcar com a sua conservação.

 A residência de 30 quartos é um dos legados mais complexos do regime nazista. Construída para Goebbels com extremo luxo, a propriedade “testemunhou” um dos períodos mais sombrios da história do país. A casa enfrenta hoje um dilema que reflete o peso de toda sua história: abandonada e de manutenção cara, esta residência berlinense é um fardo para o governo alemão, que, segundo “The New York Times”, já não sabe o que fazer com o local.

A propriedade foi outorgada a Joseph Goebbels em 1936 por ocasião do 39º aniversário do nazista. Ela foi projetada para exibir o glamour do regime nacional-socialista. Depois do suicídio de Goebbels e sua mulher Magda, a moradia ainda foi utilizada como hospital, tendo preenchido posteriormente outras finalidades, antes de ter sido totalmente abandonada.

Após a queda do Nazismo e a divisão da Alemanha em 1945, o complexo foi utilizado pelo então regime comunista da Alemanha Oriental como uma escola de doutrinação, adicionando outra camada de história ao local. No entanto, desde a reunificação da Alemanha em 1990, esta propriedade foi deixada para deteriorar, constituindo um pesado ônus financeiro para o Estado, que gasta anualmente cerca de 280.000 euros apenas para evitar que o local se desintegre completamente.

A casa berlinense de Goebbels não é um caso isolado na Alemanha. Desde o fim da Segunda Guerra, o país vem lutando com afinco para encontrar a melhor forma de lidar com o patrimônio físico deixado pelo regime nazista. A estratégia inicial do novo governo alemão no pós-guerra foi muitas vezes a de ignorar ou transformar esses locais, evitando assim a possibilidade de que se tornassem pontos de peregrinação para ideologias nocivas. Citaremos como exemplo o apartamento de Adolf Hitler em Munique. O imóvel foi transformado rapidamente em delegacia de polícia e ainda os estantes de madeira utilizados são aqueles usadas pelo próprio Führer. Em 2023, na Áustria, o governo decidiu também converter o local de nascimento de Hitler em uma delegacia de polícia, gerando um debate intenso. No entanto, à medida que o tempo passa e o distanciamento histórico aumenta, surge um inesgotável debate sobre a real necessidade de preservar esses locais como forma de garantir que gerações futuras não esqueçam jamais os horrores do passado.

O desafio de lidar com a casa de Goebbels em Berlim também se insere em um contexto maior, vinculado ao renascimento e fortalecimento da extrema-direita europeia, particularmente na Alemanha. O governo de Berlim está ciente de que permitir que o local caia em mãos erradas poderia resultar em ponto de encontro para grupos neonazistas, algo que as autoridades desejam evitar a todo custo.

A preocupação aumentou especialmente após uma tentativa de aquisição por parte de um movimento de ultradireita conhecido como Reichsbürger, grupo com ideias e convicções neonazistas, incentivador do antissemitismo e adepto do revisionismo histórico. A maioria de seus militantes são cidadãos radicais, negam a legitimidade do Estado alemão atual, buscando restaurar as fronteiras obtidas durante o Terceiro Reich. Os Reichsbürger atraem cada vez mais a atenção das autoridades alemãs por sua afinidade com armas, hostilidade e violência.

Entre as propostas para o futuro da casa berlinense de Goebbels, uma das mais notáveis foi a do rabino Menachem Margolin, Presidente da “Associação Judaica Europeia”, entidade que sugeriu transformar o local em um centro educacional dedicado ao combate do ódio. “É uma mensagem importante para todos saber que, mesmo o lugar mais sombrio do mundo, pode se tornar uma fonte de luz” disse o rabino. Embora a proposta de Margolin tenha encontrado apoio moral, ela ainda enfrenta sérios desafios financeiros. O custo para restaurar e manter o local é alto, e o financiamento para tal projeto ainda não foi assegurado. Alguns especialistas argumentam que dada a importância histórica do local, o governo alemão deveria arcar com os custos de tal empreendimento; como parte de seu compromisso inabalável de enfrentar seu temeroso passado.

Além dos grandes desafios financeiros e logísticos, há também uma grande preocupação estética em relação à preservação de locais associados ao regime nazista. Manter esses edifícios antigos em bom estado de conservação pode inadvertidamente reestatizar o regime que eles representam, criando assim um risco de romantização do passado. Ao mesmo tempo, deixá-los deteriorar por completo pode significar também a perda de um relevante testemunho histórico.

A casa de Munique

A segunda casa de Joseph Goebbels, a de Munique, será analisada aqui sobre outro ângulo. O cenário escolhido será a parte interior da mansão do Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, ambiente mostrado através de uma fotografia em branco e preto.

A fotografia que conseguimos, nos faz remeter a um grande salão iluminado por três enormes janelas. A luminosidade do ambiente permite visualizar com total clareza três soldados judeus fardados com uniforme do exército americano no final da Segunda Guerra Mundial.

Os três soldados judeus aparecem perfeitamente uniformizados, oficiam o culto ou serviço religioso, todos possuem suas cabeças cobertas, vestem seus talitot (xales) com seus respectivos tzizit (conjunto de franjas do talit que servem para lembrar os Mandamentos de Deus). Estes soldados foram identificados como o Capitão Manuel M. Polhiakoff e o Capitão Martim Willen, ambos alistados por Baltimore, cidade da Maryland. Já o terceiro soldado que segura os rolos da Torá nas suas mãos é Abraham Mirmelstein, um combatente recrutado por Newport News, cidade do Estado de Virginia.

Diferentes símbolos nazistas surgem do interior da casa de Goebbels. O escudo do Terceiro Reich (remonta ao século 13), com sua famosa águia centralizada. A águia era associada na Idade Média ao poder dos deuses e dos imperadores, representando a força e a invencibilidade da Alemanha.

O Nazismo irá absorver aquele símbolo medieval do Sacro Império Romano Germânico dentro de sua ideologia de superioridade racial. A águia passará a ser usada geralmente acima da suástica, reafirmando a ideia de que o povo ariano era altamente poderoso e, portanto, devia ser colocado acima de tudo.

O símbolo da suástica não poderia faltar no interior da casa de Joseph Goebbels. Ela aparece frequentemente sobre um círculo branco e fundo vermelho. Essa tonalidade vermelha representa o comprometimento total do Terceiro Reich com os interesses do povo, e o disco branco simboliza a unidade nacional alemã.

Os símbolos judaicos espalhados na sala da casa de Munique desempenham um papel fundamental do momento retratado. Ao lado de uma das janelas foi colocada uma pequena caixa de madeira, representando a Arca Sagrada (Aron Hakodesh), o lugar em que se guardam os rolos da Torá. E acima da mesma, foi afixada uma cortina (parochet) que cobre a própria Arca.

Na cortina pendurada na parede é possível distinguir as Tábuas da Lei e, acima delas a Estrela de David (Maguen David); talvez sintetizando a união eterna dos dois maiores líderes do Povo de Israel, Moisés e David.

Na hora de obter-se a fotografia e tomando em consideração a forte oposição (preconcebida) entre os símbolos do Judaísmo e os do Nazismo, é possível fazer uma leitura profunda, crítica e refletiva: Nessa luta constante entre as forças do bem e as do mal, a vitória final será das primeiras, representadas pelo Judaísmo.

Palavras finais

Enquanto o governo alemão ainda busca uma solução plausível para a mansão berlinense de Goebbels, o tempo avança e a natureza toma conta do local. O futuro da propriedade permanece incerto, mas o debate em torno dela reflete o contínuo esforço da Alemanha em lidar com sua história complexa e em garantir que as lições do passado sejam sempre lembradas. A solução, seja ela qual for, certamente deverá equilibrar a necessidade de preservação histórica com a responsabilidade de evitar a glorificação de um passado sombrio.

A fotografia de soldados judeus rezando na mansão de Goebbels não deixa de ser uma resposta inesperadamente poderosa e sutil às atrocidades cometidas pela Alemanha nazista. A imagem é um tapa de luva que traz, intrinsicamente, uma mensagem clara para toda a Humanidade: O mal jamais vencerá!!

Em outras palavras, o regime nazista foi humilhado militarmente pelas forças aliadas, mas também sua cultura, considerada única e especial, sofreu uma contundente derrota espiritual. A partir de 1945, o volksgeist (espírito de povo) e a cultura nazista impostas às diferentes populações, não mais continuarão a atormentar a vida dos cidadãos europeus, especialmente àqueles de origem judaica.

A fotografia do interior da casa de Joseph Goebbels em Munique traz à tona uma frase que repetimos “ad nauseam” a cada momento: “Nazismo nunca mais”.

Bibliografia

Albuquerque, Raquel, Berlim está a oferecer a casa de campo de Joseph Goebbels, ministro da propaganda do regime nazi. https://www.msn.com/pt-pt/noticias/ultimas/berlim-est%C3%A1-a-oferecer-a-casa-de-campo-de-joseph-goebbels-ministro-da-propaganda-do-regime-nazi/ar-AA1o7VeO

Anton, Jacinto, Ninho de amor de Goebbels vira ‘elefante branco’ para Alemanha. El País. Cultura. (Barcelona, 21 enero 2019). https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/17/cultura/1547744233_823167.html

Tortamano, Caio, Do luxo ao lixo: o palácio da orgia, agora abandonado, de Goebbels. Aventuras da História (30/01/2020). https://aventurasnahistoria.com.br/noticias/reportagem/o-palacio-abandonado-de-goebbels.phtml