Temperamentos humanos segundo o Maimônides

O grande mestre Rambam ou Maimônides (1138-1204) é, sem dúvida, a maior personalidade judaica da Idade média e uma referência na área da filosofia, da medicina, da educação e das ciências em geral. Costumo dizer que esta destacada figura do Judaísmo espanhol é “Nosso Leonardo da Vinci”, uma vez que transitava com enorme facilidade pelas diferentes áreas do conhecimento e do saber. Poucos sabem, mas uma das áreas pela qual o sábio Moisés ben Maimón se interessou e aprofundou foi a da “psicologia humana”, disciplina que é ensinada diariamente nas diferentes universidades do mundo.

O “Sêfer Hamadá” (Livro da Ciência) do Maimônides é uma leitura fascinante que inclui uma seção intitulada “Hilchót Deot” (Leis dos Temperamentos), em que comenta cinco preceitos positivos e seis negativos endereçados aos judeus. Eis os conselhos: 1) Achar seus caminhos; 2) aderir àqueles que conhecem a D´us; 3) amar os amigos; 4) amar os convertidos pela força; 5) não odiar seus irmãos; 6) repreender sempre o malfeitor; 7) não envergonhar a pessoa; 8) não oprimir o desafortunado; 9) não fazer maledicência (lashon hará); 10) não ser vingativo e finalmente 11) jamais guardar rancor.

Segundo o Maimônides, durante o percurso de suas vidas, os seres humanos desenvolvem temperamentos variados e por vezes opostos: há quem tenha uma personalidade difícil e se enfureça constantemente, outro terá um caráter passivo e jamais se zangará ou se irritará levemente. Há as orgulhosas e as excessivamente humildes. Há quem tenha excesso de paixão não se satisfazendo com nenhum tipo de prazer; e há quem de tão recatado nem deseja sequer as coisas básicas que o corpo necessita.

Para Maimônides há o ambicioso que não se satisfaz com todo o dinheiro do mundo e há o indiferente para quem uma medida pequena já lhe basta, não se importando em ir atrás do que carece. Há quem se privará de alimentos, ficando esfomeado para economizar; enquanto outro desperdiçará seu dinheiro conscientemente. Basicamente, os temperamentos seguem sempre um padrão de contrastes: o brincalhão e o melancólico, o mesquinho e o generoso, o cruel e o compassivo, o covarde e o corajoso.

O sábio Maimônides localiza em cada temperamento e seu oposto, havendo também temperamentos intermediários. Há temperamentos inatos e outros adquiridos como resultado de tendências ou inclinações pessoais. Existem temperamentos que podem ser assimilados do meio em que a pessoa vive, ou assumidos por opção.

No capítulo 4 de “Shemoná Perakim” (Oito capítulos) o Maimônides explica que há quem nasça com um cérebro cuja química interna é propensa à realização intelectual. Contudo, se essa pessoa não desenvolver essa tendência, infelizmente não se tornará sábia. Da mesma forma, há quem possua tendências de coragem ou covardia. Mas, elas não passam de meras tendências e não se manifestarão a menos que sejam conscientemente desenvolvidas. Em outras palavras, toda tendência está sujeita ao controle do homem, pois nos foi concedido o livre arbítrio e, portanto, está em nós mesmos a escolha da linha de comportamento.

As ideias elaboradas pelo Maimônides foram escritas em língua hebraica no limiar do século 12, e vejam quão atuais elas permanecem. O grande sábio sefaradita ainda comenta hábitos alimentares e comportamentos vinculados à ingestão de alimentos, mas este polêmico tema pretendo discutir numa outra oportunidade.

BIBLIOGRAFIA

Rambam, Mishnê Torá – Livro 1 – Sêfer Hamadá 1: “Hilchot Deot” ou Leis dos Temperamentos. Edição dos Rabinos Shamai Ende e Shmul Osher Begun. Yeshiva Lubavitch e Editora Lubavitch, São Paulo 2014, capítulos 1-5, págs. 155-189.